Emygdio Carvalho Neto e Ricardo Borges Martins*
Doze parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça do Senado fizeram questão de se manifestar contra a instituição do voto distrital em municípios com mais de 200 mil eleitores. O projeto foi votado nesta quarta-feira, 08 de maio de 2013, em caráter terminativo. Portanto, ao votarem pela rejeição, os senadores impediram por completo o avanço do debate. Nas entrelinhas, a justificativa dada pelos contrários ao projeto de lei é que o sistema eleitoral atual está “muito bem, obrigado”.
Veja como votaram os senadores no projeto do voto distrital
O que mais chamou atenção no comportamento dos excelentíssimos senadores é que seus votos contrários se basearam nos argumentos feitos, há algumas semanas, pelo senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), cuja eleição sequer teria ocorrido caso a Lei da Ficha Limpa fosse retroativa – uma amarga ironia com o povo brasileiro. Embora sua legislatura seja ilegítima, na opinião de grande parte da população, seus argumentos contra o voto distrital são dignos de alguma consideração. As razões apresentadas pelo senador, e apoiadas pelos demais, mostram a falta de clareza quanto a propostas de reforma política no Brasil e, ao mesmo tempo, deixa clara a falta de conhecimento mais aprofundado sobre a proposta do voto distrital.
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Esses argumentos são uma sobreposição de mitos, crenças e características de outros sistemas que nada têm a ver com a proposta. Em uma de suas defesas, o senador alerta para o desafio do desenho dos distritos chegando a afirmar que estes serão desenhados em benefício dos próprios políticos. Obviamente um projeto de reforma consciente não deixaria tamanha aberração passar despercebida. Nada mais democrático e natural do que o Tribunal Superior Eleitoral e seus tribunais regionais serem responsáveis por seus desenhos, contando com critérios neutros vindos de organizações como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Outra ideia errada, que continua a ser propagada pelo senador do PSDB da Paraíba, é que minorias não seriam representadas no voto distrital: outro mito. Países como França e Índia, por exemplo, possuem um número moderado de partidos com representações de diversas ideologias. No caso da França, o voto distrital é feito em dois turnos, o que abre espaço facilmente para coalizões de grupos minoritários ganharem força em distritos diversos. Décadas de experiência democrática criaram o “segundo turno”, justamente com o objetivo de unir forças menores no processo político. A crítica do legislador parece desconsiderar essa alternativa.
Mais equívocos – um dos mais famosos argumentos contra o voto distrital é de que o debate nacional deixaria de existir: a política municipal se reduziria a “mesquinhas” preocupações paroquiais. Cássio Cunha Lima e seus seguidores se equivocam grosseiramente ao contrapor laços territoriais à consciência global, como características inconciliáveis. É como se o cidadão fosse um samba de uma nota só: ou se preocupa com as questões de seu bairro ou se preocupa com um macroprojeto municipal.
Ao contrário do que o senador afirma em seu voto, a capacidade de se comunicar além das fronteiras não enfraquece os vínculos locais; muito pelo contrário, a revolução digital promove um fenômeno inédito de ações colaborativas locais. O jovem de hoje acredita que a transformação política ocorre por meio de ações específicas, muitas vezes voltadas a melhorias em seu bairro e em sua cidade.
Ademais, cabe lembrar aos senadores que os grandes temas do momento, os tais temas nacionais: transporte, segurança, saúde, educação, trabalho, meio-ambiente, entre outros, só são grandes por estarem presentes no dia a dia do cidadão. Eles são recorrentes em seu bairro, no bairro vizinho, no outro bairro, e enfim, no conjunto dos bairros, cidades e estados.
Em suma, ao longo de sua lista de argumentos sobre o “perigoso” voto distrital, o senador Cássio Cunha Lima discute política em termos absolutamente abstratos, ali do alto de sua escrivaninha, como se não estivéssemos falando de Brasil. É como se a sociedade brasileira não tivesse avançado, como se até agora não tivéssemos percebido que política se faz no cotidiano, com fiscalização e cobrança sobre nossos representantes. E o pior é que seus 11 colegas assinaram embaixo.
Criticar os 12 senadores é um começo, mas mudanças estruturais na política, que atinjam efetivamente a atuação dos políticos, virão apenas com mobilizações sociais propositivas.
Lançamos a pergunta para os eleitores: não chegou a hora de escolhermos uma reforma e lutar por ela?
E para os políticos, fica a dúvida: qual é o medo de experimentar algo novo quando o velho deixou de funcionar?
* Emygdio Carvalho e Ricardo Borges Martins são coordenadores do Movimento civil #EuVotoDistrital.
Emygdio é formado em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), com foco em Reforma do Estado e Análise de Poder.Graduado pela Georgetown University (EUA), pelo Global LeadershipProgram.
Ricardo é formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), com foco em Cultura Política e Tendências Democráticas. Pós-graduado em Filosofia com especialização em Argumentação e Influência Social pela Université d’Aix-Marseille (França).