Creomar Lima Carvalho de Souza (*)
O desdobramento da Operação Lava Jato em mais uma fase – relembrando um antigo sucesso dos videogames – e em mais um batismo – de fazer inveja a qualquer marqueteiro bem sucedido da Avenida Paulista – trazem à baila a necessidade fundamental de refletir acerca do impacto dessas ações sobre a imagem de Lula e os efeitos indiretos disso sobre os processos políticos e eleitorais que se aproximam.
Essa tarefa, bastante árdua, é necessária por dois motivos: o primeiro é o fato de que Lula representa uma figura política sem paralelo na cena política brasileira contemporânea. O segundo motivo, vinculado ao primeiro, reside na constrangedora realidade de que não há outros nomes que, efetivamente, possam rivalizar com o ex-presidente em termos de oferecimento de alternativas políticas para a sociedade.
Diante do impacto exposto inicialmente, mas, sobremaneira, das inquietações intelectuais resultantes do parágrafo anterior, faz-se inescapável uma reflexão acerca de quais serão os possíveis impactos do dia de hoje (tome nota para contar aos netos: 14 de março de 2016) sobre o cenário político brasileiro. Antes de tudo, vale mensurar um elemento fundamental de qualquer percepção conceitual e teórica sobre processos eleitorais: o eleitor mais importante é sempre o indeciso. Tal axioma, tem sua base no fato de que são os indecisos ou swing voters – para aqueles que apreciam os anglicismos – que permitem o desempate entre as correntes militantes.
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E nesse aspecto em específico, é um fato que Lula a partir de 2002 conseguiu construir uma narrativa política e eleitoral que persuadiu parte considerável dos indecisos a seguirem um projeto de país por ele defendido. Mesmo levando-se em consideração o desgaste desse discurso diante dos equívocos ofertados à sociedade pela presidência de Rousseff – herdeira política de Lula –, o ex-presidente conseguiu de maneira bem sucedida colocar-se como um cabo eleitoral qualificado em vários momentos desde sua saída da Presidência.
O fato é que a narrativa foi se desenvolvendo em dois discursos distintos: o primeiro emanado, sobremaneira, por setores da mídia tentou construir o argumento de que estava em curso um processo de aparelhamento político do Estado, e que somente instituições fortes ou em franco amadurecimento – vide Polícia Federal e Ministério Público Federal – teriam a capacidade de abortá-lo. O segundo discurso, por sua vez, vende a ideia de que há uma campanha de desconstrução do Partido dos Trabalhadores como opção política e que Lula, como sua principal figura, tem sido colocado na linha de tiro a partir do momento em que as ações de impeachment da presidente Rousseff arrefeceram.
Não há qualquer interesse aqui de defender qualquer um dois discursos. Porém, faz-se importante pensar como cada um dos mesmos se montou para os seus respectivos apoiadores, mas, sobretudo, aos indecisos. Seguindo essa linha de análise, portanto, percebem-se na atual conjuntura um elemento interessante acerca do primeiro discurso: o primeiro é o fato de que esse discurso não está ancorado nas lideranças políticas, empresarias ou sindicais estabelecidas. Tal argumento mostra, de um lado, a ausência de lideranças políticas oposicionistas que possam articular um discurso de enfrentamento ao governo. Porém, de outro lado, tornam-se mais palatáveis ao indeciso, pelo simples fato de que ele alimenta um sentimento de não participação política.
O que leva a uma reflexão sobre o segundo argumento – a ideia de uma ação sistematizada de desconstrução do PT como alternativa política. Fundamentalmente aqui, em termos de narrativa, há uma necessidade de prestar contas ao militante histórico do partido. Tal tarefa se torna facilitada pelo simples fato de que o militante – independentemente da causa – é mais emocional que reflexivo. Porém, quando colocamos o indeciso diante desse argumento, gera-se uma dificuldade do ponto de vista intelectual para aceitação desse ponto de vista. E isso se deriva, basicamente, de dois elementos: o primeiro é o fato de que o ambiente social marcado pela recessão econômica e vazio de liderança política aumenta o afastamento entre o cidadão e os representantes. E o segundo elemento, derivado do primeiro, a cada nova evidência levantada pelas instituições o argumento precisa ser reconstruído.
Neste ponto da leitura, chega-se a uma pergunta fundamental: como a ação na casa do ex-presidente Lula pode interferir nas narrativas construídas até agora? Ora, em um primeiro aspecto, o ex-presidente pode, a partir desta ação, tentar reforçar uma imagem de martírio, buscando uma polarização política e eleitoral via um discurso de “nós contra eles”. Essa estratégia foi bem sucedida em sua reeleição e nos dois pleitos eleitorais que resultaram na vitória de Rousseff. Em contraponto, a ação da Polícia Federal na casa de Luiz Inácio Lula da Silva, pode ser o início de um processo que resultará na perda de tônus discursivo e eleitoral do ex-presidente e do seu próprio partido, desde que a mídia e as próprias instituições envolvidas sejam bem sucedidas na construção de um discurso que pontue que a investigação tem motivação meramente criminal e não política.
Por fim, vale ponderar a máxima de que quem controla a narrativa, controla os processos políticos e que, nesse aspecto, visualizando as próximas eleições, tanto o governo quanto a oposição necessitam urgentemente de uma reconstrução de seus discursos e das alternativas que eles visam propor à sociedade. Vale ressaltar que, de maneira efetiva, nesse momento o jogo político está aberto, mesmo com o governo acuado.
(*) Professor do Curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília, foi bolsista do Departamento de Estado dos EUA, Visiting Faculty no Departamento de Ciência Política da University of Florida. Cursa doutorado no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
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