Amilcar Faria*
Fim algum é suficientemente nobre para justificar o uso de um meio torpe para alcançá-lo!
Al’Camir
O jornalista, escritor e ex-preso político Celso Lungaretti, em seu texto E agora, Josés?, publicado no Congresso em Foco no último sábado (16), referindo-se a Zé Dirceu e José Genoíno fez algumas colocações que suscitam maiores reflexões.
Segundo ele, “a prisão sempre foi um acontecimento normal na vida de um revolucionário”, que não tem do que se envergonhar (com o que eu concordo) por ser preso por tentar abolir a exploração do homem pelo homem.
Mas o que não é normal, e que deve vexar qualquer consciência, é uma pessoa que já teve tantos ideais ser preso, não por tê-los, mas por deixar de tê-los. Porque só alguém sem ideais públicos e sem a compreensão da importância da troca periódica do poder (para a democracia) pode engendrar e tentar executar a perpetuação de um plano de poder particular, ainda que partidário. Não é uma democracia fortalecida o que querem alguns Josés.
O ex-preso político diz não concordar “com a decisão de alegarem inocência, que é a mesma de quase todos os criminosos comuns”, mas deixa de considerar que para assumir a responsabilidade de suas ações a pessoa precisa estar sob a proteção de algum escudo, seja o da lei, seja o dos ideais, seja o da verdade, seja o da consciência limpa (e convicta), seja o da virtude. Talvez nenhum escudo conseguisse lhes justificar o injustificável perante a própria consciência.
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Acredita, em atitude bastante humana, “que é praticamente impossível governar o Brasil sem comprar o apoio da ralé parlamentar, seja com pastas e cargos, seja com grana”, mas esquece que para ser realmente revolucionário é preciso enfrentar obstáculos e não aliciar corruptos, confrontar dificuldades e não cooptar inescrupulosos, é preciso ser protagonista do bem comum e não coadjuvante do mal privado.
Disse, qual sociólogo insipiente, “que, bem vistas as coisas, era melhor fazê-lo com dinheiro do que colocando raposas para cuidarem de galinheiros” porque “as maracutaias se multiplicariam como cogumelos”. É fato que se multiplicaram, mas onde terá nascido a semente desse mal? E por que, tendo o poder em suas mãos, não o combateram? Antes, aliaram-se a ele.
Analisou politicamente que “cometeram um grave erro político, ao cederem à chantagem dos podres, incorrendo em ilicitudes para terem com que pagar a eles. Mas, não foram movidos pela ganância.” Mas desconsidera o velho ditado popular que diz que “quando um não quer dois não brigam”. Os hoje condenados tiveram, preservada desde sempre, sua liberdade de escolha e o mau uso dessa liberdade lhes custa, agora, uma outra liberdade.
Sugeriu, como simpatizante, “que assumissem suas responsabilidades, tratando, em seguida, de levar ao conhecimento do povo o MAIS IMPORTANTE NISSO TUDO: o fato de jamais terem levado ou pretendido levar vantagem pessoal”. E aqui comete o engodo mais sutil: fugir à responsabilidade dos próprios atos alegando que não intencionavam vantagem pessoal, mas vantagem a um partido ou a um plano de perpetuação de poder.
A sutileza do engodo é tentar desviar o foco para quem teria sido o beneficiado, quando o foco deve ser mantido em quem terá sido o prejudicado pela conduta repreensível.
O prejudicado foi o povo, por ataque direto à democracia; foi o militante, pelo contraexemplo de conduta dos seus ídolos (ex-herois); foi a população, pela queda no vazio comum politiqueiro de quem chegou ao poder alegando a diferenciação ética (só estética); foi a esquerda, empurrada para a vala comum da politicagem em detrimento da ideologia.
Esconde Al’Camir uma máxima universal: “Fim algum é suficientemente nobre para justificar o uso de um meio torpe para alcançá-lo”.
Assegurou o estrategista sobre as frentes jurídica e política do embate que, “por terem esquecido que a conquista dos corações e mentes deve estar sempre em primeiro lugar, os petistas acabaram derrotados nas duas frentes”, mas desconsiderou, no seu erro mais grave, que o que deve estar sempre em primeiro lugar é a retidão de caráter.
Erraram os Josés.
Como seres humanos merecem nossa compaixão, apesar da punição (todos somos suscetíveis ao erro, principalmente os que se envolvem no poder).
Como modelo de conduta, ídolos seguidos por muitos, merecem a execração, pelo mal causado a quem merecia (e precisava) ter um modelo mais digno para seguir.
Mas o mais triste de tudo é precisarmos julgar e encarcerar um ser humano, porque ele não aprendeu a SER, só a ter (poder)
Al’Camir
“E agora José?
A festa acabou,
…
Está sem discurso,
…
não veio a utopia,
…
e tudo mofou.”
Carlos Drummond de Andrade
* AMILCAR FARIA é servidor público federal, diretor de Programas de Controle Social do Instituto de Fiscalização e Controle e participante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral