Cláudio Damasceno *
Enquanto a vida política do país cada vez mais é arrastada para dentro das investigações da Operação Lava Jato, ocupando vasto espaço na imprensa e abalando a tranquilidade política e econômica, a CPI do Carf no Senado vem trabalhando discretamente. O escândalo levantado pela Operação Zelotes, em abril, hoje está na periferia das atenções dos jornalistas, e essa é a razão pela qual não podemos perdê-la de vista, sobretudo o conteúdo do relatório final. Nos dirá se o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entrará em nova era, de transparência e virtuosismo, ou se continuará uma caixa preta.
Analisando detidamente, há muitas semelhanças entre o que aconteceu na Petrobras e no Carf. Empresários se uniram a apadrinhados políticos, colocados em pontos estratégicos das entranhas da estatal e do Conselho, para a obtenção de vantagens. Há evidentes falhas estruturais em ambos; a governança não se fez presente, apesar dos sinais inequívocos. O resultado é estarrecedor.
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O Sindifisco Nacional se colocou à disposição da CPI para colaborar nos trabalhos. Mais do que somente apontar as falhas no funcionamento do Carf, ofereceremos sugestões para que seja realmente um braço do Estado, trabalhando para o Estado.
A primeira: quadro composto apenas por auditores fiscais. É a melhor maneira de o Brasil se precaver contra crises como a atual, causada pelo loteamento político e pelos lobbies. São as razões da derrocada da Petrobras e, não coincidentemente, do enfraquecimento do Conselho. O governo deve adotar, como regra definitiva, o preenchimento das lacunas funcionais pelos agentes do Estado, por dever de ofício regidos pelos princípios da legalidade, da moralidade, da razoabilidade e da impessoalidade – conforme compromisso assumido quando da investidura do cargo.
Ficou provado que a representação do contribuinte serviu, lamentavelmente, para defender alguns e escolhidos contribuintes/clientes. Mas esse é somente o aspecto moral, já em xeque; resta a questão técnica. É absolutamente necessário que o indicado em nome da sociedade tenha total conhecimento da legislação tributária, sobretudo o chamado Processo Administrativo Fiscal. E quem domina esse ferramental? O auditor.
Nem é preciso mencionar o compromisso que os representantes do contribuinte têm, oposto ao da Fazenda Pública. A Zelotes jogou uma luz tão intensa sobre isso que ficou óbvio qual time vinham defendendo – e não era o da coletividade.
Essa, porém, é uma parte dos problemas do Carf, que sofre com a falta de transparência das sessões de julgamentos, com a excessiva verticalização e com a quantidade de instâncias revisionais – habitualmente usadas para protelar decisões ou vender facilidades.
Aliás, não faz sentido que o Conselho seja uma segunda instância ordinária. A primeira, as Delegacias de Recursos e Julgamentos (DRJ), é muitíssimo bem aparelhada, descentralizada e composta por competentes quadros da Receita Federal. O Carf, então, tinha de ser a instância definitiva, certo? Não é, pois o contribuinte ainda pode demandar no Poder Judiciário, se derrotado.
Trata-se de outro absurdo. É preciso ressaltar que o Carf é um órgão de Estado, vinculado ao Ministério da Fazenda, e não à Receita Federal. As decisões são paritárias; refletem o consenso fechado entre contribuinte e Ministério da Fazenda. Ou seja, o resultado final não representa a posição integral da União. Daí porque deveria ter permissão para o confronto na Justiça, o que – é bom enfatizar – não acontece.
Nada disso, porém, foi contemplado na Portaria 343, editada em 9 de junho de 2015, que trouxe o novo regimento do Conselho. A alteração de maior impacto, a redução do número de conselheiros – de 216 para 120 –, tem tudo para dar errado. No bojo dessa decisão, caíram de 36 para 15 as turmas de julgamento, apesar do aumento no número de conselheiros em cada turma, de seis para oito.
Ora, como melhorar a produtividade no Carf com menos turmas e julgadores? E como acelerar os julgamentos se o aumento de conselheiros por turma alongará as sessões, diminuindo o tempo para análise dos processos?
O novo regimento ainda determina que os representantes dos contribuintes não acumulem função de julgadores com exercício da advocacia. Mais perfumaria: proibição não garante idoneidade moral, mesmo sob a lupa do recém-criado Comitê para Acompanhamento e Avaliação dos Conselheiros.
Contra isso, está em gestação na comissão de inquérito uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para que o conselheiro seja selecionado via concurso público. O Sindifisco Nacional desde sempre defende tal hipótese, que acaba com a indicação direcionada, responsável por enxovalhar a respeitabilidade do Conselho. Por sinal, o presidente da CPI, senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), reconheceu na imprensa que as mudanças feitas pelo Ministério da Fazenda são insuficientes para que o órgão recupere a credibilidade.
Em resumo, o Carf deu uma “guinada de 360º”; girou e voltou para o mesmo lugar. Daí a importância de acompanhar a CPI. Primeiramente, para se ter a certeza de que empresas e personagens citados no relatório final sejam razão de inquérito pelo Ministério Público. E, em segundo, porque ficarão claras antigas e atuais fragilidades do Conselho, que exigirão mudanças verdadeiras e contundentes.
* Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional).
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