Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Mariana Monteiro e Márcio Salema na Rádio Câmara:
[sc_embed_player_template1 fileurl=”https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2016/06/comapalavra_20160614_papo_futuro_94.mp3″]
O assunto, também célebre, é digno de provocar as maiores labaredas, mas talvez seja mais conveniente não chegar tão perto para não se queimar nesta fogueira de São João. É nessa perspectiva que vamos começar o debate de hoje: a de observador. E, para isso, nada melhor que tentar entender o contexto, para depois discutir a essência do debate.
As operadoras de telecomunicações acharam que era hora de cobrar um limite de consumo de dados para a banda larga fixa. Proibidas pelo Marco Civil da Internet de controlar o tráfego na rede, decidiram deixar rolar e a rede sentiu o aumento exponencial do volume de dados trazidos pelos aplicativos de vídeo e voz, como o NetFlix e o Spotify. Aí veio o papo da franquia.
Na verdade, pouca gente entendeu o que isso significava, porque a internet de todos nós sempre foi bem limitada: geralmente, era lenta por uma rede de capacidade subestimada para a demanda, ou seja, a velocidade entregue dependia da hora do uso, do número de usuários ativos, da chuva, etc.
Leia também
Ou seja, o trânsito é livre, mas… Paciência! Está tudo engarrafado! Na verdade, o maior limitante, ou seja, o verdadeiro gargalo, era o preço. Internet boa, em que havia disponibilidade de rede, era cara! A escolha era um pouco assim: pegar o helicóptero ou ficar no trânsito!
A conversa da franquia na banda larga fixa só começou a preocupar muita gente quando se comparou ao celular: ou seja, ou paga-se mais, ou corta-se a conexão. Essa coisa de internet lenta, teoricamente, seria coisa do passado. E, então, o ruído foi muito maior, por algumas das razões que vamos explicar agora. A seguir, dez razões para adiarmos a adoção da franquia na banda larga fixa:
1- Internet fixa é diferente de banda larga móvel: a capacidade de transmissão é bem maior no primeiro caso, e não faz tanto sentido fazer a conta por colherada, digamos assim. Ou seja, bife é bife, arroz é arroz. A internet sem fio é um recurso bem mais escasso do que a tecnologia fixa, portanto, nada impede que a fixa seja cobrada a granel.
2- A segunda razão é que, pagando por cabeça, o consumidor até aceita uma qualidade variada, sem garantia de entrega da velocidade contratada. Mas para pedir à la carte, qualidade passa a ser um fator essencial de diferenciação. Se eu vou pagar por filme assistido ou vídeo postado, mas a rede trava, ou sistema emperra, porque o trânsito parou, não parece a todos que as operadoras estão dando um próprio tiro no pé? E o que dizer da publicidade na rede, esse marketing dirigido, de nicho, que vai consumir mais da metade da minha franquia?
3- A terceira razão nos parece meio lógica: será que não é preciso primeiro melhorar a estrada, para depois cobrar o pedágio, ou melhor, me desculpem, a franquia??? Será que podemos colocar os carros na frente do asfalto bom, ou seja, vamos pagar agora para que as futuras gerações de internautas tenham uma internet super-rápida para navegar, como papais-noéis de junho?
4- Sim, porque a outra razão é que os investimentos em rede necessários para melhorar a qualidade da rede – que tanto se espera com a adoção da franquia de banda larga fixa – não são feitos de um dia para o outro; não há um plano de investimentos já apresentado ao órgão regulador que justifique uma mudança tão universal quanto estrutural no modelo. E não há, sobretudo, a opção de manter tudo como está, para quem já se acostumou a andar de ônibus, compartilhando com seus vizinhos as esburacadas estradas digitais que estão aí, mas cujo valor da passagem ainda cabe no bolso.
