Mário Coelho
Uma polêmica silenciosa atinge dois notórios candidatos para a Câmara dos Deputados que tiveram nas urnas votos suficientes para se eleger. Anthony Garotinho (PR), o mais votado no estado do Rio de Janeiro, e Valdemar Costa Neto (PR-SP) correm o risco de perder o registro de candidatura por conta de ações na Justiça. O primeiro pode ter o registro indeferido a qualquer momento por conta de uma liminar obtida contra condenação por uso indevido dos meios de comunicação. Já o segundo, por ter renunciado ao mandato de deputado, deve ser barrado pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) – se, claro, o Supremo Tribunal Federal (STF) mantiver o entendimento, adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de que a lei vale para as eleições deste ano. Mas a polêmica não é essa, e sim o destino que será dado aos votos de cada um caso as suas candidaturas acabem barradas.
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A grande pergunta é qual será o destino dos votos de Garotinho e de Valdemar na hipótese de suas candidaturas serem mesmo definitivamente descartadas pela Justiça. O sistema usado nas eleições proporcionais, como as de deputado federal, se baseia nos quocientes eleitoral e partidário. O primeiro é o número de votos que cada partido ou coligação precisa ter para eleger um parlamentar.
O cálculo é o resultado da divisão entre o número de votos válidos e o total de vagas disponíveis em cada estado. Quando um candidato recebe mais votos que o quociente eleitoral, esse número excedente é repassado para o segundo mais votado na coligação, e assim por diante. Foi o que ocorreu, por exemplo, com Garotinho, cujo excedente de votação “arrastou” outros de seus correligionários.
Para se chegar ao quociente partidário, divide-se o número de votos válidos dados para uma legenda ou coligação pelo quociente eleitoral. O número de cadeiras obtidas por cada partido corresponde a parte inteira do quociente partidário. Caso a soma das cadeiras obtidas pelos partidos não seja igual ao total de cadeiras, as cadeiras restantes são divididas de acordo com o sistema de médias, também conhecido como distribuição das sobras.
O que acontecerá com esses votos no caso da cassação do seu registro é ainda uma incógnita. Isso porque a legislação eleitoral é contraditória. O Código Eleitoral (Lei 4737/65) e a nova redação da Lei das Eleições (9.504/97) preveem soluções diferentes. Diante da confusão, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é que terá que dizer qual das duas leis vale.
Dependendo da decisão, a formação das assembleias legislativas e da Câmara dos Deputados pode mudar. Em todo o país, perto de 11 milhões de votos foram dados a candidatos com registro indeferido pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) e por outros motivos, como a não apresentação de documentos e de quitação eleitoral. Pelo menos 6 milhões desses votos foram destinados aos deputados estaduais e federais. E são nesses votos que reside a polêmica, que é melhor exemplificada nos casos de Valdemar e Garotinho.
Confusão legal
O parágrafo quarto do Código Eleitoral prevê que, se o candidato tiver o registro negado após as eleições, eles serão considerados nulos para ele, mas continuam valendo para a coligação ou partido. Ou seja, a aliança ou a legenda partidária não perdem as vagas deixadas pelo candidato com a inscrição indeferida.
De acordo com o Código Eleitoral, se no dia da eleição o candidato estava com registro aceito pela Justiça, ainda que sua candidatura seja barrada depois, os votos vão para a legenda. Então, pela jurisprudência da corte, se a liminar de Garotinho for derrubada, os 694.862 votos que ele recebeu seriam mantidos para o partido. Portanto, os deputados Neilton Mulim, Dr. Paulo Cesar, Liliam Sá e Paulo Feijó, todos do PR, estariam garantidos na Câmara a partir de 2011.
O problema é que a minirreforma eleitoral, aprovada pelo Congresso sob a forma da Lei 12.034/09, estabeleceu uma regra diferente. Em um dos seus artigos, que modifica a Lei das Eleições, a minirreforma determina que os votos serão nulos tanto para o candidato com registro indeferido quanto para a legenda. Aí, seria necessário fazer novamente o cálculo dos quocientes partidário e eleitoral. E, provavelmente, os candidatos que foram puxados ficariam de fora, alterando toda a composição da bancada do estado. A minirreforma, porém, não mexeu no Código Eleitoral. Ele continua valendo. Portanto, há duas regras diferentes, com a mesma força legal, convivendo na legislação que ordena as eleições.
Por enquanto, o silêncio
Os integrantes do TSE não comentam o assunto abertamente desde a realização do primeiro turno. Dois dias antes das eleições, em sessão administrativa, a corte decidiu que os votos em candidatos barrados – com base na Lei da Ficha Limpa ou por outros problemas, como falta de documentação – seriam divulgados após a totalização das urnas em todos os estados. Na oportunidade, o ministro Marco Aurélio Mello perguntou ao presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, se a corte não apreciaria a questão dos votos nulos. A resposta foi que o tribunal analisaria essa situação depois.
Em 3 de outubro, data do primeiro turno, o ministro Arnaldo Versiani disse que as eleições para as assembleias e para a Câmara dos Deputados só seriam definidas em dezembro. Por dois motivos. Primeiro, pela indefinição quanto à aplicação ou não da Lei da Ficha Limpa às eleições deste ano (veja a posição do Congresso em Foco sobre o assunto). Segundo, pela quantidade de recursos a serem analisados. “Os votos em candidaturas com registros indeferidos, hoje, não valem para nada. Se eles forem deferidos, não há problema, o candidato é eleito e os votos contam para a legenda. A situação vai ficar problemática se eles forem indeferidos definitivamente”, disse Versiani.
Para aumentar a confusão, os ministros, quando analisarem algum caso específico tratando do destino dos votos dados a candidatos indeferidos, deverão se debruçar sobre uma controvérsia constitucional, como defendeu o advogado e constitucionalista Rodrigo Pires Ferreira Lago em artigo publicado no site Jus Navigandi. Para ele, a determinação de anular os votos também para a legenda vai contra a Constituição Federal. “É incompatível com o texto constitucional. Deve sempre ser preservada a manifestação do eleitor”, afirmou.
Condenação
Em 27 de maio deste ano, Garotinho e sua mulher, Rosinha Garotinho, foram condenados por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação na campanha eleitoral de 2008. Os integrantes do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) concluíram que integrantes houve “práticas panfletárias” por parte da rádio e do jornal O Diário, que ajudaram na eleição de Rosinha para a Prefeitura de Campos dos Goytacazes (RJ). Com a condenação, o casal tornou-se inelegível por três anos.
Depois, em 28 de julho, o TRE-RJ aceitou, provisoriamente, o registro da candidatura de Garotinho para deputado federal em razão de uma liminar concedida por um ministro do TSE. Ou seja: foi uma concessão precária. Caso os ministros do TSE entendam que a condenação dada em maio deva ser mantida, o registro do ex-governador fluminense será negado.
Garotinho também está, em tese, sujeito à Lei da Ficha Limpa por ter sido condenado por órgão colegiado da Justiça (o TRE do Rio). Com isso, o prazo de inelegibilidade pode aumentar de três para oito anos.
Renúncia
Valdemar Costa Neto renunciou ao mandato de deputado federal em 1º de agosto de 2005 por ser acusado de envolvimento no mensalão. Após admitir que recebeu irregularmente dinheiro do PT, ele preferiu deixar o cargo para evitar uma possível cassação do mandato e a consequente perda de seus direitos políticos. No ano seguinte, ele se reelegeu para a Câmara dos Deputados. Em 3 de outubro deste, recebeu 174.826 votos e foi eleito para mais um mandato.
Ele teve a candidatura contestada por um adversário político em São Paulo com base na Lei da Ficha Limpa. No entanto, a maioria dos integrantes do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) entendeu que, por ele ter renunciado antes da abertura de procedimento por quebra de decoro parlamentar, ele não poderia ser atingido pelas novas regras de inelegibilidade. Dependendo da decisão do TSE, a coligação que elegeu Valdemar perderá a vaga dele, inclusive os votos destinados ao deputado.
Tiririca
Outro caso chama a atenção. É o do deputado federal eleito Tiririca (PR). Candidato mais votado em todo o país, com mais de 1,3 milhão de votos, ele teve o registro deferido pelo TRE de São Paulo sem ressalvas. Não houve recurso contra a decisão na época. Depois, no entanto, o Ministério Público Eleitoral (MPE) denunciou o candidato por ter fraudado a declaração de que sabe ler e escrever.
Segundo o juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Aloísio Sérgio Rezende Silveira, a prova técnica produzida pelo Instituto de Criminalística paulista aponta para uma discrepância de grafias. Por isso, ele aceitou a denúncia e abriu uma ação penal contra Tiririca. Ou seja, a suspeita é de que outra pessoa escreveu a declaração de alfabetização entregue pelo palhaço ao TRE-SP.
Mesmo a ação penal sendo sobre a falsificação de um documento necessário para o registro de candidatura, Tiririca pode até perder o mandato, mas seus votos não devem, a princípio, ser anulados. Isso porque a ação não contesta a inscrição dele, mas sim a autenticidade de um documento apresentado. Se for considerado culpado até antes da diplomação, em dezembro, Tiririca pode assumir o cargo caso recorra da decisão. Aí surge outro problema. Com o foro privilegiado de deputado federal, seu caso terá que ser levado para o Supremo Tribunal Federal (STF). E se arrastar por um longo tempo.
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