Mário Coelho
Depois de ser considerada aplicável nas eleições de outubro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), agora é a vez da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) passar pelo crivo da mais alta corte de Justiça do país. Dois candidatos barrados com base nas novas regras de inelegibilidade entraram, na última segunda-feira (6), com reclamações no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando o uso da norma no pleito de 2010. Ao julgar os dois recursos, o STF vai colocar um ponto final na discussão se a Ficha Limpa é ou não constitucional.
Os casos, de acordo com o Supremo, ainda não foram distribuídos para os ministros da corte, responsáveis por cuidar da aplicação correta da Constituição Federal de 1988. Porém, já que trata de uma lei que pode alterar o resultado de eleições, existe a expectativa que a análise de casos concretos questionando a ficha limpa possam ocorrer antes de 3 de outubro. Contando com esta quarta-feira, faltam 26 dias para o brasileiro ir às urnas e escolher o novo presidente da República, governadores, senadores, deputados estaduais, distritais (no caso do Distrito Federal) e federais.
Entraram com reclamações no Supremo Joaquim Roriz (PSC), ex-governador do DF e candidato ao quinto mandato à frente do Executivo local, e Francisco das Chagas Rodrigues Alves (PSB), candidato a deputado estadual no Ceará. A história de ambos é similar. Os dois foram barrados pelas cortes eleitorais locais com base nas novas regras de inelegibilidade. Depois, ambos recorreram das decisões dos TREs no TSE. E ambos foram derrotados no Tribunal Superior Eleitoral. Agora, questionam no STF a aplicabilidade da lei para 2010.
As duas reclamações são assinadas pelos mesmos advogados. Alberto Pavie Ribeiro, Pedro Gordilho e Emiliano Alves Aguiar usaram as peças jurídicas para atacar, especialmente, o princípio da anualidade, previsto no artigo 16 da Constituição Federal. O recurso no nome de Joaquim Roriz é dedicado fundamentalmente à tentativa de desmontar o entendimento do TSE, na análise de duas consultas e de quatro casos concretos, de que a Lei da Ficha Limpa não muda o processo eleitoral e, portanto, pode ser aplicada para outubro.
Em 31 de agosto, os ministros do TSE decidiram por seis votos a um que Roriz não pode se candidatar ao governo por ter renunciado ao mandato de senador, em 2007, para escapar de um processo por quebra de decoro parlamentar. Enquanto não houver decisão final – trânsito em julgado -, a legislação eleitoral permite que ele continue sua campanha normalmente.
A representação do Psol à Mesa Diretora do Senado, em 2007, referia-se aos fatos investigados pela Operação Aquarela, da Polícia Civil do DF, que obteve gravações de ligações telefônicas em que Roriz aparecia discutindo a partilha de um cheque de R$ 2 milhões do empresário Nenê Constatino, dono da empresa Gol Linhas Aéreas. Na defesa, o então senador afirmou que a conversa era para fechar a compra de uma bezerra.
A ação de Roriz usa como base para questionar o uso da ficha limpa neste ano cinco decisões do Supremo que, em algum momento, trataram do princípio da anualidade. O artigo 16 da Carta Magna diz que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. Entre os casos citados pelos advogados de Roriz, estão a emenda constitucional que aumentou o número de vereadores nas Câmaras Municipais, e as leis que proibiram a divulgação de pesquisas eleitorais 15 dias antes do pleito e que determinaram o fim da verticalização.
Além disso, também é usada como base para contestar a aplicação da Lei da Ficha Limpa o julgamento de um recurso contra a Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/90) em maio de 1990 pelo Supremo. Na época, por maioria – seis votos a cinco –, os ministros entenderam que a norma deveria ser aplicada sem a necessidade de atender ao princípio do artigo 16 da Constituição. A Ficha Limpa atualizou e endureceu a 64/90.
“Ao final, restando demonstrado que a decisão do TSE proferida no RO 161660 desafiou a autoridade dos fundamentos e dos motivos determinantes das decisões proferidas nas ADI´s 354, 3685, 3741, 4307 e 3345, cuja eficácia e efeito vinculante devem ser observados por todos os órgãos da Justiça Eleitoral”, afirmaram os advogados. Eles pedem que o registro de candidatura de Roriz ao governo local seja aceito. Caso não, que, ao menos, o TSE julgue novamente o caso, sem poder aplicar a Lei da Ficha Limpa.
Em momento algum da reclamação, os advogados de Roriz tratam da questão da renúncia. No julgamento do TSE, o argumento mais usado pela defesa era que ele não poderia ser considerado inelegível por ter renunciado ao cargo três anos antes da ficha limpa existir. Para eles, abandonar o mandato para evitar a cassação foi o último passado do “ato jurídico perfeito”.
Compra de votos
O caso de Francisco das Chagas, conhecido como Neném de Itapipoca, difere do de Roriz na origem. Enquanto o ex-governador do DF foi barrado por conta da renúncia ao cargo de senador, o candidato a deputado estadual foi condenado, com decisão transitada em julgado, por compra de votos. A condenação ocorreu em 2004, e a possibilidade de recursos se esgotou dois anos depois.
