PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL
20ª VARA FEDERAL
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
REGISTRO N.º /2012 – LIVRO Fls. – Tipo A
PROCESSO : 2001.34.00.026152-5/7300
JUIZ FEDERAL : ALEXANDRE VIDIGAL DE OLIVEIRA
REQUERENTES : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PublicidadeREQUERIDOS : ANTONIO CARLOS PEIXOTO DE MAGALHÃES
JOSÉ ROBERTO ARRUDA
REGINA CÉLIA PERES BORGES
IVAR ALVES FERREIRA
HEITOR LEDUR
HERMILO GOMES NÓBREGA
SEBASTIÃO GAZOLA COSTA JÚNIOR
SENTENÇA
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF ajuizou a presente Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa, contra ANTÔNIO CARLOS PEIXOTO DE MAGALHÃES, JOSÉ ROBERTO ARRUDA, REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA, HEITOR LEDUR, HERMILO GOMES NÓBREGA e SEBASTIÃO GAZOLLA COSTA JÚNIOR, objetivando a condenação dos Réus nas sanções previstas no art. 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92.
Leia também
Alega que os Réus foram responsáveis pela quebra do sigilo de votação eletrônica do Senado Federal, por ocasião da votação do projeto de cassação do mandato do ex-Senador Luiz Estevão de Oliveira Neto, em 25/6/2000.
Descreve que foram observados fortes indícios de que os ex-Senadores ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES e JOSÉ ROBERTO ARRUDA, valendo-se do poder funcional em relação aos servidores do PRODASEN, emitiram ordem ilegal para que procedesse à referida violação do sigilo de votação, tendo os demais Réus REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES PEREIRA, HEITOR LEDUR e HERMILO GOMES DA NÓBREGA, na qualidade de servidores do Senado, lotados no PRODASEN, adotado as providências para cumprimento da indevida ordem, e cabendo a SEBASTIÃO GAZOLLA COSTA JUNIOR auxiliá-los nos procedimentos informáticos a viabilizarem aquele intento.
Sustenta serem ilícitos os atos praticados pelos Réus, seja por ação ou omissão, o que resultaria na caracterização de atos de improbidade administrativa, na forma do artigo 11, “caput”, I e II, da Lei 8.429/92, por ter havido violação aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, notadamente em razão da prática de ato visando fim proibido em lei ou regulamento, ou por terem retardado ou deixado de praticar, indevidamente, ato de ofício.
Pugnou também, pela “condenação solidária (CCB, Art. 1518) dos Requeridos aos ressarcimento de todas as despesas realizadas pelo Senado Federal com os procedimentos de apuração dos fatos ilícitos aqui descritos (violação dos sistema eletrônico de votações do Senado Federal), seja em razão da ilegalidade mesma das condutas, seja, ainda, em função das sucessivas negativas e inverdades declaradas nos procedimentos de sindicância, que acabaram por demandar a realização de perícias e outras diligências adicionais, prolongando desnecessariamente as investigações e impondo maiores gastos ao erário”.
Na decisão de fl. 146 foi acolhida a declinação de competência para julgar o presente feito, bem como foram solicitados documentos ao Senado Federal e a intimação dos Requeridos para apresentar manifestação prévia.
SEBASTIÃO GAZOLLA COSTA JUNIOR apresentou manifestação às fls. 166/170, JOSÉ ROBERTO ARRUDA às fls. 172/179 e ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES às fls. 194/245, todos refutando as alegações apresentadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
Pela decisão de fls. 248/253, foi recebida a inicial quanto aos Réus ANTÔNIO CARLOS PEIXOTO DE MAGALHÃES, JOSÉ ROBERTO ARRUDA, IVAR ALVES FERREIRA e REGINA CÉLIA PERES BORGES. A inicial foi rejeitada quanto aos Requeridos HEITOR LEDUR, HERMILO GOMES NÓBREGA E SEBASTIÃO GAZOLLA COSTA JUNIOR.
Da decisão de fls. 248/253, ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES apresentou Embargos de Declaração (fls. 261/263), e que não foram conhecidos (fls. 264/265).
JOSÉ ROBERTO ARRUDA apresentou pedido de reconsideração da mesma decisão, bem como Agravo Retido (fls. 274/275).
Por força de decisão do TRF/1ª Região, a fls. 876, foi reformada em parte a decisão de fls. 248/53, e acolhida a inicial com relação HEITOR LEDUR, HERMILO GOMES NÓBREGA e SEBASTIÃO GAZOLLA COSTA JUNIOR.
Citados, os Réus apresentaram contestação.
JOSÉ ROBERTO ARRUDA, a fls. 276/283, pugnou pela improcedência do pedido, por não ter pedido que a Ré REGINA CÉLIA PERES BORGES procedesse à violação do Painel do Senado, mas apenas tendo solicitado que verificasse a segurança da votação e o sigilo do equipamento, e que jamais teve conhecimento dos votos dos Senadores na votação de 25/6/2000. Sustentou não ter transgredido a moralidade pública nem a legalidade, agindo, isso sim, em defesa das instituições, daí não ter divulgado a existência da lista com nomes e votos, e sim entregado-a ao Presidente do Senado, até porque era duvidosa a autenticidade de seu conteúdo. Sustentou, ainda, a inexistência de dano patrimonial em razão das despesas realizadas pela Perícia contratada para analisar a violação, pois tais despesas não resultaram em prejuízo para o Erário.
ANTÔNIO CARLOS PEIXOTO DE MAGALHÃES, argüiu, em preliminar, a incompetência absoluta do Juízo, carência de ação, inépcia do pedido indenizatório, ilegitimidade ativa, impossibilidade jurídica de parte do pedido, ausência de conexão com a ação popular nº 2001.34.00014988-5. No mérito, sustentou a improcedência do pedido (fls. 284/367).
REGINA CÉLIA PERES BORGES e IVAR ALVES FERREIRA apresentaram contestação a fls. 388/422, arguindo a prejudicial de mérito em face da pretensão condenatória de IVAR ALVES FERREIRA, por ter sido reconhecida a ausência de sua autoria em sede criminal. No mérito, requereram a improcedência dos pedidos pois agiram sob coação irresistível e obediência hierárquica, nisso considerando-se ter sido emanada ordem do Presidente do Senado à época, o Senador ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES. Além disso, não violaram o sigilo da votação, pois limitaram-se, no exercício de suas funções administrativas e em cumprimento a ordem hierárquica, a manusear, sem ler, a listagem da votação de 25/6/2000, e, por isso, nem passaram ou tornaram pública qualquer informação contida no documento.
HERMILO GOMES DA NÓBREGA, em sua contestação a fls. 987/1004, sustentou não lhe ser possível conduta diversa da praticada, pois era servidor menos graduado dentre os que se envolveram com o fato e que, por temer as reações do Presidente do Senado se sentiu coagido e impossibilitado de não atender à determinação que lhe fora passada pela Diretora do PRODASEN, REGINA CÉLIA, e por isso, não se configurando ter agido com dolo ou má-fé, além do que sua participação limitou-se a indicar o nome do prestador de serviço SEBASTIÃO GAZOLLA
HEITOR LEDUR sustentou, em sua contestação a fls. 1005/1031, a inexistência de demonstração do dolo em sua conduta e de dano ao Erário e pugnou pela citação de litisconsortes passivos necessários. Asseriu, também, que não quebrou o sigilo dos votos dos Senadores, e teve sua ação no episódio restrita ao acesso ao Plenário pelos Réus IVAR ALVES FERREIRA e SEBASTIÃO GAZOLLA, além do que, o fato de se ter manuseado a listagem retirada do computador do painel eletrônico, por si só não significa quebra do sigilo, pois não fora lido o conteúdo da lista e, em conseqüência, não lhe sendo possível dar qualquer publicidade aos respectivos dados. Além disso, sua participação nos fatos também deu-se por coação irresistível e obediência hierárquica, nisso considerando-se ter a ordem partido do Presidente do Senado.
Em sua contestação a fls. 907/13, SEBASTIÃO GAZOLA COSTA JUNIOR sustenta não ter responsabilidade com os fatos, pois não era servidor do Senado, mas sim um funcionário terceirizado que prestava serviços àquele órgão como empregado de empresa contratada para serviços de programação, sendo que trabalhava na manutenção do sistema eletrônico de votação do Plenário. Alega que no dia dos fatos foi chamado para realizar ajustes no software do sistema de modo que se obtivesse a gravação do voto de qualidade dos Senadores, tendo-lhe sido apresentado como justificativa para tal operação razões de segurança do sistema.
Após suspensão do feito, no aguardo de decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade da Lei 10.628/02 (fls. 683/684), e que resultou na declaração de inconstitucionalidade da norma, foi retomado o curso regular do processo, pela decisão de fls. 688/694, e na qual foram decididas as preliminares suscitadas nas respostas dos Réus, bem como as provas requeridas pelas partes.
Pela decisão de fls. 1084/88 foram enfrentadas todas as preliminares suscitadas por SEBASTIÃO GAZOLLA, HERMILO GOMES DA NÓBREGA e HEITOR LEDUR. Na mesma decisão foi definida a produção de provas.
Depoimentos pessoais de REGINA CÉLIA PERES BORGES a fls. 730/9 e 1127/8; de IVAR ALVES FERREIRA a fls. 750/757 e 1129/30; de HEITOR LEDUR a fls. 1131/4; de SEBASTIÃO GAZOLLA a fls. 1135/7 e de JOSÉ ROBERTO ARRUDA a fls. 1250/1255.
Ouvida a testemunha LUCY HELENA PRADO a fl. 1262.
Alegações finais prestadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a fls. 1267/1273; por JOSÉ ROBERTO ARRUDA, a fls. 1276/1287; por IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR, às fls. 1312/1327; por REGINA CÉLIA PERES BORGES, a fls. 1330/1345, e por SEBASTIÃO GAZOLLA COSTA, às fls. 1347/1351.
O processo foi extinto, sem mérito, com relação a ANTÔNIO CARLOS PEIXOTO DE MAGALHÃES, dado seu falecimento em 20/7/2007, consoante decisão de fls. 1048, após manifestação do Autor a fls. 1046-v.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requereu a extinção do processo com relação a HERMILO GOMES DA NÓBREGA, por seu falecimento, com Atestado de Óbito juntado a fls. 1375.
O processo veio à conclusão para sentença em 15/8/2011, permanecendo no aguardo da conclusão para sentença da Ação Popular 2001.34.00.014988-5, que lhe é conexa e ensejou a distribuição por prevenção, sendo que referida ação veio à conclusão em 14/6/2012.
É O RELATÓRIO.
DECIDO.
A Constituição Federal, em seu artigo 55, § 2º, dispôs sobre a perda do mandato eletivo de Senador da República, pelo voto secreto da maioria absoluta de seus membros, nestes termos:
“Art. 55 – Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
…
§ 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.” – grifei -.
Desnecessário maior esforço, assim, para se reconhecer que qualquer ato tendente à violação do sigilo na votação para perda de mandato eletivo no Senado Federal configura-se como ato atentatório ao regramento constitucional, constituindo-se como conduta ilícita de relevante repercussão jurídica, política e social.
E o caso dos autos outro fato não traduz a não ser a efetiva configuração daquele grave ilícito de violação ao sigilo constitucional de votação, ocorrida no dia 28 de junho de 2000, por ocasião da sessão realizada para cassar o mandato do Senador Luiz Estevão.
Tal conduta ilícita, associada a um conjunto de atos também gravemente ilícitos, restou por se caracterizar, em sua essência, com a alteração de padrões técnicos de confidencialidade do sistema eletrônico de votações do Plenário do Senado Federal, e desse modo, alterando-se o respectivo programa de informática, passou-se a viabilizar-se o acesso à lista dos Senadores votantes, bem como da qualidade dos votos proferidos naquela sessão, consumando-se o grave ilícito com a disponibilidade, efetivo acesso e conhecimento de tais informações qualificadas, e que deveriam estar resguardadas pelo sigilo exigido constitucionalmente.
