Ícaro e seu pai Dédalo (que era arquiteto) estavam refugiados em Creta, junto ao rei Minos. Depois do nascimento do seu filho Minotauro (corpo de homem e cabeça de touro), foi construído um labirinto para aprisioná-lo. Ele acabou sendo morto por Teseu; Dédalo e Ícaro ficaram presos no labirinto. Este, para reconquistar a liberdade, construiu asas artificiais, usando cera do mel de abelhas e penas de gaivotas. Antes da fuga, o pai alertou o filho que ele não poderia voar perto do sol porque derreteria a cera das asas coladas ao seu corpo; nem muito perto do mar porque, se tocasse suas águas, as asas ficariam muito pesadas. Ícaro não ouviu os conselhos do pai e, tomado pelo desejo de voar próximo ao sol, acabou perdendo suas asas; despencou e caiu no mar Egeu, enquanto o pai, aos prantos, voava para a costa. Moral da história mitológica: Ícaro pode voar alto, talvez até consiga atingir alturas impensáveis, mas não pode atingir o cume, o topo, ou seja, o sol.
A alegoria tem tudo a ver com o promotor argentino Alberto Nisman (veja H. Schamis – El País), encontrado morto em seu apartamento, que teria, com sua investigação, chegado ao ponto máximo. Acusou a presidenta de cúmplice acobertadora dos terroristas iranianos, que mataram 84 judeus, em Buenos Aires, em 1994. No Brasil, os Ícaros delatores, investigadores e acusadores no caso petrolão, até o momento, mesmo voando alto, ainda não chegaram muito perto do sol. Ou seja, perto dos grandes poderosos, dos maiores destinatários e beneficiários do proveito político e/ou financeiro proporcionado pela corrupção cleptocrata, que é a manobrada pelos ladrões que cogovernam o Brasil.
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As investigações e as provas até aqui divulgadas, no escândalo da Petrobras, já identificaram vários suspeitos dos nefastos desvios: altos funcionários da empresa, brokers (doleiros intermediários), empresários, executivos, empreiteiras e políticos. Mas os grandes donos do poder econômico e político, mesmo se culpados, continuam desfrutando da im(p)unidade que o sistema lhes proporciona: Presidência da República: Dilma; presidência dos partidos envolvidos: Michel Temer, dentre outros; presidência das casas parlamentares: Renan Calheiros e Henrique Alves; verdadeiros donos das empreiteiras; presidência da própria Petrobras etc.
Qual sistema? O ancorado no poder econômico que coopta o poder político e todos os demais possíveis. O controle jurídico do poder político-econômico de alto escalão costuma não acontecer em países como o Brasil. Collor de Mello, reeleito duas vezes depois do impeachment (veja a que ponto chega a alienação ou a consciência ingênua do brasileiro!), foi exceção. Somente caiu porque desagradou tanto o poder econômico que o apoiou quanto o restante poder político tradicionalmente cooptado pelo primeiro.
A dificuldade de se chegar nos verdadeiros “poderosos” reside na férrea estrutura de poder político-econômico, que conta com mecanismos sólidos de blindagem. Alguns são operacionais, outros são sistemáticos. Os operacionais (ou corporativos) são formados por estamentos regiamente pagos para preservarem (nos atos ilícitos) os grandes donos do poder. Dentre outros, destacam-se os executivos bem remunerados nos casos das empresas, particularmente das empreiteiras; os diretores no caso da Petrobras; as estruturas partidárias nos casos da presidência da República etc.
Os sistemáticos são culturais e ideológicos. Regra fundamental dessa proteção é o silêncio (a omertà) que, quanto rompido, gera estragos imensos no sistema (Roberto Jefferson no mensalão, Paulo Roberto Costa e Youssef no petrolão, empresas delatoras no caso do metrô de SP etc.). No mensalão do PT os Ícaros (Jefferson, procurador-geral da República, Joaquim Barbosa e demais ministros do STF etc.) voaram alto, mas não chegaram na Presidência da República (mesmo se valendo, às vezes abusivamente, da teoria do domínio do fato). Nos países mais civilizados, os organismos de controle funcionam mais eficazmente. Nesse rumo temos que caminhar.
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