5- A franquia na internet só seria um bom negócio para o consumidor, dentro da lógica econômica que justifica a mudança, ou seja, a necessidade de otimizar o investimento das operadoras, caso houvesse neste mercado o único fator que, no capitalismo aberto, faz cair o preço final: competição. Se não é monopolista, pelo menos é bastante concentrado o mercado da banda larga fixa, com a Net/Claro ocupando 32% da fatia de assinantes; a Vivo/GVT ficando com os outros 28%, já aí perfazendo mais da metade do mercado, e a Oi respondendo por mais 25% dessa parcela. Nas diferentes regiões, praticamente não há competidoras de porte para esses grandes conglomerados de telecomunicações. Ao contrário, o que veremos é o aumento da exclusão digital no contexto atual do Brasil, em que os ricos acessam vídeos em alta definição, enquanto o pobre não consegue sequer abrir uma foto no “zap”.
6- Na sexta razão para adiar e formular melhor esta nova política de banda larga limitada estão os recuos e avanços da própria Anatel, que liberou a franquia, depois condicionou a mudança a um pacote de informações ao consumidor e, agora, parece dizer: a Anatel não vai decidir. O mercado que resolva.
7- Na sétima razão para repensarmos se este é o momento de mudar a internet como a temos hoje está a baixa penetração da banda larga no Brasil, que está presente em menos de 50% dos lares brasileiros. Aos desavisados, poderíamos dizer que faltam investimentos em redes, mas a TIC municípios, pesquisa do IBGE, tem demostrado que falta sim, mas não apenas investimentos, e sim orçamento na casa de cada brasileiro para colocar uma internet fixa que não esteja sujeita à carga, recarga de créditos, cortes de franquia, qualidade ruim ou perda de sinal e essas coisas todas que conhecemos na precária internet móvel a que as empresas atribuem o feito de promover a inclusão digital no Brasil, mas que o brasileiro usa mesmo é para trocar mensagens e economizar na sua franquia de chamadas de voz.
8- Na nossa lista de “poréns” contra a franquia na banda larga fixa está o debate do momento certo, e não do modelo certo para fazer as telecomunicações crescerem no Brasil, e, certamente, uma mudança tão brusca num momento de crise econômica tão acentuada provocará um influxo nos índices de penetração digital no Brasil diretamente proporcional ao crescimento do valor da conta de internet fixa. Pois ninguém acredita que as empresa estão trabalhando para baixar a fatura ao consumidor ávido pelo novo meme que está bombando no YouTube, ou acredita?
9- No ranking contrário ao limite da banda na internet fixa, eu colocaria em nono lugar o risco de retrocedermos 10 anos, ou mais, aos primórdios da internet discada, uma vez que a postura leniente do órgão regulador, a se confirmar, não impedirá a oferta de pacotes indecentemente inoperantes, tanto na velocidade, quanto no limite de dados! E o que falar do wi-fi gratuito, no aeroporto, na rodoviária, esse vai acabar de vez!
10- E, para fechar a nossa lista de #10-motivos-para-não-se-mexer-na-banda-larga-fixa-agora, independente da opção já adotada no mundo, está o aspecto social e a próxima função social e primordial que as telecomunicações adquiriram no Brasil e os princípios consolidados no Marco Civil da Internet como um direito de todos, associados a outros valores como liberdade de expressão e direito à informação, inclusive para o apropriado exercício da cidadania.
Concluímos, então, que antes, durante e depois, é essencial termos debates como: quando é que o órgão regulador vai assegurar que haja pelo menos uma modalidade de pacote de internet livre, neutra e acessível a todos, em termos de preço e navegabilidade – vulgo ilimitado –, dentro da cartela de serviços a serem oferecidas por todas as operadoras?
Pergunta-se: internet ilimitada num pacote básico, em que se cumpra a função social e democrática da rede, é ou não é um direito de todo o cidadão brasileiro? Dá para comparar IPVA com pedágio? Para ter estrada, pagamos todos. Pedágio é outra coisa. Com tantos lugares onde não há sequer estrada digital, não dá para falar em pedágio. Ou dá?
Mande suas dúvidas e sugestões para papodefuturo@camara.leg.br
Coluna produzida originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara. Pode haver diferença entre o áudio e o texto.