A propósito, por todo o conteúdo probatório disponível nos autos, nem mesmo restam controvertidas as fases e procedimentos que resultaram no ilícito, podendo estas ser traduzidas em ações de articulação dos envolvidos, em condutas operacionais para violação do sigilo, e de acesso e conhecimento das informações obtidas, tais sejam, a opção do voto de cada Senador quanto à cassação ou não do Senador Luiz Estevão.
O delineamento de cada uma dessas etapas, isolada ou conjuntamente, e a respectiva vinculação de cada Réu, autônoma ou associadamente, é o bastante para se definir a existência ou não dos ilícitos, e mesmo responsabilidade dos Réus quanto à alegada improbidade administrativa. E para melhor enfrentamento do caso, passa-se à análise pormenorizada, e por tópicos, da conduta de cada Réu.
JOSÉ ROBERTO ARRUDA
A defesa de JOSÉ ROBERTO ARRUDA centra-se em sustentar que em momento algum determinou, ou mesmo pediu à servidora REGINA CÉLIA PERES BORGES que violasse o “Painel de Votação” do Senado Federal, mas sim que “fizesse uma verificação de segurança tanto da votação, como do sigilo do equipamento” e que “jamais falou em lista de votação para qualquer pessoa” – negrito no original – (fls. 277).
Do depoimento de JOSÉ ROBERTO ARRUDA, a fls. 1250/55, destes autos extrai-se:
“QUE, na noite anterior à sessão do Senado para cassação do Senador Luiz Estevão, o depoente chamou à sua residência, por telefone, a Diretora do Prodasen, Sra. Regina Célia; QUE tal fato deu-se por volta das 20 horas, tendo o depoente dito à Sra. Regina que precisava lhe falar; QUE, no momento do telefonema, o depoente não retratou à Sra. Regina de que assunto se tratava; QUE a Sra. Regina de pronto atendeu ao convite do Requerido, até porque tinham um bom relacionamento, sendo ambos filiados ao mesmo partido à época, o PSDB; QUE a residência do depoente à época era na SQS 114, Bloco D, apto 301; QUE, já de início, retratou à Sra. Regina que estava falando em nome do Senador Antônio Carlos Magalhães, e que este manifestava preocupação em relação à segurança do sistema de votação da sessão do dia seguinte, de cassação do Senador Luiz Estevão; QUE, estando com a Sra. Regina, o depoente retratou à mesma toda preocupação que havia com relação à segurança do sistema de votação e que, inclusive, em dias recentes o Jornal do Brasil havia publicado matérias colando (sic) em dúvida a segurança do sistema e, mais do que isso, alertando para pressão que o Senador Luiz Estevão estaria exercendo sobre aquela sessão, inclusive, havendo neste jornal que retratava o clima de animosidade; QUE, levados à Regina tais fatos e apreensões, o depoente indagou à Sra. Regina se ela tinha confiança na segurança do sistema de votação; QUE a Regina disse não conhecer o sistema de votação do painel do Senado, até porque se tratava de um sistema independente que não se comunicava com o sistema PRODASEN, acrescentando, ainda, que a sua operação era terceirizada; QUE a conversa com a Regina durou cerca de 15 minutos; QUE o depoente afirmando à Regina ser um engenheiro, mas sendo “analfabeto digital”, tinha sérias dúvidas quanto à lisura do funcionamento do sistema, inclusive colocando em dúvida a possibilidade de alguém ter acesso aos votos secretos, valendo-se até mesmo da visualização do monitor do correspondente equipamento eletrônico de votação secreta; QUE a Regina, após as preocupações trazidas pelo depoente, insistiu em dizer que não conhecia o sistema, mas que adotaria as providências para que não houvesse qualquer irregularidade na captação dos votos da sessão de cassação; QUE, para o depoente, naquele momento é que a Regina passou a ter conhecimento das preocupações que se lançavam sobre o sistema de votação eletrônico; QUE, no desdobramento da conversa, o depoente ainda afirmou à Regina que, nas últimas votações que antecederam aquela sessão do dia 28, os jornais publicavam o resultado do voto qualitativo daquelas sessões, embora secretas, e daí a preocupação com aquela votação que se aproximava; QUE o depoente não pediu à Regina a lista de votação da sessão do dia seguinte; QUE a Regina, em razão da conversa mantida com o depoente, já naquele momento deixou transparecer apreensão com o que lhe fora retratado e o que lhe fora pedido para aferir a segurança do sistema; QUE o depoente reafirma que o encontro com a Regina deu-se a pedido do Senador Antônio Carlos e que, não houvesse tal provocação, o Requerido nenhuma providência teria tomado a respeito; QUE, durante a mesma conversa, o depoente indagou à Sra. Regina se, no momento das votações secretas, se imprime alguma lista ou se vê-se, no monitor, detalhes da votação que é secreta; QUE o intento do depoente, ao comentar sobre a lista de votação, era saber se tal instrumento poderia ser garantidor da segurança do sistema; QUE a Regina deixou a residência do Requerido e naquela noite não entrou mais em contato com o mesmo; QUE se recorda que, no dia seguinte, pela manhã, recebeu um recado da Regina informando que o sistema estava seguro e que as providências haviam sido tomadas; QUE não se recorda o meio pelo qual recebeu este recado, se diretamente por telefone ou por sua secretária; QUE no decorrer do dia não manteve mais qualquer outro contato com a Regina; QUE, ainda em sua residência, o depoente recorda-se que a Regina mencionou o nome de seu marido como profissional que poderia ajudar; QUE, antes da votação, o depoente transmitiu ao Senador Antônio Carlos a mensagem da Regina no sentido de que o sistema era seguro e que as providências haviam sido tomadas; QUE, momentos antes da votação, o Senador Jader Barbalho, líder do PMDB, levantou questão de ordem pugnando para que as votações fossem por cédula de papel, e recordando-se o depoente que tal postulação deveu-se ao fato de o Senador Jader Barbalho ter alegado a fragilidade do sistema de votação eletrônica; QUE, em resposta ao requerimento do Senador Jader Barbalho, o Senador Antônio Carlos, presidente, indeferiu o pedido sustentando que tinha tomado providências para a segurança do sistema; QUE a votação encerrou-se por volta das 13 horas, e, no meio da tarde, foi entregue ao depoente, por intermédio de seu chefe de gabinete, Domingos Lamoglia, um envelope pardo; QUE o chefe de gabinete do depoente não lhe disse do que se tratava o conteúdo do envelope, apenas afirmando tê-lo recebido da Regina e que pedia ao Requerido para entregá-lo ao Senador Antônio Carlos; QUE, de imediato, o depoente abriu o envelope para conhecer o seu conteúdo, e aí então teve conhecimento de se tratar de uma possível lista de votação; QUE a lista continha apenas nomes e qualidade dos votos, identificando sim ou não após cada nome; QUE aquela lista não continha qualquer aspecto de oficialidade, posto que ausente timbre, cabeçalho, carimbo, assinatura; QUE, imediatamente após conhecer o conteúdo do material, dirigiu-se ao gabinete do Senador Antônio Carlos; QUE o depoente, já no primeiro momento em que teve acesso ao conteúdo do envelope, o associou à votação realizada aquela tarde, inclusive percebendo a própria lisura daquele processo eleitoral, pois verificou, ao final do documento, que o resultado ali contido era o mesmo contido no painel do Senado; QUE lido ao depoente o conteúdo do depoimento da Ré Regina às fls. 736/7 e quando esta diz que “no final do dia, após a votação, o Senador Arruda procurou a depoente cobrando-lhe a lista, tendo a depoente dito que ainda não estava pronta e que assim que tivesse pronta o procuraria; QUE mantido o contato com o senador Arruda, após encontrar-se a lista impressa, o Senador Arruda disse à depoente que a lista deveria ser entregue ao Domingos, assessor do Senador Arruda, e que a depoente não se preocupasse pois o próprio Senador Antônio Carlos ligaria acusando recebimento”, o depoente não admitiu estes fatos; QUE o conhecimento da lista pelo depoente despertou-lhe preocupação, inclusive tendo levado tal preocupação ao conhecimento do Senador Antônio Carlos, quando encaminhou ao mesmo a referida lista; QUE não teve a percepção de estar cometendo ilícito naquele momento em que conheceu o conteúdo de uma votação que é secreta, pois, naquele mesmo momento, o que lhe coube valorar foi o fato de saber que a votação tinha sido segura do ponto de vista técnico; QUE, ao chegar ao gabinete do Senador Antônio Carlos, o depoente lhe passou o envelope, dizendo àquele “aí está o que a Dra. Regina lhe mandou”; QUE, naquele momento, havia vários senadores no Gabinete da Presidência do Senado, e o Senador Antônio Carlos, de posse da lista, passou, inclusive, a fazer comentários do conteúdo dos votos de alguns senadores; QUE, ainda nesta oportunidade, o Senador Antônio Carlos telefonou para a Regina agradecendo o material que havia recebido e o trabalho realizado quanto à segurança do sistema;” – grifei.
Por sua vez, do depoimento da Ré REGINA CÉLIA PERES BORGES, nestes autos, colhem-se os seguintes registros:
“…QUE na noite do dia 27 de junho de 2000, recebeu em sua casa uma chamada do senado (sic) José Roberto Arruda, para que se dirigisse à sua residência; QUE a depoente não sabia o assunto a ser tratado naquela oportunidade, embora tal convite tenha sido inusitado, posto que, em 25 anos de PRODASEN, aquela havia sido a primeira vez que um senador manifestava interesse em falar com a depoente àquela hora e naquelas condições; QUE atendeu ao chamado de pronto por entender não haver razões para não fazê-lo; QUE tratava-se do Senador Arruda, líder do Governo à época, usuário dos serviços do PRODASEN, embora não se tratar de chamada usual a depoente não viu motivo que a levasse a resistir a tal chamado; QUE se deslocou imediatamente, tendo encontrado o senador em sua residência; QUE, até aquele momento, deu conhecimento do episódio a seu marido IVAR que se encontrava em casa; QUE o senador Arruda imediatamente atendeu a depoente; QUE o senador Arruda de pronto tratou do assunto que lhe interessava com a depoente e que dizendo-se falar em nome do senador Antônio Carlos Magalhães, à época presidente do Senado, disse à depoente que providenciasse a emissão de listagem dos votos da sessão do dia seguinte, de cassação do senador Luiz Estevão; QUE o senador Arruda se demonstrou natural em sua solicitação à depoente; QUE naquele momento o senador Arruda se apresentou como uma pessoa cordial, sem qualquer comportamento agressivo em relação à depoente; QUE ficou absolutamente perplexa com o “inusitado pedido”, tendo sido sua primeira reação negar a possibilidade técnica de atendimento ao pedido; QUE o senador Arruda, contrariando essa avaliação apresentada pela depoente, retrucou, dizendo que tinha informações seguras de que era possível a emissão da lista; QUE a depoente entendeu não haver outra alternativa senão acatar aquela solicitação que, a seu juízo, se caracterizava como uma ordem; QUE entre a chegada da depoente à casa do senador Arruda e o desenrolar dos fatos ora mencionados, não se passou mais de vinte minutos; …. QUE a depoente, em momento algum de todo o período em que esteve envolvida com a execução da tarefa que lhe fora passada pelo senador Arruda, não teve a oportunidade de repensar a resposta afirmativa que havia dado, e isto em razão do contexto em que se verificou todo o episódio, das pessoas envolvidas e, principalmente, pelo fato de que, quando o senador Arruda lhe deu a incumbência, entendeu que a partir dali, qualquer que fosse a sua opção, estaria prejudicada, quer dizer aceitando ou não o encargo, estaria “condenada”; QUE, em razão disso, procurou realizar da melhor forma possível aquela tarefa e dela procurando ficar livre o quanto antes; QUE, apesar de ser uma servidora com histórico funcional de extremo rigor em seu comportamento, a depoente atribui sua tolerância àquela ordem do senador Arruda como sendo a única opção que lhe restava e que se não aceitasse aquele encargo “só Deus sabe”; QUE qualifica tal ordem emanada do senador Arruda como uma autêntica violência; QUE se não houvesse a associação do pedido à figura do senador Antônio Carlos a ordem não seria cumprida; …QUE o senador Arruda não apresentou qualquer motivo a justificar o seu pedido; QUE no pedido do senador Arruda ficou claro que o que se queria era uma lista com o nome dos votantes e com a vinculação do voto dado; … QUE, no dia da votação, dia 28/6, pela manhã, a depoente telefonou para o senador Arruda, atendendo a seu pedido quanto a isso, para confirmar que havia sido realizada a operação; QUE no final do dia, após a votação, o senador Arruda procurou a depoente cobrando-lhe a lista, tendo a depoente dito que ainda não estava pronta e que assim que estivesse o procuraria; QUE, mantido o contato com o senador Arruda, após encontrar-se a lista impressa, o senador Arruda disse à depoente que a lista deveria ser entregue ao Domingos, assessor do senador Arruda e que a depoente não se preocupasse, pois o próprio senador Antônio Carlos ligaria acusando o recebimento; … QUE, em seguida procurou o senador Arruda em seu próprio gabinete de liderança do PSDB, tendo este dito que não sabia do que se tratava, mas de todo o modo o assunto deveria ser enfrentado com total sigilo, “inclusive sob tortura”; … QUE o pedido do senador Arruda haveria sido negado se não houvesse a associação com o nome do senador Antônio Carlos, presidente do Senado; …”.- grifei.
O depoimento prestado em juízo por REGINA CÉLIA BORGES, no que tange ao seu encontro com o ex-Senador JOSÉ ROBERTO ARRUDA, na residência deste, e ao teor da conversa mantida, tem manifesta coincidência com o depoimento prestado pela mesma Ré, no dia 19/4/2001, em seu primeiro depoimento público e oficial sobre o caso, junto ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal, em época recente ao acontecimento dos fatos, conforme se verifica pelo documento de fls. 466/551, especialmente quanto ao contido a fls. 470-v.
Não obstante os fatos narrados pela Ré REGINA CÉLIA PERES BORGES, os mesmos não coincidem com os fatos retratados pelo Réu JOSÉ ROBERTO ARRUDA, a respeito do conteúdo do pedido que formulou em conversa com aquela, no dia 27/6/2000, à noite, na medida em que este sustenta ter limitado-se a pedir providências para assegurar a inviolabilidade do sistema de votação eletrônica.
Quanto a tal divergência de fatos, não é crível dar-se credibilidade à versão de JOSÉ ROBERTO ARRUDA pois, estivesse mesmo imbuído em preservar a lisura da votação, não haveria razão para ter negado, peremptoriamente, seu encontro, em sua própria residência, com REGINA CÉLIA, negativa esta manifestada reiteradas vezes, inclusive de público e oficialmente, como o fez da Tribuna do Plenário do Senado, nos dias 17/4/2001 e 18/4/2001, como se vê a fls. 26 e 27 destes autos.
O propósito de assegurar a confiabilidade do sistema de votação, sustentado por JOSÉ ROBERTO ARRUDA em sua peça de defesa, como justificativa para ter mantido interlocução com REGINA CÉLIA no dia 27/6/2000, é absolutamente incompatível, incompreensível, com as extremadas reações que teve, pública e oficialmente, assim que se deflagrou o chamado “escândalo do Painel do Senado”, em negar que houvesse conversado a respeito com aquela servidora do PRODASEN.
Sobre tais negativas de seu encontro com a Ré REGINA CÉLIA BORGES, assim manifestou-se o ex-Senador JOSÉ ROBERTO ARRUDA, em discurso no Plenário do Senado Federal, nos dias 17 e 18 de abril de 2001, conforme consta do Relatório do Conselho de Ética de Decoro Parlamentar, transcrito na inicial, especificamente a fls. 26 e 27:
“Nesse episódio, não fui procurado por ela, NÃO A PROCUREI, NÃO SOLICITEI, não me foi entregue, e a desafio ou qualquer cidadão a oferecer qualquer vírgula de prova de que eu possa ter intermediado esse gesto. (fls. 26).
(…)
Sr. Presidente, trouxe aqui os fatos, as fotos e as declarações insuspeitas da minha trajetória na noite do dia 27, acusado que estou de ter recebido na minha casa a Drª Regina e de ter-lhe feito indecorosa proposta, que ela negou, mas no seguinte dia cumpriu e entregou a um assessor. SÓ QUE EU NÃO ESTIVE EM CASA, NEM ANTES DO SUPOSTO ENCONTRO DELA COM O DR. ‘NÃO SEI DAS QUANTAS’ NEM DEPOIS (fls. 27).
(…)
O que tranqüiliza a minha consciência é que NÃO PEDI NADA A NINGUÉM, não recebi nada de ninguém, não entreguei nada a ninguém, não tive acesso à informação alguma como essa. (fls. 27).
(…) graças a Deus, neste episódio NÃO TENHO NOTÍCIA DO QUE OCORREU OU DO QUE DEIXOU DE OCORRER.” – grifei – (fls. 28).
E diante de tais contundentes afirmações, cabe a indagação: se o Senador JOSÉ ROBERTO ARRUDA esteve mesmo imbuído em tão louváveis propósitos de assegurar a confiabilidade do sistema de votação eletrônica do Senado, por que negar tal fato, recusando ter havido o encontro com a servidora REGINA CÉLIA BORGES?
A resposta surge na sessão de 23 de abril de 2001, na qual o então Senador JOSÉ ROBERTO ARRUDA, já apresentando nova versão aos fatos, disse da Tribuna do Senado:
‘É preciso ficar claro de não pedi, muito menos determinei, em meu nome ou em nome do presidente Antônio Carlos Magalhães, que sua senhoria obtivesse a lista. Apenas consultei-a sobre se acontecia’. – grifei – (fls. 28).
(…)
‘OS FATOS RELATADOS PELA DRA. REGINA, depois dos episódios dos procuradores (a conversa com ACM), TAMBÉM SÃO VERDADEIROS, OS ENCONTROS INCLUSIVE. Confirmo os que tive por iniciativa dela e os que o Dr. Domingos teve, a meu pedido – aí já sabendo o que tinha ocorrido.’ – grifei – (fls. 28).
‘Ali, diante das circunstâncias, traídos pelas nossas fraquezas de curiosidade, vaidade, orgulho ou tudo isso junto, estávamos unidos no mesmo equívoco e NINGUÉM VIA OUTRO CAMINHO A NÃO SER MANTER A NEGAÇÃO.” – grifei – (fls. 28).
E disse ainda, na mesma sessão:
“Guardei a lista no envelope e, em seguida, fui ao Gabinete do Presidente Antonio Carlos. S. Excelência olhou com atenção. Conferiu voto a voto e JUNTOS FIZEMOS ALGUNS COMENTÁRIOS. ESTÁVAMOS SOZINHOS NA SALA. Ainda na minha presença ele pediu que ligassem para a Dra. Regina e, de fato, ele agradeceu a ela o envio da lista. A lista ficou com ele. LEMBRO AINDA QUE EU MESMO PEDI QUE ELE LIGASSE PARA QUE ELA TIVESSE CERTEZA DE QUE EU ENTREGUEI A LISTA A ELE”. (fls. 28).
Note-se que neste momento de sua fala, em 23/4/2001, o Senado já dispunha do Relatório da Perícia realizada pela UNICAMP, apresentado em 27/3/2001, e que confirmara ter havido acesso às informações da votação secreta da cassação de mandato do ex-Senador LUIZ ESTEVÃO, bem como já havia sido colhido depoimento da servidora do PRODASEN, REGINA CÉLIA BORGES, relatando os fatos, depoimento este ocorrido em 19/4/2001.
Some-se a tais elementos o fato de que o próprio Senador ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES, em seu depoimento de 26/4/2001, no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, confirmou “ter tido acesso – através do ex-Senador JOSÉ ROBERTO ARRUDA -, lido e comentado, a referida listagem de votos” (fls. 07).
Importante registrar também o teor das declarações do assessor Domingos Lamoglia, em depoimento na Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, referindo-se ao Senador JOSÉ ROBERTO ARRUDA (fls. 413 e 414, dos autos):
O Sr. ROBERTO SATURNINO – Ele chegou a lhe dizer que tinha feito um pedido à Dona Regina a pedido do Senador Antonio Carlos?
O SR. DOMINGOS LAMOGLIA DE SALES DIAS – Sim”
(…)
O SR. PEDRO SIMON – E V. Sª quando recebeu o documento disse para a Dª Regina: a senhora pode ficar tranqüila que esse documento vai chegar às mãos do Presidente Antônio Carlos?
O SR. DOMINGOS LAMOGLIA DE SALES DIAS – Não sei se dessa forma, não sei dizer para V.Exª se dessa forma, mas com certeza disse a ela que o Senador havia pedido para apanhar o documento porque ele ia levar para o Senador Antonio Carlos Magalhães”. – grifei.
E, ainda do depoimento de JOSÉ ROBERTO ARRUDA em juízo, destaco (fls. 1254):
“Dada a palavra à ilustre Procuradora da República, perguntou: … Perguntou: “Por que foi solicitado à Sra. Regina que verificasse a segurança do sistema do painel do Senado se não haveria qualquer procedimento para cotejar os votos que foram efetivamente dados e o resultado final a que se chegou na votação?” Respondeu: “QUE a pergunta até hoje não encontra resposta, sendo que se a dúvida existe hoje, imagine-se à época.” – grifei.
Assim, pelos registros ora destacados, resulta ser insustentável, inverossímil a versão apresentada pelo Réu JOSÉ ROBERTO ARRUDA, quanto ao fato de não ter ordenado, ou, ao menos, pedido a lista de votação a REGINA CÉLIA BORGES.
O que emerge dos autos é que o alegado meritório objetivo em se assegurar a confiabilidade do sistema de votação eletrônica do Senado nada mais traduziu do que a tentativa de se legitimar uma conduta de extrema reprovação.
Por hipótese, ainda que se pudesse cogitar em ter havido erro de interpretação na conversa entre Senador ARRUDA e REGINA CÉLIA, não seria razoável acatar-se tal versão, seja por não haver motivo para que esta negasse a tal possibilidade, seja, ainda, pelo fato de a Ré REGINA ter confirmado, textualmente, as palavras proferidas por ARRUDA no sentido de querer saber dos votos a serem dados.
Por tais registros, constata-se, então que a credibilidade das palavras de JOSÉ ROBERTO ARRUDA, e toda a versão apresentada, resta desfeita e desconstruída.
E, em reforço a esta constatação, tem-se o depoimento de Réu IVAR ALVES FERREIRA, do qual extrai-se (fls. 751/7):
“… QUE se recorda que um chamado daquela natureza pelo senador Arruda fora a primeira vez; QUE cerca de uma hora após tal chamado a sua esposa Regina retornou, sendo que neste momento é que o depoente teve conhecimento do assunto tratado com o Senador; QUE o assunto tratado com o senador Arruda era a necessidade de se emitir uma listagem da votação da sessão do dia seguinte, de cassação do senador Luiz Estevão; QUE tal pedido a requerida Regina esclareceu ao depoente ter sido de ordem do senador Antônio Carlos Magalhães, sendo interlocutor o senador Arruda, e daí o contato daquela noite; …QUE, no momento em que a esposa do depoente lhe contou da conversa com o senador Arruda, o depoente indagou-a quem realmente havia feito a solicitação, tendo ela dito o fora o Senador Arruda, em nome do Senador Antônio Carlos; …. QUE a Sra. Regina havia saído para entregar o documento ao Senador ACM, mas, no caminho, tendo entrado em contato com o Senador Arruda, este lhe orientou para que entregasse o documento ao Domingos; QUE a Sra. Regina ligou para o depoente demonstrando apreensão quanto a este fato de ter entregue a lista à pessoa diversa do Senador ACM; … QUE o conteúdo da lista era o nome do parlamentar e uma letra “S”, “N” ou “A”, ou seja, sim, não ou abstenção, não contendo qualquer outro elemento, como logotipo, e nem mesmo a identificação da sessão; QUE a lista não tinha formatação e apenas registros em linhas; … QUE se a ordem não partisse do Presidente do Senado não seria cumprida e que todos confiavam na Regina, que disse que a ordem fora dada pelo Presidente do Senado Antônio Carlos; …” – grifei.
