André Rehbein Sathler e Cristiano Ferri Faria *
Em 9 de abril de 2006, o jornal The New York Times apresentou uma bizarra manchete auto-referente: “This Boring Headline is Written for Google”. A reportagem discutiu o crescente peso dos webbots na definição da formulação dos títulos das reportagens, uma vez que 30% do tráfego em um site de notícias é canalizado pelos agentes inteligentes. O fato é que a difícil arte de compor manchetes atrativas vem cedendo espaço para expressões mais literais, factuais e que, de preferência, indiquem duas ou três palavras-chave muito expressivas.
Nos últimos dias, ganhou destaque a discussão sobre o algoritmo por trás das redes sociais, que define o que as pessoas veem em suas timelines. O assunto é antigo, pois os primeiros algoritmos do gênero smart agents foram concebidos em 1968, por Licklider, um dos pais das ideias que resultaram na internet como a conhecemos hoje. Agentes inteligentes, como os algoritmos das redes sociais, lidam com padrões puramente sintáticos, extraídos de estatísticas dinâmicas e em tempo real do uso da internet, fazendo distinções sutis dos gostos e preferências de um indivíduo. Há quem diga, inclusive, que esse tipo de aplicação pode ser um embrião do que virá a ser o procedimento para se alcançar semântica (pensamento) a partir de sintaxe massiva: uma nova geração da Inteligência Artificial. Cegueira (sintática) e clarividência (semântica): não é possível ter uma sem uma boa dose da outra.
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A controvérsia nasceu da crescente polarização política vivenciada no país e experimentada, de forma direta e ampliada, nas redes sociais. Pessoas em polos opostos do espectro político enxergam cada vez mais visões similares em suas timelines, retroalimentando suas concepções e caminhando rumo ao pensamento único. Não há espaço para a divergência nas redes.
Isso acontece porque um modelo das preferências pessoais definido por um algoritmo de agente inteligente é uma caricatura do sujeito, que, por sua vez, passa a enxergar o mundo por meio da versão caricaturizada apresentada pelo agente, em um ciclo recursivo de feedback positivo. Inevitavelmente, esse ciclo leva a uma versão reduzida de nós mesmos, que deveríamos, como humanos, estar sempre um passo à frente de nossas melhores interpretações. Esse é um caso claro no qual a tecnologia inteligente nos torna mais burros.
Uma consideração importante relativa aos smart agents é que os dados não são estáticos nem insensíveis às demandas do agente. Um agente, ao executar suas buscas, não fornece somente informações sobre oferta, mas também sobre demanda, afetando assim as condições do mercado informacional. Assim, os algoritmos podem esterilizar a diversidade, ao promoverem uma exacerbação da percepção seletiva, propiciando sempre mais do mesmo. Um site muito visitado atrai muitas abelhas, que produzem muito mel, que atrai mais abelhas, como ocorre caracteristicamente nos processos recursivos de orientação positiva.
O uso recorrente de agentes pode levar ao efeito de tunelização, ou restrição severa dos dados admitidos como válidos pelos sistemas perceptuais – uma percepção estreita. Assim, uma pessoa que não compartilhe das preferências de determinado grupo político não receberia quaisquer matérias sobre o grupo político contrário. O uso crescente dos agentes inteligentes pode significar uma tomada de poder do cálculo sobre a linguagem, que fica dominada à operatividade do formal.
O ser dotado de linguagem, por sua vez, fica relegado à forma do mecanicismo. Enquanto que nos humanos é possível se conviver com a indecidibilidade – ser ou não ser –, nos agentes inteligentes uma decisão é sempre necessária. Uma negociação entre dois agentes inteligentes é uma discussão sintática, com acordo automático no mínimo denominador comum, não existindo espaço para resultados imperfeitos.
Claro que existem vantagens evidentes para o usuário-cidadão que deseja se conectar com conteúdos e pessoas na mesma linha de suas preferências. É bom descobrir novos filmes interessantes que estão bem dentro do nosso gosto, ou conhecer pessoas do outro lado do mundo que tem hobby semelhante ao nosso. No que tange a agregar graus de eficiência para a nossa vida pessoal ou profissional, como consumidores individuais, as tecnologias de mapeamento de preferências e segmentação de perfis tem seus inegáveis benefícios.
Mas quando discutimos questões relativas à cidadania, tais como a política de educação para os próximos 20 anos, ou apresentamos opiniões políticas sobre determinada ação ou postura governamental, deveríamos considerar outros pontos de vista. Não se trata, nesse caso, de detectar e estimular preferências que agradem somente ao indivíduo, já que as decisões políticas de qualquer instituição pública afetam toda uma coletividade.
Mal ou bem, instituições políticas representativas, como parlamentos, são ambientes que abrigam opiniões e interesses divergentes, com alguns mecanismos que possibilitam consensos, ou acordos mínimos. À maioria das ferramentas de redes sociais interessa segmentar seus públicos, por outro lado, pois isso facilita a venda de propaganda, a base de seus modelos de negócios. Afinal, Facebook, WhatsApp e Google são empresas.
Por isso, quando utilizamos tais ferramentas para fazer discussões de fundo político, há uma distorção. Ao acreditar que plataformas de redes sociais digitais deveriam servir de espelho da opinião pública para os representantes políticos, estamos (de maneira inconsciente?) aplicando uma lógica de negócio privado para mecanismo mais complexo de discussão pública com impacto na sociedade como um todo. Será esse um túnel sem luz no final?
* André Rehbein Sathler é doutor em Filosofia e docente do mestrado profissional em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados;
* Cristiano Ferri Soares de Faria é diretor do Laboratório Hacker da Câmara dos Deputados e docente do mestrado em Poder Legislativo da Câmara. Autor do livro Parlamento aberto na era da internet.
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