Dane Avanzi *
A Lei 12.965 de 23/04/14, genericamente denominada Marco Civil da Internet, representou para os internautas brasileiros um expressivo avanço no sentido de manter as principais regras que originalmente inspiraram os criadores da Word Wide Web, ou simplesmente rede mundial de computadores.
Nesse contexto, de todos os princípios da internet, um deles, o da neutralidade, merece destaque especial. Diz o princípio da neutralidade que não pode haver distinção entre tipos de pacotes que trafegam na web. Trocando em miúdos, as operadoras não podem cobrar o acesso dos assinantes por tipo de conteúdo.
Para se entender melhor como funciona o tráfego de conteúdo na internet, usaremos como exemplo o serviço dos Correios. Quando se despacha uma carta ou pacote, se paga por peso, sendo essa uma das principais variáveis para o cálculo da tarifa desse serviço. Quanto maior o peso e volume do pacote, mais caro para o Correio transportar e, consequentemente, o preço do despacho.
Na internet é a mesma coisa. O que muda é que em vez de estradas, navios e aviões, o conteúdo trafega por cabos de fibra ótica, satélites e rádios de dados. Em sendo assim, tipos de serviços diferentes ocupam espaços de banda e geram impactos diferentes na rede. Por exemplo, um e-mail sem anexo equivale a uma carta simples com uma folha de sulfite dentro, enquanto um vídeo do Youtube em High Definition equivale a um pacote com o volume e peso de uma geladeira.
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Dessa forma, o marco civil da internet, ao acolher o princípio da neutralidade, determinou que não pode haver diferenciação entre os tipos de pacotes que trafegam na internet. A decisão foi comemorada inclusive fora do Brasil por um dos pais da internet, Vint Cerf, atual vice-presidente do Google. Explico. Mais que o principal meio de comunicação na era da informação e da convergência digital, a internet é uma ferramenta de conhecimento e promoção do ser humano, assevere-se, a mais abrangente e universal de todos os tempos.
Em verdade, a promoção social do indivíduo e das sociedades mundo afora, são parte integrante do pensamento filosófico dos criadores da internet. Daí a importância do princípio da neutralidade, que extrapola questões comerciais, burocráticas e políticas. Dessa forma, havendo perdido a batalha no Congresso Nacional para que houvesse tributação diferenciada para tipos diferentes de conteúdos, as operadoras de telecomunicações se reposicionaram e passaram a bloquear a linha de dados uma vez que a cota do plano fosse atingida, obrigando os consumidores a pagarem mais migrando para pacotes mais caros. Como é de conhecimento de todos os usuários, antes a operadora diminuía a velocidade de conexão, mas não bloqueava. Tão logo o marco civil da internet foi aprovado, as regras foram mudadas.
Em reação a essa postura das operadoras, pululam ações contra elas nas Justiças Estaduais, Procons, não sendo exagero afirmar que o marco civil da internet, que a princípio firmou uma posição importante na defesa dos direitos do consumidor brasileiro, passa agora por uma prova de fogo. Algumas operadoras inclusive estão proibidas de vender serviços em alguns estados, por conta de ações judiciais.
Na semana passada, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) determinou que as operadoras regularizem em até seis meses o processo de ressarcimento por meio de créditos a clientes afetados por interrupções no serviço, sob pena de multas de até R$ 20 milhões cada uma delas. Diga-se de passagem, há tempos outras operadoras de serviços públicos pagam severas multas em razão da interrupção do serviço – caso das concessionárias de energia elétrica por exemplo, sendo os serviços prestados pelas operadoras de telefonia igualmente importantes a sociedade brasileira.
A medida protege os direitos dos consumidores e, por via oblíqua, insta as operadoras a melhorar a qualidade de seus processos e serviços, mas não resolve a raiz do problema. Existe uma equação a ser resolvida entre a Anatel e as operadoras. Essa equação passa por um equilíbrio entre qualidade de serviço, investimentos na manutenção, ampliação da rede e preço justo pelo serviço. O que vemos hoje são tarifas altas, serviços degradados e investimentos incompatíveis com a quantidade de serviços vendidos.
* Dane Avanzi é advogado, empresário de telecomunicações e vice-presidente da Aerbras.
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