Do mesmo modo, o depoimento de HEITOR LEDUR (fls. 1131/4):
“… QUE, na noite do dia anterior à votação do caso do Senador Luiz Estevão, por volta da meia noite, o depoente foi procurado, em casa, pela Sra. Regina Célia, Diretora Executiva do PRODASEN, e pelo Sr. Ivar; QUE a Sra. Regina indagou ao depoente se era possível conhecer a qualidade dos votos na votação secreta do painel eletrônico, sendo-lhe respondido pelo depoente que tal providência seria impossível pois o sistema não permite que ninguém veja o resultado nos casos de votação secreta; QUE a Sra. Regina disse tratar-se de um pedido do Senador Arruda, em nome do Senador Antônio Carlos Magalhães, e que ele queria ter a lista com os votos…” (fls. 1131).
Cabe enfatizar que, sendo a servidora REGINA CÉLIA BORGES e o ex-Senador JOSÉ ROBERTO ARRUDA pessoas que mantinham “um bom relacionamento , sendo ambos filiados ao mesmo partido à época, o PSDB” conforme afirmado pelo próprio Réu JOSÉ ROBERTO ARRUDA no seu depoimento em juízo (fls. 1250), não se mostra convincente ter aquela servidora criado toda uma história para envolver aquele Réu. Do ponto de vista do grave comprometimento pessoal e até mesmo funcional que disso resultaria naquele relacionamento, evidente que seria muito mais confortável a REGINA CÉLIA BORGES, para minimizar a repercussão do grave ilícito praticado, que assumisse ter havido um mero erro de interpretação quanto ao teor da conversa que manteve com o ex-Senador JOSÉ ROBERTO ARRUDA, como este busca demonstrar, do que ter insistido no teor da conversa revelada já desde seu primeiro depoimento no Conselho de Ética do Senado, em 19/4/2001, e que revelou conteúdo de elevada gravidade jurídica, política e social.
Pelos registros expostos resulta claro o convencimento de que JOSÉ ROBERTO ARRUDA teve participação expressiva nas ações de articulação dos envolvidos e de acesso e conhecimento das informações sigilosas obtidas.
DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PRATICADOS POR JOSÉ ROBERTO ARRUDA
A responsabilidade administrativa-funcional perseguida pelo Ministério Público Federal em relação aos Réus, dá-se com esteio no artigo 11, I, da Lei 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa, que assim dispõe:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”; – grifei – .
Quanto aos princípios da Administração, encontram-se insertos no artigo 37, “caput”, da Constituição Federal:
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)” – grifei – .
No caso dos autos, evidencia-se que JOSÉ ROBERTO ARRUDA buscou por vontade própria, deliberada e conscientemente, atuar, determinando providências que resultaram na violação do Painel do Senado, violação esta consubstanciada no conhecimento dos votos proferidos na sessão do dia 28/6/2000, com a quebra do sigilo constitucional da votação.
E não bastasse ter incorrido em prática comissiva de ato ilícito, avançou também o Réu JOSÉ ROBERTO ARRUDA em praticar atos omissivos a ensejarem repercussão daquela mesma e grave natureza ilícita.
E tal verificou-se ao manter-se inerte na adoção de medidas cabíveis quando lhe chegou ao conhecimento, pelas mãos de seu chefe de gabinete, DOMINGOS LAMOGLIA, a lista de votação sigilosa da sessão do dia 28/6/2000.
Em juízo, afirmou o Réu JOSÉ ROBERTO ARRUDA (fls. 1252):
“QUE a votação encerrou-se por volta das 13 horas, e, no meio da tarde, foi entregue ao depoente, por intermédio de seu chefe de gabinete, Domingos Lamoglia, um envelope pardo; QUE o chefe de gabinete do depoente não lhe disse do que se tratava o conteúdo do envelope, apenas afirmando tê-lo recebido da Regina e que pedia ao Requerido para entregá-lo ao Senador Antônio Carlos; QUE, de imediato, o depoente abriu o envelope para conhecer o seu conteúdo, e aí então teve conhecimento de se tratar de uma possível lista de votação; QUE a lista continha apenas nomes e qualidade dos votos, identificando sim ou não após cada nome; QUE aquela lista não continha qualquer aspecto de oficialidade, posto que ausente timbre, cabeçalho, carimbo, assinatura; QUE, imediatamente após conhecer o conteúdo do material, dirigiu-se ao gabinete do Senador Antônio Carlos; QUE o depoente, já no primeiro momento em que teve acesso ao conteúdo do envelope, o associou à votação realizada aquela tarde, inclusive percebendo a própria lisura daquele processo eleitoral, pois verificou, ao final do documento, que o resultado ali contido era o mesmo contido no painel do Senado”.
Sendo o processo de votação para cassação de mandato parlamentar realizado pelo voto secreto, como determinara a Constituição, por seu artigo 55, § 2º, era dever de qualquer agente público adotar imediatas providências para se apurar eventual informação quanto à identificação da qualidade dos votos, ainda que se tratasse de material suspeito quanto à sua veracidade, pois a relevância daquele momento impunha toda cautela necessária a se evitar o comprometimento da lisura daquele ato.
E, ainda que se admitisse a tese da defesa do ex-Senador JOSÉ ROBERTO ARRUDA de que não teve participação comissiva no episódio, agora, revela-se patentemente configurada atitude ilícita, por ter omitido-se em reagir à responsabilização funcional, e mesmo criminal, quanto à existência daqueles dados, ainda mais em se tratando de um Senador, pessoa diretamente envolvida com o próprio evento sigiloso e que lhe chegara ao conhecimento, em total violação ao segredo que se impunha observar na realização do ato que se realizara momentos antes.
De todo modo, sob qualquer ângulo que se analise a participação do Réu JOSÉ ROBERTO ARRUDA no conhecido “escândalo do Painel do Senado”, seja por ação, seja por omissão, perfaz-se como frágil, inconsistente, inverossímil, e sem credibilidade a tese que sustenta, de estar preocupado com a segurança do sistema. Fosse mesmo esse o seu propósito, por se tratar de um assunto relevante e por ser, à época, um destacado, influente e experiente homem público, tornaria tal preocupação uma pauta oficial, ainda que, por precaução, como um assunto reservado, mas sem jamais perder o cunho da oficialidade e a observância e respeito aos princípios que regem a conduta de toda e qualquer agente público, como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, insertos no artigo 37, da Constituição Federal.
As ocorrências que vinculam JOSÉ ROBERTO ARRUDA ao episódio de violação do Painel do Senado desvendam, assim, notória transgressão aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, além de irrefutável violação ao princípio constitucional da moralidade pública.
REGINA CÉLIA PÉRES BORGES
As condutas ilícitas praticadas pela Ré REGINA CÉLIA PERES BORGES, à época Diretora Executiva do PRODASEN, não demandam maiores dúvidas, e se encontram substancialmente demonstradas nestes autos, conforme extrai-se das informações obtidas de seu próprio depoimento em juízo, a fls. 732/739 e 1127/8. No essencial, registro:
“QUE, retornando à sua casa, imediatamente comentou o fato com o seu marido Ivar, que, inclusive, percebeu encontrar-se a depoente angustiada, com ansiedade; QUE o sr. Ivar se pôs solidário com a depoente para atender a ordem do senador Arruda; QUE essa solidariedade fora à pessoa da depoente e, ainda que o sr. Ivar tenha reagido com surpresa, se pôs ao lado da depoente como em sacrifício para socorrê-la; QUE, em prosseguimento, a depoente e seu marido procuraram Heitor Ledur, responsável pelo sistema que opera o painel; QUE fora esta a primeira vez que a depoente, para executar um serviço do senado, se socorreu do sr. Heitor Ledur; QUE essa havia sido a primeira vez também que a depoente, enquanto responsável pelo PRODASEN, precisou se utilizar de serviços e/ou equipamentos encontrados na sala de operação do painel do senado; QUE, neste momento, a depoente já estava integralmente embuída em dar execução ao encargo que havia sido passado pelo senador Arruda, até porque sempre desempenhou com afinco, com vontade, as atribuições que a casa lhe passava; (…)QUE era natural que neste momento já houvesse um pacto de silêncio estabelecido entre as pessoas já envolvidas com aquele procedimento, sendo a depoente a pessoa que estava na “direção”, coordenação, de tais tratativas; QUE, na seqüência, a depoente, o Ivar e o Heitor entenderam, por indicação deste último, chamar o Ermilo Nóbrega, servidor do PRODASEN e gestor do contrato com a empresa privada de informática; QUE o Ermilo, de igual modo, se apresentou surpreso com a solicitação que lhe fora feita pela depoente em colaborar com aquela atribuição que lhe fora passada; QUE o Ermilo fora a pessoa que indicou o Gazola, empregado da empresa privada de informática, e que era peça-chave na execução da tarefa, posto que poderia identificar com precisão e no pouco tempo que dispunham a alteração que tinha que ser feita no programa; QUE com o Ermilo e o Heitor fora a primeira vez que a depoente precisou executar um trabalho em grupo; (…) QUE, em razão disso, procurou realizar da melhor forma possível aquela tarefa e dela procurando ficar livre o quanto antes; (…) QUE a tarefa fora executada com muito angústia e apreensão, tanto pelo conhecimento de estar colaborando para algo irregular, e que contrariava os seus princípios, valores, como também angústia e apreensão pelos riscos da conseqüência que isso poderia gerar; (…) QUE, no dia da votação, dia 28/6, pela manhã, a depoente telefonou para o senador Arruda, atendendo a seu pedido quanto a isso, para confirmar que havia sido realizada a operação; QUE no final do dia, após a votação, o senador Arruda procurou a depoente cobrando-lhe a lista, tendo a depoente dito que ainda não estava pronta e que assim que estivesse o procuraria; QUE, mantido o contato com o senador Arruda, após encontrar-se a lista impressa, o senador Arruda disse à depoente que a lista deveria ser entregue ao Domingos, assessor do senador Arruda e que a depoente não se preocupasse, pois o próprio senador Antônio Carlos ligaria acusando o recebimento; QUE, no momento da gravação da votação, estavam presentes o Ivar e o Heitor, sendo que na impressão da lista, feita no PRODASEN, por um disquete que havia sido gravado na votação, a depoente se encontrava presente para se evitar a quebra de sigilo; QUE o assessor Domingos não fez referência em saber do conteúdo do envelope que havia sido entregue pela depoente, no qual se encontrava a lista; QUE o senador Antônio Carlos telefonou para a depoente quando esta já se encontrava em casa, tendo dito à depoente que ficasse tranqüila, e tendo feito elogio à sua atuação no PRODASEN.” (fls. 734/737).
E do depoimento pessoal de seu marido, IVAR ALVES, em juízo, consta:
“QUE em todos os passos que sucederam a operacionalização do pedido, o depoente esteve trabalhando conjuntamente com a sua esposa, sra. Regina;” (fls. 753).
Indubitável, assim, que a Ré REGINA CELIA PERES BORGES praticou atos que resultaram na violação do sigilo de votação na sessão de 28/6/2000, principalmente por ter articulado, na sua condição de responsável pelo setor de informática do Senado, a participação de outras pessoas nas providências operacionais, além de ter participado na própria execução daquele grave ato ilícito e na viabilidade do conhecimento das informações sigilosas.
