Mascarados pelo voto secreto, eles cometeram um ato de vandalismo simbólico contra as já tão questionadas instituições políticas. Armados de irresponsabilidade, reforçaram o coro que nega a representação e favorece, ingenuamente, alternativas autocráticas. No seu cinismo, os encapuzados de Natan Donadon desprezaram os que buscam resgatar as mediações democráticas e republicanas, cobrando transparência, participação, partidos com ideologia, voto aberto, voluntário, consciente. E reforma política.
“Ouvir o clamor das ruas” virou o bordão predileto das autoridades. Na Câmara dos Deputados, ele tornou-se farsa retórica, desde que a Mesa Diretora evitou declarar a perda do mandato do apenado. Ainda assim, desvinculado até de seu partido, o PMDB, após a condenação pelo STF, era certo que o deputado-presidiário não teria seu cargo preservado. Uma soma de fatores produziu a surpresa na obscura sessão: 1) o costumeiro espírito de corpo, pelo qual nunca se deve condenar um ‘colega’; 2) o temor de que vários outros venham a estar na mesma situação, a começar pelos já condenados no caso da Ação Penal 470; 3) a vontade dos legisladores de afirmar autonomia frente ao STF e sua suposta ‘judicialização’ da política; 4) a compaixão pela situação do prisioneiro, relatada de forma apelativa pelo próprio detento detentor de mandato; 5) o entendimento de que a atividade política implica mesmo em expedientes ilegais para a ascensão na cena pública.
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Com essas balas escondidas, os 176 deputados que votaram ‘não’, ‘abstenção’ ou ‘obstrução’, e a centena que não compareceu – ressalvados os por motivos justos –, deram um tiro no pé do próprio Parlamento. Desnudaram, sob o manto espúrio do voto oculto, o caráter oligárquico dos partidos e a aceitação da prática parlamentar como ambiente de negócios privados. Proclamaram que cometimento de crimes não é incompatível com função pública. Afirmaram que são pautados pelo clientelismo e que estão algemados pela cadeia de cumplicidades do patrimonialismo.
A cáustica indignação diz que outros deviam acompanhar o deputado que, ao final da sessão, foi recolhido novamente à Papuda. Apartado das ruas, o Legislativo aprofundou o fosso em relação à sociedade. Desconhecendo a ética do interesse público inerente à atividade política – ética da política mais que na política – os parlamentares salvaram, de maneira ímpar, a “missão” de seu par, mas se colocaram em autoencarceramento: manifestar sua posição geraria execração pública. Estão prisioneiros dos interesses menores, da prática que confunde imunidade com impunidade, da desfiguração dos mandatos em redutos burocráticos lucrativos, onde até alugar carros em firmas suspeitas é permitido.
Percebendo o absurdo da decisão, na semana seguinte a Câmara aprovou, também surpreendentemente, o voto aberto legislativo em todas as situações. A PEC dormitava (mais que ‘tramitava’) na ordem do dia há sete anos. Muito positivo, sem dúvida, mas também revelador do “transtorno bipolar” que acomete o Parlamento brasileiro. É discutível se isso recupera a credibilidade já tão abalada.
Haraquiri era um suicídio ritual e honroso praticado no Japão pelos guerreiros e nobres. O haraquiri político brasileiro é feito pelos que nada têm de combatentes pelos direitos da população e de nobreza no exercício da delegação recebida. Eles desonram a política e incentivam o desencanto, para que suas práticas fisiológicas se perpetuem. Apenas Sua Excelência o eleitor pode acabar com isso.
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