Em 25 de agosto, os ministros do TSE concluíram o julgamento de Francisco das Chagas, que foi interrompido duas vezes por pedidos de vista. Com a análise do caso específico, a corte firmou o entendimento de que a Lei da Ficha Limpa vale para outubro e que atinge condenações ocorridas antes da sanção da nova lei, em 4 de junho. A demora no julgamento é um dos argumentos da defesa, que diz que “está havendo, no caso, uma exploração indevida de adversários políticos sobre o fato de a Justiça Eleitoral ter recusado o registro”.
A defesa do candidato do PSB é dividida em duas partes. A primeira trata de um recurso extraordinário apresentado ao TSE e até hoje não apreciado pelo presidente da corte, ministro Ricardo Lewandowski. A segunda é uma cópia dos argumentos apresentados na reclamação de Joaquim Roriz. Os advogados reforçam que aplicar a Ficha Limpa nas eleições de outubro é irregular, ao ir de encontro ao artigo 16 da Constituição.
No entanto, os advogados fazem uma série de críticas ao TSE. Em especial, ao presidente da corte, Ricardo Lewandowski. A defesa de Francisco das Chagas entende que o ministro já deveria ter analisado o recurso extraordinário apresentado logo após o julgamento da ação de impugnação de registro de candidatura. Ao apresentar esse tipo de recurso, os advogados querem que o caso seja analisado pelo Supremo.
Porém, para haver a mudança de corte, o recurso precisa primeiro ser admitido por Lewandowski. Se ele considerar que não há embasamento para o recurso ser enviado ao Supremo, o caso termina no próprio TSE. “Resta demonstrada, pois, que a sucessão de fatos ocorridos nos presentes autos está impedindo que ele chegue ao STF para que essa Corte Constitucional possa apreciar as várias questões de natureza eminentemente constitucionais deduzidas”, dizem os advogados.
Recursos
Os casos de Roriz e de Francisco das Chagas são os primeiros a chegar no STF questionando a Lei da Ficha Limpa. No entanto, a corte suprema ainda possui uma série de recursos solicitando a anulação ou suspensão de decisões que resultaram no indeferimento de registros de candidatura com base nas novas regras de inelegibilidade. É o caso, por exemplo, do candidato a deputado federal Carlos Alberto Pereira (PDT), que foi barrado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG).
O pedetista foi condenado pela Justiça de Lavras por improbidade administrativa a pedido do Ministério Público estadual, devido à “publicação de matérias jornalísticas pagas pelo poder público”, quando prefeito de Lavras (MG). Ele recorreu ao TJ-MG, que manteve a condenação. Logo em seguida interpôs recursos para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e para o STF na tentativa de suspender a execução da sentença.
No STJ, conseguiu uma decisão provisória que afasta “a suposta inelegibilidade decorrente da LC 135 (Lei da Ficha Limpa)”. No STF, o empresário argumenta que está em “pleno gozo de seus direitos políticos” e salienta a urgência do pedido para que se julgue a cautelar no Supremo, antes que o TSE aprecie o recurso originário lá interposto contra o indeferimento do registro de candidatura.
Outro que entrou no Supremo foi Francisco Edilmo Costa (PR). Candidato a deputado estadual no Ceará, ele contesta decisão do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará (TCM-CE). De acordo com a ação, o TCM-CE rejeitou a prestação de contas relativas ao período que Francisco Edilmo exerceu o poder executivo municipal de 2001 a 2004. Por conta disso, o TRE local barrou a candidatura dele à Assembleia Legislativa. Este é o mesmo caso do candidato a deputado estadual Cirilo Antonio Pimenta Lima (PSDB), que também entrou com recurso no Supremo.
Também está nas mãos dos ministros do Supremo o recurso apresentado por Sueli Alves Aragão (PMDB), candidata a deputada estadual que foi barrada pelo TRE de Rondônia. Ela foi condenada por improbidade administrativa e com isso perdeu seus direitos políticos por cinco anos. Ela argumenta que a corte não poderia ter negado seu registro já que sua condenação não transitou em julgado ainda.
Diante da condição de inelegível, o TRE-RO rejeitou seu registro de candidatura com base na chamada Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010). Contra essa rejeição, a política ajuizou no STF uma Reclamação (Rcl 10501), com pedido de liminar, alegando ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, uma vez que não houve trânsito em julgado de sua sentença condenatória.
Sueli Aragão pretende disputar uma vaga de deputado estadual e alega na reclamação que a decisão da Justiça Eleitoral de Rondônia afronta entendimento firmado pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 144. Ao julgar essa ADPF, em agosto de 2008, o Supremo decidiu que a Justiça eleitoral não pode negar registro de candidatos que pretendem concorrer a cargos eletivos, sem que tenham condenação com trânsito em julgado.
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