IVAR ALVES FERREIRA
De igual modo à situação de REGINA CÉLIA PERES BORGES, o Réu IVAR ALVES FERREIRA confirmou em juízo sua participação nos atos de articulação, operacionais, na própria execução da quebra do sigilo da votação do dia 28/6/2000, e na viabilização da publicidade das informações obtidas. De seu depoimento em juízo, a fls. 751/757 e 1129/1130, destacam-se as seguintes passagens:
“QUE tem conhecimento dos fatos a que se reporta esta ação; QUE no dia anterior à votação da cassação do senador Luiz Estevão, à noite, encontrava-se em casa, juntamente com a sua esposa, ocasião em que esta lhe disse que iria sair para a casa do Senador Arruda; QUE era comum sua esposa despachar com os senadores, em razão disso tal saída não despertou atenção; QUE se recorda que um chamado daquela natureza pelo senador Arruda fora a primeira vez; QUE cerca de uma hora após tal chamado a sua esposa Regina retornou, sendo que neste momento é que o depoente teve conhecimento do assunto tratado com o Senador; QUE o assunto tratado com o senador Arruda era a necessidade de se emitir uma listagem da votação da sessão do dia seguinte, de cassação do senador Luiz Estevão; QUE tal pedido a requerida Regina esclareceu ao depoente ter sido de ordem do senador Antônio Carlos Magalhães, sendo interlocutor o senador Arruda, e daí o contato daquela noite; QUE a esposa do depoente aparentava-se tensa, apreensiva e imbuída no cumprimento de uma missão funcional; QUE a esposa do depoente apenas comunicou do fato, sendo que a iniciativa de se associar a tal empreitada partira do próprio depoente, em solidariedade à sua esposa, por entender que se tratava de uma missão quase impossível de não ser feita; QUE tal compreensão dos fatos pelo depoente deveu-se à figura do senador Antônio Carlos Magalhães, tanto em razão do seu poder pessoal como por encontrar-se como presidente do Senado, e nisso como guardião dos dados e resultados de votação, impressões estas que imprimiam um certo temor às ordens por ele expedidas; QUE o depoente, no momento em que lhe fora dado o conhecimento da missão que teria que cumprir a sua esposa, tinha conhecimento de que a mesma se tratava de uma conduta irregular; (…) QUE, até aquele momento, o depoente nunca tinha tido conhecimento da possibilidade de violação ao painel do Senado; (…) QUE o passo seguinte na execução daquela missão fora contactar Heitor Ledur, funcionário do senado, operador do painel do Senado, o qual, tendo dito não ter conhecimento que pudesse ajudar na operação indicou o nome do Ermilo Nóbrega, também funcionário do Senado e gestor do contrato de manutenção do painel, dado que a manutenção do software do painel era terceirizada; QUE o Nóbrega levou ao conhecimento do depoente e de sua esposa que, devido ao tempo curto para se realizar a operação, era necessário uma pessoa que conhecesse o sistema, aí então foi mantido contato com o Sebastião Gazola, não funcionário do Senado, e ligado à empresa que desenvolveu e mantinha o software do painel do Senado; QUE o Gazola se prontificou a ajudar a Ré Regina e o depoente, não tendo apresentado qualquer dificuldade naquela operação; QUE em todos os passos que sucederam a operacionalização do pedido, o depoente esteve trabalhando conjuntamente com a sua esposa, sra. Regina; QUE, inclusive, tendo a Sra. Regina se ausentado daquelas tratativas após o contato com o Nóbrega, o depoente fora quem também manteve os contatos e providências necessários; QUE, por volta de uma hora da manhã o Gazola comunicou ao depoente e ao Nóbrega que já estava tudo certo para se realizar a operação naquele mesmo dia, pela manhã, na votação da cassação do senador Luiz Estevão; (…) QUE, às 7 horas da manhã, deu-se a alteração do sistema para a votação que se realizaria no início da tarde; QUE neste momento da alteração estavam presentes o depoente, o Heitor Ledur e o Gazola; QUE o local onde fora procedida a alteração fora numa sala onde se encontram os computadores do painel do Senado; (…) QUE, por volta das 18 horas, o depoente foi ao equipamento e gravou num disquete as informações necessárias, estando presente, neste momento, o Heitor Ledur; QUE o depoente se deslocou para a sua sala, chamando a Regina, e ali mesmo imprimiram o documento em apenas uma via;” (fls. 751/754).
HEITOR LEDUR
Com relação a HEITOR LEDUR, seu depoimento em juízo atesta sua efetiva participação nos atos que levaram à violação do sigilo do Painel do Senado, conforme vê-se de suas palavras a fls. 1132/1134:
“QUE é funcionário do Senado desde 1983 e que, à época dos fatos objetos da presente ação, trabalhava no painel do Senado; QUE trabalhar no painel do Senado significa dizer que era o seu operador, e, por isso, responsável por ativar/ligar o sistema de informática do sistema de votação eletrônica, alimentando o sistema com as informações relativas à matéria que ia ser tratada, imprimindo as listas de votação para entrega à Mesa Diretora; QUE, na noite do dia anterior à votação do caso do Senador Luiz Estevão, por volta da meia noite, o depoente foi procurado, em casa, pela Sra. Regina Célia, Diretora Executiva do PRODASEN, e pelo Sr. Ivar; QUE a Sra. Regina indagou ao depoente se era possível conhecer a qualidade dos votos na votação secreta do painel eletrônico, sendo-lhe respondido pelo depoente que tal providência seria impossível pois o sistema não permite que ninguém veja o resultado nos casos de votação secreta; QUE a Sra. Regina disse tratar-se de um pedido do Senador Arruda, em nome do Senador Antônio Carlos Magalhães, e que ele queria ter a lista com os votos; QUE o depoente insistiu quanto à impossibilidade da informação, mas ressalvou ser a mesma possível, “a não ser que houvesse alteração do programa”; QUE o depoente tem formação profissional em arquitetura e reunia, à época, algum conhecimento de eletrônica, sendo que tal conhecimento, em eletrônica, era desejável àquela atividade que exercia de operador do painel do Senado; QUE, ao ter afirmado que a informação desejada era possível com a alteração do programa, sabia que era viável tal procedimento; QUE o pedido da Sra. Regina levou o depoente a ter uma reação de espanto e de choque; QUE eram quatro os operadores do painel do Senado, sendo que na votação do caso do Senador Luiz Estevão o depoente é que estava escalado; QUE naquele período, inclusive, o depoente exercia a função de chefe dos quatro operadores; QUE, para se conseguir conhecer a qualidade dos votos na sessão secreta, era necessário alterar o programa de uma máquina (CPU), que se encontrava instalada na sala do computador de votação do Plenário; QUE sem a instalação de um novo programa naquela máquina não seria possível obter a qualidade dos votos; QUE, no dia da votação, pela manhã bem cedo, o depoente, acompanhado do IVAR e do SEBASTIÃO GAZOLLA, dirigiram-se ao local onde se encontrava aquela máquina, para proceder a instalação do programa que possibilitaria conhecer os votos; QUE o “horário mais cedo” a que se refere o depoente seria um horário normal para o seu próprio expediente de trabalho, posto que, naquele dia, como haveria votação, necessitava saber se tudo funcionava bem; QUE o depoente já conhecia o Sebastião Gazolla, em razão daquela área de informática em que trabalhava, sendo este prestador de serviço de manutenção na área de informática; QUE foi necessário cerca de quinze a trinta minutos para se instalar o novo programa; QUE a máquina (CPU) em que foi procedida a alteração era aberta com a senha dos operadores do sistema e naquele dia tendo sido utilizada a senha do depoente; QUE o depoente, o Ivar e o Gazolla se encontravam nervosos naquele momento, e tal nervosismo como decorrência de alguma “irregularidade” que estava sendo cometida; QUE a sala onde fica a máquina (CPU) do painel eletrônico é o próprio local onde trabalha o depoente quando há sessão no Senado; QUE, naquele dia da votação do caso do Senador Luiz Estevão, o depoente permaneceu todo o tempo na sala; QUE, mais à noite, concluída a votação, o Ivar procurou o depoente na própria sala, tendo neste momento, o próprio Ivar introduzido um disquete naquela máquina para produzir a cópia da votação eletrônica de seu interesse; QUE, encerrada a sessão daquele dia, e tendo o depoente também concluído os seus trabalhos como operador do painel, não teve mais qualquer contato ou participação no fato;” – grifei – (fls. 1131/1132).
Pelos registros ora anotados, resta patentemente demonstrada, assim, a participação direta e efetiva de HEITOR LEDUR na prática de atos que resultaram na violação do Painel do Senado na sessão de cassação do então Senador LUIZ ESTEVÃO, sendo evidente suas ações voltadas à articulação dos envolvidos e à operacionalização de mecanismos para violação do sigilo.
DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PRATICADOS POR REGINA CÉLIA, IVAR ALVES E HEITOR LEDUR
De conformidade com o artigo 11, da Lei 8.429/92, os atos praticados pelos Réus são atos de improbidade administrativa por terem violado os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, honestidade e lealdade às instituições.
E para bem ilustrar a transgressão ao comportamento que se impunha aos Réus REGINA CÉLIA BORGES, IVAR ALVES e HEITOR LEDUR, transcrevo o que a Lei 8112/91 define como deveres, proibições e responsabilidades dos servidores públicos:
“Art. 116. São deveres do servidor:
I – exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
II – ser leal às instituições a que servir;
III – observar as normas legais e regulamentares;
IV – cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;
….
VI – levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo; (redação da época dos fatos, posteriormente modificada pela Lei12.527, de 2011)
….
VIII – guardar sigilo sobre assunto da repartição;
IX – manter conduta compatível com a moralidade administrativa;
…
XII – representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.
Parágrafo único. A representação de que trata o inciso XII será encaminhada pela via hierárquica e apreciada pela autoridade superior àquela contra a qual é formulada, assegurando-se ao representando ampla defesa.
Capítulo II
Das Proibições
Art. 117. Ao servidor é proibido: (Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
…
IX – valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;
…
XVIII – exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho;
…
Capítulo IV
Das Responsabilidades
Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.
….
Art. 124. A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função”.
Por tudo quanto já anotado sobre as condutas dos Réus REGINA CÉLIA BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR, resta sobejamente configurado que deixaram de atuar em conformidade com os deveres que lhes eram exigidos, na forma do artigo 116, da Lei 8112/91, que violaram proibições que lhes eram impostas pelo artigo 117, da mesma lei, e, por isso, estando submetidos à responsabilização civil-administrativa do artigo 124.
Todos, indistintamente, mancharam a dignidade da função pública.
Aspecto de importante enfrentamento no caso concreto é o que diz respeito ao sentimento de temor manifestado pelos Réus REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR em relação ao ex-Presidente do Senado e ex-Senador, ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES. Transcrevo algumas passagens a respeito:
REGINA CÉLIA BORGES
“QUE havia, por parte da depoente, um temor em relação ao senador Antônio Carlos, e isso em razão do seu temperamento; (…);QUE a primeira reação do sr. Heitor Ledur fora também de surpresa, demonstrou-se apavorado, mas como o pedido estava vinculado à pessoa do senador Antônio Carlos, demonstrou que não havia outra alternativa; (…);QUE a todo o tempo aquelas pessoas envolvidas se perguntavam o porquê daquela tarefa, já que irregular, sendo que o temor ao presidente do Senado, Senador Antônio Carlos, é que os levava a seguir adiante; QUE aquelas pessoas estavam quase que dominadas pela situação em razão de quem havia solicitado aquela tarefa era o Senador Antônio Carlos, presidente do Senado; QUE o pedido do Senador Arruda não teria o mesmo impacto se não fosse associado à autoridade do Senador Antônio Carlos Magalhães como presidente do Senado; (…);QUE se não houvesse a associação do pedido à figura do senador Antônio Carlos a ordem não seria cumprida; (…); QUE o mesmo pedido feito por outro senador, na qualidade de emissário do senador Antônio Carlos, seria também atendido” – grifei – (fls. 732/736).
IVAR ALVES
“QUE a esposa do depoente apenas comunicou do fato, sendo que a iniciativa de se associar a tal empreitada partira do próprio depoente, em solidariedade à sua esposa, por entender que se tratava de uma missão quase impossível de não ser feita; QUE tal compreensão dos fatos pelo depoente deveu-se à figura do senador Antônio Carlos Magalhães, tanto em razão do seu poder pessoal como por encontrar-se como presidente do Senado, e nisso como guardião dos dados e resultados de votação, impressões estas que imprimiam um certo temor às ordens por ele expedidas; QUE o depoente, no momento em que lhe fora dado o conhecimento da missão que teria que cumprir a sua esposa, tinha conhecimento de que a mesma se tratava de uma conduta irregular; QUE, apesar deste conhecimento quanto à irregularidade da conduta, deu-se prosseguimento à mesma por encontrar-se a esposa do depoente “sem saída”, e isso significando o peso da pessoa do Presidente do Senado naquela ocasião; QUE não fosse o senador Antônio Carlos o Presidente do Senado naquela ocasião haveria uma alternativa de se conversar, se amadurecer o assunto, para não se violar o painel do senado;” – grifei – (fls. 751/2).
HEITOR LEDUR
“QUE, mesmo se tratando de uma irregularidade, o depoente dela não se afastou porque se tratava de uma ordem do Senador Antônio Carlos Magalhães, à época Presidente do Senado; QUE havia um verdadeiro temor à figura do Senador ACM, pois uma ordem daquele Senador o mesmo não aceitava um “não”; QUE, ainda no apartamento do depoente, enquanto lá se encontrava com a Regina e o Ivar, os três tentaram buscar alternativas para não cumprir aquela ordem de alteração do sistema de informática do sistema de votação do painel eletrônico; QUE o depoente, assim como os outros dois, tinham consciência de que se não cumprissem a ordem ‘teriam consequências terríveis’;” – grifei – (fls. 1132/3).
Destacados esses registros, impressiona ver que em pleno Século XXI, com todos os avanços das relações sociais, com um sistema jurídico bem delineado, com as instituições devidamente consolidadas, ainda se cogite em coação irresistível decorrente do temor reverencial nas relações funcionais.
Em tempos atuais nada, absolutamente nada, justifica o temor funcional à figura dessa ou daquela autoridade. A cultura do temor reverencial nas relações funcionais, e que leva à desautorizada e nefasta imposição desmedida de ordens da autoridade em relação a seus subordinados, é uma cultura velha, antiga, arcaica, e sem nenhum contorno de adequação aos moldes de um estado de direito, republicano e democrático, cunhado pela Constituição de 1988.
De lembrar que nem mesmo nas relações privadas há espaço para se legitimar ato ilícito lastreado no temor reverencial. Sobre isso, dispõe o artigo 153, do Código Civil/2002, e que repetiu idêntica disposição do Código Civil de 1916: “Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial”.
É, assim, injustificável, inconcebível, inadmissível que o servidor subalterno tenha que se curvar a ordens grotestas, aí consideradas as ordens ilegais, ilícitas, desproporcionais, e mesmo deseducadas, violentas e abusivas.
O exercício do poder pela autoridade somente se legitima com o respeito, tanto em relação ao conteúdo da ordem, que deve observar padrões rígidos norteados pelos princípios da Administração, como pelo respeito na forma como se conduz a própria ordem, ou seja, o respeito no trato com a pessoa ordenada, o tratamento com urbanidade que se deve dispensar mutuamente.
Autoridades que se impõem pela arrogância e prepotência desvirtuam-se de suas atribuições, deslegitimam suas ordens, agridem o respeito recíproco que deve nortear as boas relações.
Tais ordens indevidas, em realidade, nada mais revelam do que abusos e excessos que encontram no ordenamento jurídico a devida reprimenda administrativa, e mesmo criminal, bastando, para tanto, que se provoquem os meios adequados, como o impulso do Ministério Público.
Somente a autoridade exercida nos limites da legalidade, moralidade e impessoalidade é que se perfaz legítima. Ultrapassadas tais barreiras o que se tem é o excesso de poder, o arbítrio, o abuso e que, conseqüentemente, torna ilegítima a conduta do servidor ordenante. E o servidor ordenado que se submete a tal ordem ilegal, ainda que por temor, resta por atuar em conluio com aquele, incidindo, por sua vez, em idêntica prática ilícita.
Quando a ordem da autoridade afasta-se daqueles princípios o que se tem é uma ordem ilegítima, indevida, e, por isso, apta até mesmo a desautorizar a hierarquia funcional.
O fato é que atualmente já não há mais espaço para o assédio moral, para o medo, a subserviência nas relações funcionais, sendo tal prática até mesmo sujeita à responsabilidade de seu agente. E na época dos fatos, em 2000, já era assim. Ainda mais em um ambiente de trabalhadores com boa formação profissional e intelectual, no gozo da estabilidade funcional, estabilidade esta que não se viola, se rompe pela simples e livre vontade da autoridade superior, como, surpreendentemente se supôs, como a “demissão sumária” mencionada por HEITOR LEDUR a fls. 1133.
As instituições públicas não têm donos, a não ser a própria sociedade, e toda sua prática a ela deve voltar-se. Admitir o temor funcional é permitir que a coisa pública seja indevidamente apropriada, vilipendiada. E o exercício da autoridade funcional e do respeito hierárquico em nada se confundem com o medo imposto por quem se faz autoritário.
O único temor justificável no cenário público deve ser o temor em não se descuidar no cumprimento aos princípios da legalidade, moralidade, honestidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.
A propósito, em tema da imprescindível observância ao postulado republicano, o dos princípios da Administração Pública, notadamente o da moralidade administrativa, valho-me das autorizadas palavras do eminente Ministro Celso de Melo, em recente discurso de posse no Supremo Tribunal Federal, proferidas em 19/4/2012:
“Há a considerar, ainda, Senhor Presidente, no contexto das grandes questões permanentemente submetidas ao exame desta Suprema Corte, matéria de inegável relevo e que se projeta, cada vez com maior intensidade, como um dos tópicos sensíveis da agenda nacional.
Refiro-me ao tema da necessária submissão, por parte de todos os agentes estatais situados na esfera orgânica dos Três Poderes da República, ao princípio da moralidade, que representa valor constitucional impregnado de substrato ético e erigido à condição de vetor fundamental no processo de poder, regendo a atuação de, quaisquer autoridades e servidores da República e deslegitimando, por inválidas, práticas que transgridam os deveres funcionais de probidade e de impessoalidade no desempenho dos cargos público, não importando se posicionados no Judiciário, no Executivo ou no Legislativo.
Por esse motivo, Senhor Presidente, é que se mostra importante afirmar, sempre, que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores honestos e por juízes incorruptíveis, que desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados éticos-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da atividade pública. O direito ao governo honesto – como tem sido sempre proclamado por esta Corte – traduz prerrogativa insuprimível da cidadania.
É por isso, Senhor Presidente, que o Supremo Tribunal Federal tem se mostrado atento e severo na condenação de práticas de poder que ofendam a ética republicana consagrada no texto de nossa própria Constituição.
Na realidade, os princípios da impessoalidade, da igualdade e da moralidade dão substância e conferem significado à idéia republicana que não tolera práticas e costumes marginais tendentes a confundir o espaço público com a dimensão pessoal dos agentes estatais, patrimonializando, de modo ilegítimo, o poder do Estado, para degradá-lo à condição subalterna de instrumento vocacionado a servir, não ao interesse público e ao bem comum, mas, antes, a atuar como um inaceitável meio de satisfazer conveniências pessoais e de concretizar aspirações particulares.
O fato é um só, Senhor Presidente: quem tem poder e força do Estado em suas mãos não tem o direito de exercer, em seu próprio benefício, a autoridade que lhe é conferida pelas leis da República. Esse comportamento, além de refletir um gesto ilegítimo de dominação patrimonial do Estado, desrespeita os postulados republicanos da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa. E esta Suprema Corte, Senhor Presidente, não pode permanecer, como não tem permanecido, indiferente a tão graves transgressões da ordem constitucional”. – grifei.
Daí que toda a tese de coação e obediência hierárquica balizada no temor reverencial e alegada pelos Réus REGINA CÉLIA, IVAR ALVES e HEITOR LEDUR, em relação ao então Senador ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, nada mais revelam do que submissão consentida e para a qual não há espaço em se descaracterizar como ímprobos atos que, por sua ilicitude, se afeiçoam àquela natureza.
E, por tudo quanto ora descrito, resta demasiadamente comprovado nos autos que os Réus REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR, praticaram ato visando fim proibido em lei, e, o que é ainda mais grave, resguardado na Constituição Federal, em seu artigo 55, § 2º. Cada um a seu modo, isolada ou conjuntamente, foi responsável pela quebra do sigilo da votação do Painel do Senado na sessão de cassação do ex-Senador LUIZ ESTEVÃO, restando por violar os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade institucionais, com ações de articulação dos envolvidos, praticando condutas operacionais no sistema de votação, e viabilizando o acesso e conhecimento das informações obtidas.
No ambiente criminal, a conduta dos Réus, pela associação de condutas comissivas e omissivas, resultaria até mesmo no reconhecimento do crime de quadrilha ou bando.
O caso retratado nos autos foi de profunda gravidade, posto que, a um só tempo, num conjunto de condutas comissivas e omissivas, foram transgredidos princípios constitucionais e legais que regem a relação do agente público com a Administração, afastando-se aqueles Réus, em conseqüência, dos deveres funcionais que lhes caberiam observar, como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, honestidade, imparcialidade e lealdade.
A violação à legalidade caracterizou-se em relação a todos os referidos Réus, na medida em que, escancaradamente, subtraiu-se o segredo do voto na sessão de 28/6/2000, quando a lei maior, por seu artigo 55, § 2º, exigia o sigilo.
A impessoalidade foi desprezada pelos referidos Réus, a partir do momento em que voltaram suas ações à condução da prática de ato ilícito delimitada a certa e específica “ordem” dada para o atendimento de interesse pessoal de dois Senadores, e absolutamente distante de qualquer interesse público.
A moralidade restou abalada pois os Réus REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR afastaram-se do comportamento que lhes era funcionalmente exigido no que toca a mínimos padrões de honestidade, ou seja, a padrões de comportamento aceitáveis quanto à finalidade para a qual foram aqueles Réus investidos em cargos públicos.
O princípio da publicidade esvaziou-se com o próprio comportamento inverso que se exigia no caso, isto é, em sua dimensão de não se divulgar, de não se tornar público, de não se dar a conhecer a manifestação de voto.
A eficiência se fez destratada com o desvirtuamento que se deu ao sistema de votação eletrônica, concebido, naquela sessão, para ser sigiloso, mas que se findou por se tornar público com a ação dos Réus.
Quanto aos deveres legais, a imparcialidade deixou de existir a partir do momento em que se buscou atender à vontade de uns em detrimento dos outros, isto é, a vontade em se violar o segredo da votação, sem respeitar o desejo do voto em segredo dos demais Senadores, ao tempo em que a lealdade às instituições foi esquecida desde quando se anuiu em transgredir as regras de funcionamento do Senado Federal, de exigência comum e indistinta a todos que a ela se vinculavam.
Ressalto que, não obstante a manifesta configuração de dolo na conduta dos Réus JOSÉ ROBERTO ARRUDA, REGINA CELIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR, pela vontade livre e consciente de agirem contrariando deveres e proibições que lhes eram exigidos observar, a jurisprudência já sedimentou entendimento no sentido de nem mesmo ser necessária a presença do dolo específico em casos de improbidade administrativa por violação aos princípios da Administração Pública.
Neste sentido, a posição do Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR SEM CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA DE CONHECIMENTO PALMAR. EXTENSÃO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AOS CONTRATADOS.
1. “A jurisprudência do STJ dispensa o dolo específico para a configuração de improbidade por atentado aos princípios administrativos (art. 11 da Lei 8.429/1992), considerando bastante o dolo genérico (EREsp. 654.721/MT, Rel. Ministra Eliana Calmon,Primeira Seção, julgado em 25.8.2010, DJe 1.9.2010).” (AgRg no Ag 1331116/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 01/03/2011, DJe 16/03/2011).
(…)
Agravo regimental improvido”. – grifei (STJ, AgRg no AREsp 149558/SP, 2012/0028978-8, Relator Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julg. 17/05/2012, publicação DJe 25/05/2012).
SEBASTIÃO GAZOLLA COSTA JUNIOR
Em seu depoimento em juízo, SEBASTIÃO GAZOLLA COSTA JUNIOR disse (fls. 1135/7):
“QUE, em junho/2000, à época dos fatos, o depoente trabalhava com desenvolvimento de softwares e que prestava serviços a uma empresa, PANAVIDEO, e que tinha contrato na área de informática com o Senado; QUE, à época dos fatos, quem contatou o depoente foi o Hermilo Nóbrega, funcionário do Senado; QUE conhecia o Hermilo desde o ano anterior, pois o depoente trabalhava especificamente com relação ao software do painel do Senado; QUE, na noite de 27 para 28/6/2000, o depoente foi procurado, por telefone, pelo Hermilo, necessitando dos serviços do depoente e para atender a uma situação emergencial; QUE, em razão da urgência manifestada pelo Hermilo, o depoente se deslocou até o PRODASEN, já na madrugada do dia 28/6/2000, e lá se encontrou com o Hermilo e com uma outra pessoa, que hoje vem a saber tratar-se do Ivar, à época, diretor da fábrica de software do PRODASEN; QUE nesse momento do encontro com o Hermilo, o Ivar disse ao depoente “que precisava ter a gravação dos votos secretos”, em razão da instabilidade do sistema; QUE o depoente não se surpreendeu com o pedido do Ivar, pois o sistema de informática do painel eletrônico do Senado já apresentava instabilidade desde o ano passado, tendo o depoente sido chamado desde aquela época para resolver o problema; QUE o depoente também não se surpreendeu com o pedido pois presta serviços a outras instituições e também já havia trabalhado com a gravação/armazenamento de dados sigilosos; QUE o Ivar e o Hermilo aparentavam alguma tensão naquele momento em que o depoente os encontrou, acreditando o depoente que aquele nervosismo pudesse estar associado ao pouco tempo que tinham para executar aquele serviço; QUE o depoente juntamente com o Ivar se deslocaram até uma sala na fábrica de software e lá iniciaram os procedimentos de análise do “código fonte” e que daria acesso à alteração pretendida; QUE o depoente, ao chegar naquela sala, já encontrou o computador preparado e aberto no programa de votação eletrônico do painel do Senado; QUE o depoente acredita que nem o Ivar e nem o Hermilo teriam condições de alterar o programa; QUE o depoente conhecia o software do sistema de votação eletrônica do painel; QUE, até então, o depoente não conhecia a Regina e nem o Ivar, conhecendo o Heitor Ledur, pois quando o depoente prestava serviços no Senado o fazia na sala em que ficava o Ledur, e que era a sala da Máquina (CPU) que continha o software; QUE na manhã seguinte, bem cedo, o depoente se dirigiu ao Senado, lá se encontrando com o Ivar, e se deslocaram até a sala onde estava a CPU na qual ia ser feita a alteração do software da votação; QUE a alteração procedida pelo depoente demorou de dez a quinze minutos; QUE o Ivar, após a alteração, realizou um teste no sistema e confirmou que estava tudo ok; QUE, a partir daí, o depoente foi liberado; QUE o depoente, ao proceder a alteração do software, entendeu que a mesma se realizava por uma questão de segurança, até porque foi esse o argumento utilizado pelo Ivar; QUE, todavia, pelos conhecimentos técnicos que tem o depoente compreendeu que aquelas alterações implicaram o aumento do risco na manutenção daqueles dados sigilosos, pois uma vez produzidos teriam ser guardados, sendo que esta etapa, de produção daqueles dados, até então não existia; QUE, quando o caso começou a ser divulgado na imprensa, o depoente o associou àquele trabalho que tinha feito, inclusive levando a pensar “deixaram vazar as informações”; QUE, naquela mesma época, o Ivar o procurou, por telefone, muito nervoso, precisando falar com o depoente; QUE o Ivar, neste momento, acabou por se encontrar pessoalmente com o depoente, ocasião em que aquele se encontrava muito nervoso, e, levando-o até onde se encontrava a Regina, pediu-lhe reserva sobre aquele assunto se fosse procurado pela imprensa; QUE, do ponto de vista do depoente, a segurança do software do painel do Senado era considerado seguro; QUE, considerando-se outros componentes da situação na qual se encontrava instalada aquele software e a necessidade de se vencer diversas barreiras físicas e restritas para acessar a máquina em que instalada aquele software, o depoente considerava o sistema seguro; QUE, para o depoente, foi uma surpresa saber que o mesmo software estava disponível em uma outra máquina lá na fábrica de software.” Dada a palavra à ilustre Procuradora da República, respondeu: “QUE o nervosismo/tensão do depoente, do Ivar e do Ledur, na sala onde se encontrava a CPU com o software da votação do painel, o depoente atribui à própria tensão do serviço, pois haveria uma votação importante naquela tarde e precisariam executar aquele serviço. (…)” – grifei – (fls. 1135/1137).
Do quanto ora se registra, não ressai configurado tenha o Réu SEBASTIÃO GAZZOLA COSTA JUNIOR conduzido-se com o mesmo conhecimento de causa a que se viram movidos os Réus JOSÉ ROBERTO ARRUDA, REGINA CÉLIA, IVAR ALVES e HEITOR LEDUR, na medida em que não sabia a real intenção daquela operação a que fora chamado. Aliás, mais do que não saber, nem mesmo lhe era dado conhecer a respeito, pois sendo um prestador de serviço, sem relação funcional com os demais Réus, mas sim mantendo vínculo contratual com o Senado, cabia-lhe cumprir ordens e executá-las, sem qualquer margem de indagação quanto aos objetivos pretendidos, até porque isso se caracterizaria como manifesta intromissão.
Neste contexto, faz-se relevante destacar as palavras da Ré REGINA CÉLIA PERES BORGES, em seu depoimento em juízo, ao afirmar que o fato levado ao conhecimento do SEBASTIAO GAZOLLA fora quanto à necessidade de se proceder a uma operação de segurança do sistema. Veja-se, a respeito:
“QUE o Gazola, pessoa estranha ao funcionamento da máquina administrativa, tão logo lhe fora passado o procedimento que deveria adotar se prontificou a fazê-lo; (FLS. 735) (…)QUE disse ao sr. Gazola que aquela operação se tratava de uma operação de segurança do sistema para não expor o que estava ocorrendo naquele momento e que poderia comprometer a imagem do PRODASEN” – grifei – (fls. 736).
Ora, não há como admitir-se possa um funcionário terceirizado se sentir envolvido em um ambiente de irregularidades quando recebe ordem para execução de um serviço emanada de um agente competente para fazê-lo, e sendo essa ordem estritamente vinculada às suas atribuições contratuais.
Isso considerado, não emerge dos autos prova suficiente a demonstrar que o Réu SEBASTIÃO GAZOLLA tenha agido em conluio com os demais Réus para a prática de ato ilícito. O ato por ele praticado fora lícito, na medida em que chamado a fazê-lo por autoridade competente, nos estritos limites de suas atribuições contratuais, nisso considerando-se que, mesmo tendo o Ivar lhe dito “que precisava ter a gravação dos votos secretos”, justificou tal necessidade “em razão da instabilidade do sistema” até porque “o depoente não se surpreendeu com o pedido do Ivar, pois o sistema de informática do painel eletrônico do Senado já apresentava instabilidade desde o ano passado, tendo o depoente sido chamado desde aquela época para resolver o problema” e que também “não se surpreendeu com o pedido pois presta serviços a outras instituições e também já havia trabalhado com a gravação/armazenamento de dados sigilosos.
Assim, pelo seu próprio distanciamento com as atividades funcionais do Senado, não era dado ao Réu SEBASTIÃO GAZOLLA supor estivesse em uma situação de irregularidade quanto ao serviço executado, não cabendo, por isso, ser responsabilizado pelos atos ilícitos objeto desta ação.
RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO
Sob este aspecto está o Ministério Público a pugnar pela reparação do dano material suportado pelo Senado Federal por ter despendido recursos para a apuração das irregularidades cometidas na votação de 20/6/2000, e da realização de perícia para verificar a vulnerabilidade do funcionamento do Painel do Senado.
Quanto aos referidos gastos com a investigação da ilicitude, impõe-se admitir que resultaram em benefício do próprio Senado e mesmo para a sociedade. Toda a investigação procedida e o próprio trabalho pericial realizado pela Unicamp concluiu que o sistema de votação eletrônica do Senado era vulnerável, “não oferecendo condições satisfatórias de segurança para o desempenho de suas funções”, tendo sido detectados dezoito pontos de fragilidade do sistema, conforme anotado a fls. 29.
Tais constatações técnicas resultaram na modificação, aperfeiçoamento e melhoria do sistema de votação eletrônica do Senado, inclusive quanto aos aspectos de segurança e confiabilidade, tudo a traduzir, como no dito popular, “um mal que veio para o bem”.
Daí que, embora tenha havido gastos com a investigação da ilicitude, não se pode concluir que os mesmos resultaram em prejuízo ao Erário, mas, ao contrário, tais gastos reverteram em benefício do Senado, do sistema político, e, em conseqüência, da própria sociedade. Até mesmo pode-se admitir que todo o lamentável episódio de violação do Painel do Senado ainda foi benéfico para se antecipar soluções tecnológicas de serviços de informática, e cujas fragilidades, existentes à época, tiveram seu prolongamento obstado no tempo, o que, se não ocorresse, poderia ensejar violações outras, quiçá ainda mais graves.
E mesmo que se considere ter havido outras despesas com todo o trabalho de investigação, isso não justifica o ressarcimento pretendido. Os procedimentos administrativo-disciplinares observados em tais casos inserem-se na natural e regular atuação da Administração, sendo tais custos ínsitos e inafastáveis da própria atividade estatal.
Por isso, e com a devida venia, sob este aspecto do ressarcimento integral do dano apresenta-se infundado o pedido.
Pelo exposto:
1 – JULGO EXTINTO O PROCESSO, SEM MÉRITO, com relação a HERMILO GOMES DA NÓBREGA, com amparo no artigo 267, IV, do CPC, devido a ocorrência de fato superveniente, de seu falecimento (fls. 1375 e 1378-v.);
2 – JULGO PROCEDENTE O PEDIDO com relação a JOSÉ ROBERTO ARRUDA, REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR, por atos de improbidade administrativa, com fundamento no artigo 11, “caput”, e incisos I, II, da Lei 8.429/92, por terem violado os princípios da Administração Pública, insertos no artigo 37, “caput” da Constituição Federal, bem como os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, praticando atos comissivos e omissivos que resultaram na quebra do sigilo constitucional da votação eletrônica do Senado Federal, alcançando fim proibido em lei e deixando de praticar atos de ofício relacionados à preservação da lisura da votação;
3 – JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO de condenação dos Réus JOSÉ ROBERTO ARRUDA, REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR ao ressarcimento integral do dano, pela descaracterização de sua existência no âmbito material;
4 – JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS com relação a SEBASTIÃO GAZOLLA COSTA JUNIOR.
Em face da condenação dos Réus por improbidade administrativa, passo a definir as penas que devem suportar.
Do ponto de vista comum, os atos de improbidade administrativa praticados pelos Réus JOSÉ ROBERTO ARRUDA, REGINA CÉLIA BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR são de extrema gravidade, sendo até mesmo impensável se imaginar, afora o âmbito criminal, atos de outros agentes públicos que possam, ao menos, assemelhar-se ao ilícito administrativo-funcional em foco.
A um só tempo foram violados os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência, lealdade às instituições e honestidade, além de terem os Réus atuado em conluio e ardilosamente.
Alguns aspectos bem caracterizam a gravidade extremada do ilícito, como as condições funcionais dos Réus – servidores graduados do Senado –, o cenário em que se verificou o grave fato – nas dependências internas do Senado Federal – o modo como procederam à violação do painel – envolvendo terceiras pessoas e com ações na calada da noite, após o expediente regular de trabalho – as cautelas adotadas para não deixarem vestígios, e as reiteradas negativas em terem se conduzido de modo indevido.
As penas aplicadas ao caso concreto devem, assim, considerar a intensidade do dano causado ao Senado Federal e às demais instituições públicas, pelo singular sentimento de descrédito, desconfiança e desmoralização do sistema político nacional, além da indignação pública que o episódio marcou na história do país.
E, individualizadamente, é relevante considerar que JOSÉ ROBERTO ARRUDA foi quem desencadeou toda a irregularidade, dando início à concretização da violação ao sigilo, ao convocar servidor subordinado para execução da prática de ato ilícito. Poderia ter agido de modo diverso já desde o primeiro momento. Era, à época dos fatos, membro de Poder da União, Senador da República, líder do governo no Senado, detentor de destacado poder institucional, e, por isso, um parlamentar com relevantes responsabilidades com o país e a sociedade, e valeu-se dessa sua condição para exigir conduta ilícita da Ré REGINA CÉLIA PERES BORGES.
A alta reprovação institucional e social de sua irregular conduta evidenciou-se à época dos fatos, tanto que o ilícito praticado levou a instauração de processo de cassação de mandato parlamentar, com grande repercussão na sociedade, e que desencadeou na sua renúncia.
Por suas ações CONDENO JOSÉ ROBERTO ARRUDA às seguintes penas do artigo 12, III, da Lei 8.429/92, cumulativamente, e em seu grau máximo:
a – suspensão dos direitos políticos por 05 anos;
b – ao pagamento de multa correspondente a 100 vezes o valor de sua remuneração integral como Senador, informada em seu contracheque de junho de 2000, devidamente atualizada até a data do efetivo cumprimento à presente condenação;
c – à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
Com relação a REGINA CÉLIA BORGES, à época dos fatos era Diretora do PRODASEN, detentora de relevantes atribuições funcionais em área estratégica do funcionamento do Senado. Teve a oportunidade de não atender à solicitação de JOSÉ ROBERTO ARRUDA, rompendo, a qualquer momento, a cadeia de atos ilícitos. Para tanto, poderia valer-se, da exigüidade do tempo, do fato de que sua área de trabalho não se vinculava às operações do Painel do Senado, de que teria que envolver terceiros, da impossibilidade técnica da operação. Não obstante, restou por inclinar-se com determinação ao atendimento da flagrantemente indevida e reconhecida “ordem” de violação ao sigilo da votação, somando esforços com terceiros para a prática do ilícito, comprometendo-os. Realizou ações tarde da noite, em horário inabitual do expediente, para exclusivo atendimento a interesse pessoal, na medida em que o ato praticado não tinha qualquer objetivo voltado ao interesse público, inclusive, para isso, tendo que se afastar de suas atribuições e deveres funcionais. Teve papel imprescindível para o alcance do resultado ilícito e a oportunidade de agir de modo diverso, o que não fez.
Pelas ações e omissões CONDENO REGINA CÉLIA PERES BORGES às seguintes penas do artigo 12, III, da Lei 8.429/92, cumulativamente, e em seu grau máximo:
a – suspensão dos direitos políticos por 05 anos;
b – ao pagamento de multa correspondente a 100 vezes o valor de sua remuneração integral como servidora do Senado, informada em sua ficha financeira de junho de 2000, devidamente atualizada até a data do efetivo cumprimento à presente condenação;
c – à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
Quanto à pena de perda da função pública, a mesma não cabe observar-se no caso concreto, por encontrar-se REGINA CÉLIA PERES BORGES aposentada desde 2002 (fls. 732). Nem mesmo cabe cogitar-se, neste processo, na cassação de sua aposentadoria, por ser instituto jurídico-administrativo diverso da perda da função pública, tratando-se, portanto, de repercussão distinta daquela admitida pelo artigo 12, III, da Lei 8.429/92.
Neste sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ao qual me filio:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA. MEDIDA QUE EXTRAPOLA O TÍTULO EXECUTIVO. DESCABIDO EFEITO RETROATIVO DA SANÇÃO DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA.
1. Cuidam os autos de execução de sentença que condenou o ora recorrente pela prática de improbidade administrativa, especificamente por ter participado, na qualidade de servidor público municipal, de licitações irregulares realizadas em 1994. Foram-lhe cominadas as seguintes sanções: perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, proibição temporária de contratar com o Poder Público e multa.
2. O Juízo da execução determinou a cassação da aposentadoria, ao fundamento de que se trata de conseqüência da perda da função pública municipal. O Tribunal de Justiça, por maioria, manteve a decisão.
3. O direito à aposentadoria submete-se aos requisitos próprios do regime jurídico contributivo, e sua extinção não é decorrência lógica da perda da função pública posteriormente decretada.
4. A cassação do referido benefício previdenciário não consta no título executivo nem constitui sanção prevista na Lei 8.429/1992. Ademais, é incontroverso nos autos o fato de que a aposentadoria ocorreu após a conduta ímproba, porém antes do ajuizamento da Ação Civil Pública.
5. A sentença que determina a perda da função pública é condenatória e com efeitos ex nunc, não podendo produzir efeitos retroativos ao decisum, tampouco ao ajuizamento da ação que acarretou a sanção. A propósito, nos termos do art. 20 da Lei 8.429/1992, “a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória”.
6. Forçosa é a conclusão de que, in casu, a cassação da aposentadoria ultrapassa os limites do título executivo, sem prejuízo de seu eventual cabimento como penalidade administrativa disciplinar, com base no estatuto funcional ao qual estiver submetido o recorrente.
7. Recurso Especial provido” – grifei – (STJ, REsp 1186123/SP, 2010/0052911-8, Relator Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, ,ulg. 02/12/2010, publ. DJe 04/02/11).
O que cabe considerar-se, na hipótese, como conseqüência da presente condenação por improbidade administrativa, é a cassação da aposentadoria com base no artigo 132, IV c/c o artigo 134, da Lei 8112/91 e que dispõem, respectivamente:
“Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
…
IV – improbidade administrativa;”
“Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão”.
E a competência para tal ato é do Presidente do Senado Federal, consoante disposto no artigo 141, I, da Lei 8112/91.
Quanto a IVAR ALVES FERREIRA, tratava-se de funcionário graduado do Senado Federal, conhecedor de assuntos específicos ao regular funcionamento dos trabalhos daquela instituição. Assim como a servidora REGINA CELIA BORGES poderia ter evitado ou interrompido a seqüência de atos que levaram à violação do sigilo do Painel do Senado. Teve importante participação no resultado alcançado pelo ilícito praticado pois “após o contato com o Nóbrega, o depoente fora quem também manteve os contatos e providências necessários”, e “por volta de uma hora da manhã o Gazola comunicou ao depoente e ao Nóbrega que já estava tudo certo para se realizar a operação naquele mesmo dia, pela manhã…” (fls. 753). E, também, “por volta das 18 horas o depoente foi ao equipamento e gravou num disquete as informações necessárias…” e, indo para sua sala, “chamando Regina, ali mesmo imprimiram o documento em apenas uma via”(fls. 754). Assim, preocupou-me mais em somar esforços para alcançar o resultado ilícito do que para evitá-lo, providência, aliás, desconhecida em suas condutas.
Mesmo tendo “conhecimento quanto à irregularidade da conduta” (fls. 752), motivou-se a não evitá-la por ser marido de REGINA CÉLIA BORGES, o que bem denota ter sido movido apenas por interesse pessoal, sem sopesar o interesse público.
Isso considerado, CONDENO IVAR ALVES FERREIRA às seguintes penas do artigo 12, III, da Lei 8.429/92, cumulativamente e em seu grau máximo:
a – perda do cargo de servidor do Senado Federal, nisso considerando-se não haver nos autos informação quanto à sua atual situação funcional, se servidor ativo ou aposentado, neste último caso, se verificado, devendo observar-se os mesmos fundamentos jurídicos atinentes à Ré REGINA CÉLIA BORGES;
b – suspensão dos direitos políticos por 05 anos;
c – ao pagamento de multa correspondente a 100 vezes o valor de sua remuneração integral como servidor do Senado, à época dos fatos, em junho de 2000, informada em sua ficha financeira, e que deverá ser devidamente atualizada até a data do efetivo cumprimento à presente condenação;
d – à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
No que diz respeito a HEITOR LEDUR, sua condição de servidor do Senado e que se dispôs a contribuir com a violação do sigilo do Painel do Senado, sem refutar a possibilidade de auxiliar os demais Réus, também é fator preponderante a caracterizar a gravidade de sua conduta, ainda mais quando, em um primeiro momento, refutou a possibilidade daquela violação, pois “tal providência seria impossível pois o sistema não permite que ninguém veja o resultado nos casos de votação secreta” (fls. 1131). Porém, em seguida, aquiesceu com a prática do ilícito, inclusive “naquele dia tendo sido utilizada a senha do depoente” (fls. 1132) para acessar o computador em que se encontrava instalado o programa para sigilo da votação, programa este que restou, então, modificado com sua intervenção direta.
E essa participação de HEITOR LEDUR na violação ao sigilo do Painel do Senado, poderia até mesmo ser evitada pelo referido Réu pois “caso se negasse a autorizar a entrada na sala da máquina (CPU), teriam entrado de qualquer jeito” (fls. 1133). Ou seja, HEITOR LEDUR teve a chance de se afastar da prática daquele ilícito, mas assim não o fez.
De todo modo, essa circunstância de não ser imprescindível a participação de HEITOR LEDUR para se alcançar o desiderato da violação ao sigilo é motivo a autorizar alguma mitigação da pena máxima aplicada aos outros três Réus, pois sua resistência, acaso houvesse, mesmo assim não impediria fosse cometido aquele ilícito.
Por isso, CONDENO HEITOR LEDUR às seguintes penas do artigo 12, III, da Lei 8.429/92, cumulativamente e em seu grau máximo:
a – suspensão dos direitos políticos por 05 anos;
b – ao pagamento de multa correspondente a 80 vezes o valor de sua remuneração integral como servidor do Senado, à época dos fatos, em junho de 2000, informada em sua ficha financeira, e que deverá ser devidamente atualizada até a data do efetivo cumprimento à presente condenação;
c – à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
Para atualização monetária das remunerações dos Réus, recebidas em junho de 2000, e tidas como referenciais para aplicação da sanção de multa, deverão ser considerados o INPC/IBGE até dezembro de 2000, de acordo com o artigo 8º, § 2º, da MP 1138/95, e, o IPCA-E de janeiro de 2001 em diante, de acordo com a Resolução de 04/02/2001, do TRF/1ª Região.
De modo a resguardar o cumprimento da sanção de multa imposta aos Réus, e com amparo no artigo 20, da Lei 8.429/92, c/c os artigos 798 e 799, do CPC, DECRETO A INDISPONIBILIDADE DOS BENS dos Réus JOSÉ ROBERTO ARRUDA, REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR.
Incabível a condenação em honorários de advogado em favor do Ministério Público Federal, de acordo com o art. 128, § 5º, II, “a”, da Constituição Federal.
Condeno os Réus ao pagamento de custas processuais.
Oficie-se, desde logo (Lei 8.429/92, art. 20),
– ao Ministério do Planejamento para fins de proibição de contratação com o Poder Público por JOSÉ ROBERTO ARRUDA, REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR;
– ao Ministério da Fazenda para fins de proibição de os Réus JOSÉ ROBERTO ARRUDA, REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR receberem benefícios ou incentivos fiscais ou creditórios
– à Secretaria da Receita Federal para encaminhar a declaração de bens dos Réus JOSÉ ROBERTO ARRUDA, REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR;
Oficie-se, após o trânsito em julgado desta sentença:
– ao Presidente do Senado Federal, com base no artigo 141, I, da Lei 8112/91, dando conhecimento da presente sentença e para instauração de processo administrativo para fins do disposto no artigo 134, c/c o artigo 132, IV, da Lei 8112/91 com relação a REGINA CÉLIA PERES BORGES e IVAR ALVES FERREIRA;
– ao Tribunal Superior Eleitoral para fins de registros quanto à suspensão de direitos políticos, por 05 anos, de JOSÉ ROBERTO ARRUDA, REGINA CÉLIA PERES BORGES, IVAR ALVES FERREIRA e HEITOR LEDUR;
– ao Conselho Nacional de Justiça, para registro da condenação em seu banco de dados, consoante Resolução/CNJ nº 44, de 20/11/2007.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oficiem-se.
Brasília, 10 de agosto de 2012.
ALEXANDRE VIDIGAL DE OLIVEIRA
Juiz Federal da 20ª Vara/DF