Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Lincoln Macário na Rádio Câmara:
Não existe nada mais viciante no mundo de hoje do que a tecnologia, certo? E o que dizer se misturamos tecnologia e celulares com paixão? O resultado pode ser visto no filme Ela, uma das películas mais recentes a retratar o drama da centralidade da tecnologia em nossas vidas! O personagem principal, interpretado por Joaquin Phoenix, se apaixona por um programa de computador. Escritor, solitário e melancólico, o filme é sobretudo comovente porque acende o sinal vermelho sobre o tempo em que estamos vivendo: é mais fácil se relacionar com computadores do que com pessoas de carne e osso!
Na máquina, tudo parece perfeito: a voz, o papo, a sintonia… e o que falar da memória, então? Será que o mundo de respostas prontas foi criado pela internet nos faz abandonar das chances de termos uma vida real? Na época do individualismo, os likes satisfazem o ego, mas a pessoas trocam um bom bate-papo por teclados em que se desafiam à distância: a internet vira uma terra arrasada, onde tudo pode, e o código de boas maneiras é rasgado todos os dias.
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Hollywood começou a discutir o fenômeno da alienação provocado pelas novas mídias, um mundo cheio de paradoxos e que clama pelo atemporal: você tem três mil amigos, mas não tem nenhum. Você se autopromove, mas isso não te leva a absolutamente nada. Você alcança grandes audiências mas não dialoga com ninguém em particular. Assim como as conversas, as pessoas ficam fragmentadas numa visão homogênea e muitas vezes sectária dos assuntos esparsamente discutidos online. Tudo é apressado, corriqueiro e descartável, ou no neologismo, deletável, mas ao mesmo tudo que você escrever estará lá para sempre. Uma terra de maravilhas e de muita miséria humana.
Será que a internet nos fez mais isolados no que temos de mais humano: a sociabilidade? Pesquisadores advogam que a tecnologia nos fez mais sozinhos do que nunca, numa tradução literal vinda da palavra “selfie”. Sem a elegância de uma carta ou a riqueza de uma comunicação de voz, a internet fica higiênica nas demandas mais críveis do ser humano, porém é de onde nós tentamos alimentar nossos mais primitivos desejos de empatia e significação da própria vida.
PublicidadeA internet, teoricamente, criou uma certa relação pseudo-humana que resolveria o problema da solidão mundial e é um fantástico meio de integração, sem que precisemos sair do lugar. Somos meio humanos, meio robôs, como no filme “Ela” em que moça mostrar seus sentimentos fazendo uma atualização viral. E a razão disto é que não mais sabemos estar só. Cada vez mais observamos os outros, e suas vidas meramente banais, para deixarmos de examinar a nós mesmos.
Como diz a bela metáfora de Roberto Shinyashiki no livro O Sucesso é ser feliz, cada vez mais nos parecemos com o cachorro que corre atrás do pau que o dono joga. Essa espécie de sociedade com concertação coletiva, mas de sentimentos fragilmente individualizados pela ausência de consistência afetiva. Tecnicamente, quanto mais amigos virtuais, menor o risco de uma solidão precoce não. E as mensagens instantâneas viraram o principal remédio contra esse baixo astral provocado pela necessidade de encarar a si mesmo.
Nós pensamos que, permanecendo “conectados” nos sentiremos menos solitários, mas na verdade acontece o oposto. Se não somos capazes de estarmos sós, somos mais propensos a sofrer de solidão. Uma pesquisa recente constatou que o americano comum sofre de uma forte crise de solidão, em média, uma vez a cada quinze dias. De acordo com Sherry Turkle, psicóloga Americana que trata do mundo digital, “se não ensinarmos nossas crianças a ficarem sozinhas, sofrerão sempre de solidão”.
Num belo post no seu site equilibrando.me , o guru da felicidade, o monge Matthieu Ricard, explica por que nos sentimos sós no meio dos outros, e como usamos as redes sociais como âncoras para personalidades e mentes cada vez mais frágeis. “Nós pensamos que, permanecendo “conectados” nos sentiremos menos solitários, mas na verdade acontece o oposto”, diz o texto. “Se não somos capazes de estarmos sós, somos mais propensos a sofrer de solidão”.E o que é mais preocupante neste cenário é o futuro dos nossos filhos. Em um mundo infantilizado, povoado não mais por histórias épicas e contos de fadas, mas por um zapear constante em chats cheios de fofocas com os colegas da escola, as crianças não sabem mais ficar por um instante a sós. E esse é o caminho mais curto para cultivarmos dentro de nós a semente daninha da eterna solidão.
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Texto produzido originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara.