EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
FRANCISCO RODRIGUES DE ALENCAR FILHO, brasileiro, Deputado Federal pelo PSOL/RJ, Líder do Partido na Câmara, domiciliado em Brasília-DF, gabinete 848 do Anexo IV da Câmara dos Deputados;
IVAN VALENTE, brasileiro, Deputado Federal pelo PSOL/SP, Presidente Nacional do PSOL, domiciliado em Brasília, no gabinete 716 do anexo IV da Câmara dos Deputados;
JEAN WYLLYS, brasileiro, Deputado Federal pelo PSOL/RJ, domiciliado em Brasília, gabinete 646 do Anexo IV da Câmara dos Deputados; e
RANDOLPH FREDERICH RODRIGUES ALVES, brasileiro, Senador da República pelo PSOL/AP, domiciliado em Brasília, Gabinete 17 do Anexo II, Ala Senador Teotônio Vilela do Senado Federal;
vêm diante de Vossa Excelência, com fundamento no art. 127, caput e art. 129, II, ambos da Constituição Federal e nos termos da Lei Complementar nº 75, de 1993, destacadamente os dispositivos do art. 6º, VII, alíneas “a” a “d” e inciso XIV, do mesmo diploma, ofertar a presente
REPRESENTAÇÃO
para a apuração, mediante instauração de competente inquérito civil, ou procedimento análogo, das condutas do Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, ante às razões de fato e direito adiante expostas:
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Em matéria publicada na edição nº 2271 da Revista VEJA, às fls. 63 a 67, é noticiada uma reunião ocorrida entre o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e o Representado, na presença do ex-ministro do STF Nelson Jobim, na qual o Representado alega ter sido pressionado pelo ex-presidente Lula para adiar o julgamento do mensalão. De acordo com a matéria:
“Há um mês, o ministro Gilmar Mendes, do STF, foi convidado para uma conversa com Lula em Brasília. O encontro foi realizado no escritório de advocacia do ex-presidente do STF e ex-ministro da Justiça Nelson Jobim, amigo em comum dos dois. Depois de algumas amenidades, Lula foi ao ponto que lhe interessava e disse a Gilmar: “É inconveniente julgar esse processo agora”. O argumento do ex-presidente foi que seria mais correto esperar passar as eleições municipais de outubro deste ano e só depois julgar a ação que tanto preocupa o PT, partido que tem o objetivo declarado de conquistar 1000 prefeituras nas urnas.
…
Depois de afirmar que detém o controle político da CPI do Cachoeira, Lula, magnanimamente, ofereceu proteção ao ministro Gilmar Mendes, dizendo que ele não teria motivo para preocupação com as investigações. O recado foi decodificado. Se Gilmar aceitasse ajudar os mensaleiros, ele seria blindado na CPI.”
Diante de tal reportagem, foi divulgada a seguinte nota pela Assessoria de Imprensa do Instituto Lula:
“Sobre a reportagem da revista Veja publicada nesse final de semana, que apresenta uma versão atribuída ao ministro do STF, Gilmar Mendes, sobre um encontro com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 26 de abril, no escritório e na presença do ex-ministro Nelson Jobim, informamos o seguinte:
1. No dia 26 de abril, o ex-presidente Lula visitou o ex-ministro Nelson Jobim em seu escritório, onde também se encontrava o ministro Gilmar Mendes. A reunião existiu, mas a versão da Veja sobre o teor da conversa é inverídica. “Meu sentimento é de indignação”, disse o ex-presidente, sobre a reportagem.
2. Luiz Inácio Lula da Silva jamais interferiu ou tentou interferir nas decisões do Supremo ou da Procuradoria Geral da República em relação a ação penal do chamado Mensalão, ou a qualquer outro assunto da alçada do Judiciário ou do Ministério Público, nos oito anos em que foi presidente da República.
3. “O procurador Antonio Fernando de Souza apresentou a denúncia do chamado Mensalão ao STF e depois disso foi reconduzido ao cargo. Eu indiquei oito ministros do Supremo e nenhum deles pode registrar qualquer pressão ou injunção minha em favor de quem quer que seja”, afirmou Lula.
4. A autonomia e independência do Judiciário e do Ministério Público sempre foram rigorosamente respeitadas nos seus dois mandatos. O comportamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o mesmo, agora que não ocupa nenhum cargo público.”
Outrossim, o ex-ministro Nelson Jobim negou o conteúdo da conversa. De acordo com o Jornal O Globo, em sua edição de 29 de maio de 2012, na página 3, na matéria intitulada “Ministros duvidam de diálogo”:
“Após o ex-ministro do STF Nelson Jobim, anfitrião do encontro entre Lula e Gilmar, ter negado o conteúdo da conversa, integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) passaram a ter dúvidas de que o diálogo, narrado por Gilmar, tenha mesmo existido. Para o ministro Marco Aurélio, o episódio, verdadeiro ou não, mancha a reputação do tribunal: – Isso deixa a instituição numa posição ruim. O leigo acha que estamos sujeitos a pressões e sugestões, e não estamos. Mas o ministro ainda não tem certeza se a conversa ocorreu ou não: – Ficou no ar um descompasso, porque o ministro Nelson Jobim negou peremptoriamente o teor do encontro. Com quem está a razão? Quem sou eu para dizer com quem está a verdade? Outra coisa que não fechou foi por que só agora veio à tona (o encontro) – disse, referindo-se à data do encontro, em 26 de abril.”
Essa desconfiança de colegas de Tribunal tem razão de ser: a reação do Representado em não se manifestar de imediato diante de uma conduta, que, se verdadeira, como afirma, configuraria prática de crime de tráfico de influência pelo ex-presidente Lula, deve ser investigada.
De acordo com a revista Veja, o ex-presidente Lula teria dito ao Ministro Gilmar Mendes que exerceria a mesma pressão em relação aos outros membros do STF:
“Lula revelou que encarregaria o amigo Sepúvelda Pertence de conversar sobre o processo com a ministra Cármen Lúcia, do STF. Pertence, que chefia a Comissão de Ética Pública da Presidência, presidiu o STF e é padrinho da indicação de Cármen Lúcia. “Vou falar com o pertence para cuidar dela”, disse Lula. Nomeada pelo ex-presidente, Cármen Lúcia – que costuma se referir a Pertence como seu “guru” – contou a VEJA que visitou Lula no hospital, no dia 5 de abril, mas que eles não falaram sobre o mensalão. Ela negou ter sido procurada por Pertence para conversar sobre o processo. Lula disse que já havia feito aquelas mesmas ponderações ao ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão no STF.
…
A respeito de José Dias Toffoli, ex-advogado-geral da União em seu governo e outra indicação sua para o STF, Lula foi senhorial na conversa com Gilmar no escritório de Jobim: “Eu disse ao Toffoli que ele tem de participar do julgamento”.
Uma vez que o Representado tenha sido constrangido a adiar determinado julgamento no STF pelo ex-presidente Lula, em troca de uma blindagem numa CPI, a sua reação de permanecer em silêncio, inclusive diante da assertiva de que tal constrangimento seria estendido aos demais membros do STF, deve ser apurada.
De acordo com a matéria da VEJA, a blindagem oferecida ao Representado na CPI tinha relação com uma viagem que o Representado teria feito com o Senador Demóstenes Torres numa aeronave cedida pelo contraventor Carlos Cachoeira. Apesar de confirmar ter-se encontrado com Senador em Berlim, ainda segundo VEJA, o Representado “disse que pagou de seu bolso todas as suas despesas, tendo como comprovar a origem dos recursos”.
Diante de toda a repercussão do caso, o Representado concedeu entrevista coletiva, na qual apresentou o comprovante das passagens aéreas emitidas em seu nome e informou terem as mesmas sido pagas pelo Supremo Tribunal Federal. Perguntado se teria certeza de que no Brasil nunca viajou num avião do Carlos Cachoeira, o Representado respondeu que:
“Eu tenho certeza de que eu andei duas vezes em aviões daqui para Goiânia. Já falei isso para vocês. Duas vezes eu tenho certeza que andei em aviões. Inclusive um foi em 2010 e o outro em 2011. 2011 eu tenho até anotado, cedidos pelo senador. Isso era de uma empresa Voar, uma empresa de taxi aéreo.
Pergunta – Para fazer o que lá em Goiânia?
A primeira vez foi a convite de um jantar em 2010, fui com o Jobim e com o Toffoli. A segunda vez foi uma formatura, isso foi noticiado, está nos jornais, eu era patrono ou paraninfo.”
Pergunta – O que o senhor acha da situação toda? Leu a Carta Maior? A informação de que o senhor teria viajado num jatinho?
Não viajei em jatinho coisa nenhuma. Até trouxe para vocês para vocês [documentos] para encerrar esse negócio. Vamos parar com fofoca. A gente está lidando com gangsters. Vamos deixar claro: estamos lidando com bandidos. Bandidos. Bandidos que ficam plantando essas informações …
Vamos encerrar isso. Negócio de viagem. Por que não se esclarece isso? Vamos dizer que o Demóstenes me oferecesse uma carona num avião, se ele tivesse. Teria algo de anormal? Eu fui duas vezes a Goiânia a convite do Demóstenes. Uma vez com Jobim e Toffoli. E outra vez com Toffoli e a ministra Fátima Nancy. Avião que ele colocou à disposição. Tudo combinado e muitos de vocês já ouviram. Tenho tudo anotado. Era avião da empresa Voar. Foi tudo combinado, público. Eu não estava escondendo nada. Por que esse tipo de notícia? Vamos dizer que eu tivesse pego um avião se ele tivesse me oferecido? Eu tinha algum envolvimento com o eventual malfeito dele? Que negócio é esse? Grupo de chantagistas, bandidos. Desrespeitosos. (trechos da entrevista constante do site: http://g1.globo.com/politica/noticia/2012/05/mendes-diz-que-bandidos-plantam-boatos-contra-ele-para-atingir-stf.html)
Diferentemente do quanto dito pelo Representado, há, sim, algo de anormal em um Ministro do Supremo Tribunal Federal aceitar caronas aéreas em aviões particulares. A função jurisdicional, assim como qualquer outra função pública, exige absoluta cautela em aceitar qualquer favor e nítida separação entre o público e o privado.
Igualmente estranha foi a forma como foi revelado esse encontro: o Representado, além esperar quase um mês para tornar pública a suposta conduta do ex-presidente da República – que, uma vez comprovada, revelaria prática de crime de tráfico de influência – o fez de forma não institucional, através de uma entrevista a um veículo de comunicação.
Verifica-se que em todas essas relações citadas paira uma nuvem que deve ser dissipada para a manutenção da imagem do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, se faz necessária uma investigação no âmbito dessa Procuradoria, mesmo porque igual pedido de investigação fora feito em vista da conduta do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. A intenção, ratifique-se, é a de que seja apurado o acontecido e todos os seus protagonistas.
Destarte, requer-se:
1 – o acolhimento da presente Representação, com o devido trâmite no âmbito dessa I. Procuradoria; e
2 – Configurada conduta indevida, reprovável ou ilícita por parte do Representado, seja adotada por esta Procuradoria as medidas cabíveis, no âmbito administrativo, civil ou penal, visando o cumprimento da lei e resguardo dos direitos constitucionais atinentes.
Nestes termos, pede o deferimento.
Brasília, 30 de maio de 2012.
FRANCISCO RODRIGUES DE ALENCAR FILHO
IVAN VALENTE
JEAN WYLLYS
RANDOLPH FREDERICH RODRIGUES ALVES