Mário Coelho
Um recente pedido do Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) aos deputados distritais escancarou uma tática que a Assembleia Legislativa do DF preferia ter mantido oculta. As investigações da Operação Caixa de Pandora mostraram o envolvimento de oito deputados no exercício do mandato com o mensalão comandado pelo ex-governador José Roberto Arruda. O Ministério Público quis saber que providências estavam sendo tomadas contra eles. E, aí, ficou impossível esconder que a tendência dos deputados é livrar sete de qualquer investigação e concentrar esforços em um único exemplo: a deputada Eurides Brito (PMDB), aquela que aparece em um vídeo colocando a propina recebida dentro de uma bolsa. Como o caso de Eurides é mais explícito, e o vídeo é visto como uma prova irrefutável de seu envolvimento, os deputados resolveram entregar a sua cabeça como demonstração de que aceitaram cortar na carne. Leonardo Prudente (sem partido, ex-DEM) e Júnior Brunelli (PSC), dois outros que poderiam ser cassados – porque também havia vídeos contra eles – renunciaram de seus mandatos. Os deputados talvez conseguissem chegar aos demais se aprofundassem as investigações. Mas a CPI instalada para apurar o caso está praticamente parada. Assim, esses cinco outros processos ficaram congelados, à espera de mais indícios. Porém, a pressão de promotores pode fazer com que a Câmara se veja obrigada a tomar uma decisão sobre eles.
Veja o vídeo em que Eurides guarda o dinheiro na bolsa:
Eurides resolveu enfrentar um processo que, desde o início, se julgava perdido. A avaliação geral dentro da Câmara é que a deputada distrital Eurides Brito (PMDB) não terá qualquer compensação por esse suposto gesto de coragem. A cassação do mandato da peemedebista foi aprovada na última quinta-feira (27) pela Comissão de Ética e Decoro Parlamentar sem um único voto contrário. Agora, passará pela Constituição e Justiça (CCJ) para análise de admissibilidade, sem entrar no mérito. Depois, o processo será levado a plenário, onde precisará de 13 votos para que ela seja cassada e perca os direitos políticos.
Para os distritais, é já um desgaste grande. Antes de cair em desgraça, Arruda tinha ampla maioria na Câmara Legislativa. Portanto, para esses deputados, cassar o mandato de uma colega que chegou a liderar o governo Arruda na Câmara, já é tido como um grande desgaste. A partir daí, a tática é deixar que os demais casos, por falta de evidências mais concretas, acabem morrendo de inanição. E que os eleitores perdoem a absoluta falta de vontade em se buscar mais provas além daquelas que já tinham sido inicialmente fornecidas pela testemunha-chave do mensalão do Arruda, o ex-secretário de Assuntos Institucionais, Durval Barbosa. Eurides, Brunelli e Prudente foram flagrados em vídeo recebendo dinheiro de propina. A peemedebista colocou na bolsa, enquanto Prudente guardou parte do dinheiro na meia. Já Brunelli aparece em dois vídeos: em um pega uma quantia das mãos do delator do esquema, o ex-secretário de Relações Institucionais do GDF, Durval Barbosa. Em outro, junto com Prudente e Barbosa, faz uma oração em que pede a Deus proteção ao distribuidor da propina.
Veja o vídeo em que Prudente guarda o dinheiro passado por Durval na meia:
Assista aqui a “oração da propina” puxada por Júnior Brunelli:
E os demais?
O inquérito da Operação Caixa de Pandora, porém, aponta indícios contra outros distritais, que conseguiram escapar dos talentos televisivos de Durval Barbosa. Caso de Benedito Domingos (PP), que, de acordo com o inquérito, recebeu R$ 6 milhões para apoiar a candidatura de Arruda ao governo em 2006. Além dele, são citados Aylton Gomes (PR), Rogério Ulysses (sem partido, ex-PSB), e os peemedebistas Benício Tavares e Roney Nemer.
Se assim pretendesse, a Câmara Legislativa poderia, na CPI que instalou, ter buscado mais elementos para punir ou inocentar de vez tais deputados. Mas os deputados preferiram fechar uma negociação para sobrestar os processos contra os cinco. Isso porque os deputados que formavam a base de Arruda resolveram entrar também com um processo contra o petista Cabo Patrício, que respondeu interinamente pela Câmara por quase dois meses. Ele foi acusado de não tomar providências durante a invasão de estudantes ao prédio da Casa. O processo contra Patrício foi congelado, os cinco processos contra os deputados da antiga base de Arruda, também. Na negociação, Eurides, Brunelli e Prudente seriam investigados e provavelmente cassados. Para os distritais, melhor que nada. Se tal negociação não tivesse sido feita, argumentam, o provável é que todos os oito processos acabassem arquivados.
