O pior panorama para um colunista/cronista é quando ele não identifica um tema para tratar, e a tela assustadoramente branca do computador recusa-se a sair de sua frente, desafiadora. Mas há um outro panorama igualmente mais assustador ainda: é quando o conjunto de temas importantes é tão grande que é impossível escolher o que será objeto de sua análise ou de seu comentário.
Hoje é um desses dias. O que não falta é crise.
A crise da Venezuela
Escrevo esta coluna no final da tarde de domingo, dia 24/fev (véspera de meu aniversário. Obrigado, obrigado!). E a tensão na fronteira entre o Brasil e a Venezuela só cresce diante da decisão oportunista do governo Bolsonaro de acompanhar Donald Trump na sua decisão provocativa de oferecer ajuda humanitária aos venezuelanos. Houvesse seriedade na oferta do topetudo e essa ajuda já teria sido oferecida há muito mais tempo, e não só agora, quando Juán Guaidó se autodeclara presidente e abre um confronto direto com Nicolás Maduro. Igualmente, se fosse de fato uma iniciativa humanitária do Brasil, Bolsonaro a teria oferecido logo nos primeiros dias de seu governo. E não agora, numa atitude nitidamente oportunista que, praza aos céus, não saia do controle caso haja uma reação armada de Maduro, capaz de enfiar de uma hora pra outra o Brasil no centro de um conflito do qual vinha se mantendo a prudente distância, apesar dos problemas gigantes causados pelos milhares de migrantes que todo dia atravessam a fronteira.
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Cabe assinalar que Maduro não passa de um ditadorzinho latino-americano de segunda extração, que de esquerda não tem coisa alguma a não ser dar sequência à ladainha chavista de que “o império” está de olho nas reservas de petróleo da Venezuela. Até agora não apareceu ninguém para dizer a ele que Trump, enrolado até o pescoço em denúncias que vão desde receber apoio russo em sua eleição a casos extraconjugais, precisa urgentemente de um inimigo pra chamar de seu. Por enquanto, o nome desse inimigo é Maduro.
A crise dos meninos do presidente
PublicidadeAqui no quintal de Pindorama os filhos do presidente vêm usurpando da oposição o papel de criar obstáculos ao governo do pai, criando um constrangimento atrás do outro. O último foi essa comédia que custou o cargo do ministro Bebianno, produto de um episódio que caberia muito mais num filme de Mazzaropi do que numa república que se dá ao respeito. Pareceu reação de menino mimado que, sabendo que o pai comprou o terreno onde fica o campinho de futebol, só deixa jogar seus amiguinhos, porque agora “babai” é o dono. Não que Bebianno não tenha nada com o laranjal. Mas é bom lembrar que o menino não reclamou nas redes sociais da participação de Bebianno no laranjal, mas apenas o acusou de mentiroso.
A crise produzida pelos meninos começou pela revelação das canalhices de Queiroz, que até hoje não depôs pra explicar os depósitos picadinhos. Ao que tudo indica, tratam-se das famosas “rachadinhas”, em que o parlamentar nomeia no gabinete um funcionário em troca de parte do salário dele. O parlamentar, no caso, é, apenas, o filho do presidente da república. É pouco ou quer mais? Fora a interferência indevida dos filhos nos atos – teoricamente republicanos – do Chefe da Nação, a demissão de Bebianno aos 50 dias do novo governo foi, no mínimo, uma confissão de que a turma que venceu as eleições não tem o menor preparo para a função. Além da evidência de um estelionato eleitoral, considerando-se que Bolsonaro foi eleito com o discurso ético e anticorrupção, e a falta de ética e de atos de corrupção dentro de sua própria família aparecem dia sim e outro também.
A crise da falta de planejamento que custa vidas
Se uma empresa do porte da Vale não assume objetiva e claramente suas responsabilidades num episódio criminoso em que morreram mais de três centenas de pessoas, fica configurada uma enorme crise nos mecanismos de fiscalização e controle no setor de mineração. Sim, eu escrevi “episódio criminoso”. E não há outra expressão para caracterizá-lo. No máximo, é possível não chamá-lo de crime doloso, até porque ninguém queria, de caso pensado, matar todas aquelas pessoas. Mas, se a imprudência que põe em risco uma única vida já é criminosa, quando põe em risco e morrem centenas, é o quê?
Na mesma linha, o incêndio no CT do Flamengo foi produto da mesma irresponsabilidade que provocou Mariana e Brumadinho. Aquela história de “não precisa ficar se preocupando com exigências de segurança que não vai acontecer nada”. Até acontecer. E morrerem pessoas. E a crise vir a público.
Se mais espaço houvera, de mais crises se falara
No péssimo plágio de Camões do intertítulo acima quero apenas deixar claro que crises existem aos quilos. O que não há é espaço suficiente. Se houvesse, bem que poderíamos falar das saias justas em que Damares e seus desatinos têm colocado o novo governo. Ainda bem que a reação na Holanda foi pequena quando se divulgou aquela frase dela de que lá se incentiva a masturbação de crianças. Mas, convenhamos,m ela própria é uma crise de saias. Ainda bem que os militares têm sido até comedidos na insatisfação com a interferência indébita dos meninos do presidente nas coisas do governo. Senão haveria mais uma crise aí na rua. Ainda bem que pouca gente tem reclamado da bagunça em que se transformou a Esplanada dos Ministérios depois da supressão de pastas como a do Trabalho, por exemplo. Por lá tem gente que até agora não consegue achar onde esconderam o grampeador. E a crise da falta de articulação política no Congresso? Ninguém sabe quem fala em nome do governo. E ninguém sabe o que efetivamente o governo quer. E a crise da oposição, que não consegue se organizar para oferecer uma pauta própria, nem mesmo um projeto alternativo de reforma da previdência?
Alguém aqui do lado me lembra da crise de confiança dos investidores estrangeiros. E um outro compadre me cobra por que eu não falei na crise anunciada caso o governo decida mesmo aprovar o projeto da escola sem partido, com as inevitáveis greves dos professores país a fora.
Crise é o que não falta. Escolha a sua. E vamos!
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