Lúcio Lambranho
As investigações da Operação Boi Barrica, da Polícia Federal (PF), chegaram a uma inesperada conexão no Congresso. Um ex-assessor do Senado vigiado pela PF levou uma mala de Brasília para São Paulo, no dia 19 de julho do ano passado, a pedido do empresário Fernando Sarney. A Câmara pagou a passagem, emitida nas cotas dos deputados Carlos Abicalil (PT-MT) e Valadares Filho (PSB-SE).
O homem seguido pela PF se chama Marco Antônio Bogéa. Além de colaborador de Fernando Sarney, Bogéa foi funcionário terceirizado na função de assistente de produção da TV Senado entre os dias 16 de junho de 2004 e 13 de junho de 2007. A descoberta da PF mostrou um pouco mais do complexo mundo do sistema de cotas das passagens aéreas disponível aos parlamentares. Os delegados responsáveis pelo caso acabaram revelando o uso indevido das cotas.
Abicalil levou um susto e ficou indignado quando soube que o bilhete usado pelo investigado saíra em seu nome. Em nota enviada ao site (leia a íntegra), o deputado petista diz que sua cota foi emprestada, “sem o seu conhecimento prévio” ao gabinete do deputado Valadares Filho (PSB-SE). O deputado sergipano também nega que tenha emitido o bilhete e afirma que não conhece Bogéa.
O filho de Sarney
A investigação da PF acusa o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, de montar um esquema de corrupção no governo. Os movimentos de Bogéa complicam um pouco mais a vida de Fernando.
Na data da viagem, Bogéa já estava fora do Congresso havia mais de um mês. Segundo o relatório da PF, que diz ter acompanhado os passos dele em Brasília neste dia, a mala foi transportada no voo JJ 3719, até a casa de Fernando Sarney nos Jardins, na capital paulista.
De acordo com o relatório da operação, foi Astrogildo Quental, diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Eletrobrás, quem entregou essa carga para Bogéa antes do embarque. Quental foi indicado para o cargo pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-MA), e foi secretário estadual de Infra-Estrutura do Maranhão no governo de Roseana Sarney.
“Após contato com Astrogildo Quental, onde recebeu uma mala, cujo conteúdo não se pode determinar e, no dia seguinte, embarcou rumo a São Paulo, num voo da TAM, em estado visivelmente tenso, a fim de levar algo a pedido de Astrogildo”, diz o relato dos delegados Márcio Adriano Anselmo e Thiago Monjardim Santos, ambos da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros da PF.
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Cota emprestada
A partir de informações repassadas à PF pela TAM também é possível ver o nome do deputado Carlos Abicalil (PT-MT) em uma das planilhas de expedição da passagem usada na loja da companhia aérea na Câmara. A informação indica que a passagem foi expedida por meio da cota mensal a que Abicalil tem direito para fazer deslocamentos semanais entre Brasília e seu estado de origem.
A Câmara informa apenas, por meio de sua assessoria de imprensa, que paga passagens aéreas somente para parlamentares e convidados de audiências públicas das comissões permanentes ou depoentes de comissões parlamentares de inquérito.
“Não há registro sobre o caso questionado. As informações devem ser verificadas com a Polícia Federal”, diz a nota encaminhada ao site. No ano passado, a mesma assessoria da Câmara informou que a responsabilidade pelo uso do dinheiro é do deputado, que administra sua cota com as companhias aéreas ou agência de viagem de sua livre escolha.
“Estou muito tranquilo em relação a isso. Nunca vi e não sei quem é esse sujeito. Já verifiquei, e do meu gabinete essa passagem não saiu”, disse ao site Valadares Filho, filho do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE). Mas o deputado admitiu que emite passagens para assessores e amigos que precisam vir até Brasília vindos de Sergipe.
“Se eu tenho um amigo do interior do estado que precisa de um tratamento no [hospital] Sara [Kubitschek], por exemplo, emito a passagem. Concordo que é preciso de regras claras nessa questão, mas por enquanto não existem”, ponderou o deputado sergipano.
Apesar das declarações do colega, Abicalil diz que “a transferência de cotas aéreas para outras finalidades” é “prática inaceitável” e informou ter tomado providências. “Tão logo houve notícia da transferência de cota aérea, o deputado tomou as devidas providências – de forma a punir administrativamente o funcionário responsável”, diz o deputado petista. O deputado também pediu informações detalhadas da TAM sobre o episódio.
Rastreamento do bilhete
Os delegados afirmam que pediram informações à TAM sobre o bilhetes usados por Bogéa porque seu salário na TV Senado, pago pela Ipanema Empresa de Serviços Gerais e Transportes LTda – empresa investigada pelo Ministério Público Federal por supostos contratos irregulares com o Senado – era insuficiente para que ele pudesse acumular 41.875 pontos na TAM. O salário de Bogéa, segundo apurou o site, era de R$ R$ 1.406,76.
Em resposta aos federais a companhia aérea informou toda a movimentação do bilhete que gerou a passagem no valor de R$ 1.778,84, o que fez os delegados concluírem que “a passagem teria sido paga pela Câmara dos deputados,conforme resposta encaminhada por e-mail”:
“Bilhete n°957 2706 76109 foi emitido em nome do xxxxxxxxxxxxxxxxxx e pago por órgão do Governo, no valor de R$ 3 mil, conforme telas abaixo. Contudo, tal bilhete não foi utilizado, o que gerou um crédito para permissão de outras passagens.
Assim, do valor de R$ 3 mil foi emitido o bilhete 957 27067611, no valor de R$ 2.580, o qual também não foi utilizado e re-emitido outro bilhete, n°957 2706 76313, no valor de R$ 2.160,00, sendo que tal bilhete não foi usado e foi utilizado como forma de pagamento para gerar o bilhete n° 957 2349 7551171, no valor de R$ 1.178,24 e este foi voado pelo Sr. Marco Bogéa.”
Em nota encaminhada ao site, a TAM informa que não está sob investigação, mas confirma que prestou informações ao delegado neste caso. Alega também que, em respeito ao direito de sigilo, a companhia “está impedida de fornecer ou confirmar os nomes dos passageiros à imprensa.”
“O encontro não aconteceu”
Os delegados da PF pediram, no dia 18 de agosto de 2008, a prisão preventiva de Fernando Sarney, Quental, Bogéa e mais 12 envolvidos em acusações de crimes contra o sistema financeiro, contra a administração pública, falsidade ideológica, fraude em licitação, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
O caso ainda está sob análise do juiz Neian Milhoem Cruz, da 1ª Vara Federa de São Luís (MA). Como há um inquérito para responsabilizar os autores do vazamento do relatório e a investigação de Fernando ainda continua sob sigilo, nem a PF nem o Ministério Público Federal no Maranhão quiseram se pronunciar sobre o caso. O grupo é acusado de crimes contra o sistema financeiro, contra a administração pública, falsidade ideológica, fraude em licitação, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
“Posso garantir que esse encontro não ac