No entanto, poucos parlamentares contavam que haveria cobrança sobre a investigação dos cinco citados na Caixa de Pandora. Com a proximidade de eleições, ninguém na Câmara quer ter o desgaste de passar por uma investigação. Até mesmo de conduzir um processo por quebra de decoro. Prova disso é que os distritais até hoje ainda não conseguiram eleger um novo corregedor (que, na prática, poderia ser o condutor de novos processos). O último foi Brunelli, que acabou afastado até renunciar ao cargo. Raimundo Ribeiro (PSDB) foi eleito ad hoc, para cuidar dos processos envolvendo os oito titulares citados no inquérito 650DF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e mais Cabo Patrício.
É consenso entre os deputados que as investigações contra Domingos, Gomes, Ulysses, Tavares e Nemer são mais complicadas. Até o momento, não surgiram novas indicações de que as investigações que se desdobraram do inquérito original complicam qualquer um deles. Mesmo assim, na quinta-feira, o presidente da Comissão de Ética da Câmara, Aguinaldo de Jesus (PRB), defendeu que se faça investigação. “Temos que investigar, até mesmo para sabermos se são culpados ou inocentes”, disse.
Suplentes
Além dos titulares, o Ministério Público também quis saber das providências tomadas nos casos envolvendo dois suplentes, Berinaldo Pontes (PP) e Pedro do Ovo (PR). Como dificilmente voltam a assumir o mandato, parlamentares reconhecem que é impossível abrir processo por quebra de decoro contra os dois. Afinal, nenhum dos dois é deputado.
Outro caso tem complicações maiores. No entanto, não deve ter qualquer tipo de decisão, pelo menos a curto prazo. Geraldo Naves (sem partido, ex-DEM) ficou preso por dois meses por determinação do Superior Tribunal de Justiça. Ele foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de participar da tentativa de suborno do jornalista Edmílson Edson dos Santos, o Sombra, em fevereiro. Junto com Arruda e outras quatro pessoas, teve a prisão decretada. Ao sair da cadeia, Naves, que era suplente, assumiu o mandato deixado por Brunelli.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT-DF) entrou com um pedido de cassação por quebra de decoro contra Naves. Ele está dentro do inquérito 662, que investiga a tentativa de suborno de Sombra, mas fora da Caixa de Pandora. Ao site, o deputado aponta contradições no caso. Diz que teve contato com o jornalista antes de saber que Sombra prestaria depoimento à Polícia Federal. “Eu não tenho bola de cristal para adivinhar qualquer coisa”, afirmou, negando qualquer tipo de tentativa de suborno.
Todo processo por quebra de decoro precisa passar inicialmente pelo corregedor. Ele é responsável por elaborar um parecer que norteará o trabalho da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar. Sem a análise inicial dele, o pedido não pode começar a tramitar. Eis o problema: não há corregedor. “O Patrício chegou a convocar eleição para corregedor e ouvidor. Ninguém quis ser candidato a corregedor. Acho que vai assim até o fim da legislatura”, disse Erika Kokay (PT) ao site. Vice-presidente da comissão, ela foi a autora do relatório que pediu a cassação do mandato de Eurides Brito, aprovado por unanimidade.
Pelos movimentos atuais na Câmara, é provável que a resposta prometida pelos parlamentares estacione em Eurides. Os distritais também devem usar o processo de impeachment contra Arruda, que acabou abortado por conta da decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) de cassar o ex-governador por infidelidade partidária, como ponto alto do Legislativo durante a crise.
No entanto, os processos na Câmara só passaram a andar após a prisão de Arruda. Mesmo com uma série de denúncias contra ele, o ex-governador conseguiu manter controle da sua base de apoio no Legislativo. Até a CPI da Corrupção, instrumento criado para investigar 18 anos do governo do Distrito Federal, conseguiu produzir quase nada. Depois de três membros saírem – sendo que uma, a deputada Eliana Pedrosa (DEM), deixou o colegiado duas vezes –, só na semana passada conseguiu ter seu quadro completo. Agora, compõe e preside a CPI Aguinaldo de Jesus, que também acumula o cargo de líder do governo na Câmara.
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