A vida pública nos ensina muitas coisas. Nos meus mais de 30 anos de vida pública, aprendi que muitos princípios são de caráter pessoal e servem para pautar a própria conduta. Aprendi, também, que a verdade absoluta não existe e que a verdade que tens é sua e ela não deve ser imposta aos demais. Por exemplo: alguns têm como verdade absoluta os escritos da Bíblia. Isto é ótimo para a vida pessoal, mas não deve ser usada para impor esta verdade aos demais.
Muitos cristãos, os fundamentalistas, por exemplo, usam as verdades absolutas na vida pública e, por isso, cometem ‘pecados’ como, por exemplo, o da intolerância. Contrariando os próprios princípios cristãos, não toleram os que pensam diferente. A demonstração disso fica patente nas redes sociais. O cidadão ou a cidadã posta no Facebook imagens do nascimento de Jesus com votos de um feliz natal e, em seguida, coloca posição de intolerância em relação às mulheres, negros, comunistas, homossexuais, etc.
Outro aprendizado diz respeito à questão da legalidade e da moralidade. Nem tudo que é legal é moral. Exemplo: quando fui deputado estadual (1990-1998) e, posteriormente, por 16 anos, eleito pela primeira vez em 1998, era legal receber por sessões extraordinárias, tanto na Assembleia Legislativa do Paraná como na Câmara dos Deputados.
Leia também
Era legal, mas sempre entendi como imoral. Por isso, nunca recebi. Lutei contra até acabar. Era imoral porque em uma única sessão o parlamentar recebia mais que a maioria da população recebia como salário por trabalhar o mês todo.
No momento, há nos poderes da República aqueles que atuam como guardiões da moral, da verdade, de princípios e da lei, sob o ponto de vista pessoal. Exemplos não faltam, como o do coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol. Deltan, como muitos, ou todos os cidadãos e cidadãs, é movido por suas crenças e convicções. Ele tem a convicção de que Lula é o “comandante máximo” do desvio de recursos da Petrobras; mas, até agora, nada de provas.
Dias atrás, a imprensa nacional divulgou que Deltan Dallagnol comprou dois apartamentos do Programa Minha Casa Minha Vida no município de Ponta Grossa. Ele se defendeu dizendo que isso é legal. Concordo: é legal, mas é moral?
Outra questão é o auxilio-moradia que (talvez todos) juízes, procuradores e promotores recebem. É legal. Mas quem aprovou esta legalidade? Os próprios membros das corporações. Se fizeram, nunca ouvi ou li os combatentes da corrupção, na lava jato, se mostrarem contra.
O auxílio-moradia, quando aprovado, era de R$ 4.377,73, valor superior ao que a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil recebe por mês. Auxilio superior ao salário da grande maioria dos que compraram casa ou apartamento do Programa Minha Casa Minha vida.
Não tenho a lista dos que recebem o auxílio-moradia. Mas se Deltan Dallagnol receber é só fazer as contas: o acumulado de um ano do auxilio moradia dá 52.532,76 reais. Três anos são R$ 157.598,28.
De acordo com Joaquim Carvalho, Dallagnol pagou R$ 76 mil por um apartamento e R$ 80 mil em outro. Portanto, só com o auxilio moradia daria para comprar dois apartamentos desses a cada três anos. Ainda segundo a matéria, “nenhum dos apartamentos comprados em Ponta Grossa foi para moradia própria”. Pergunto: seria então para a especulação imobiliária?
Há na sociedade um debate sobre os salários acima do teto. Muitos juízes, promotores e procuradores têm processado os jornalistas que divulgam a lista dos que recebem estes ilegais e imorais salários. Ora, cometem a ilegalidade e processam os que criticam quem cometeu o crime. Na minha concepção, receber acima do teto é ilegal e imoral.
Não vi, não li e não ouvi nenhum dos guardiões da moralidade, da legalidade e da verdade, da Operação Lava Jato, se manifestarem contra os salários acima do teto. Será que não se manifestaram por que cometem o crime de receber? Será que acham que isso é moral?