O pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff na 68ª Assembleia Geral das Nações Unidas foi muito lúcido quanto à gravidade da espionagem eletrônica contra o Brasil e outros países. Também se mostrou pertinente a sua proposta de que a ONU regulamente a questão e garanta a soberania cibernética dos povos.
É preciso avançar nesse processo, pois informação é o bem contemporâneo mais valioso. Seu domínio é um imenso diferencial de competitividade. Ademais, trata-se de algo diretamente ligado à segurança nacional, à medida que há elementos fundamentais a serem protegidos, como os referentes às potencialidades do Brasil: área agriculturável disponível mais ampla, maiores reserva hídrica e biodiversidade do planeta, grande produção de alimentos, biocombustíveis, óleo e gás. Ante os olhares internacionais, o país precisa preocupar-se em blindar seus dados estratégicos.
No entanto, independentemente da espionagem estrangeira, é necessário questionar se não estamos, nós próprios, facilitando o acesso de outras nações ao precioso acervo da produção científica de nossas universidades, patentes, estudos e pesquisas das empresas. Sabemos que imenso volume de conteúdos de nossas instituições é hospedado em plataformas de TI localizadas em distintos países, inclusive nos Estados Unidos. É seguro esse processo?
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Por mais que se tenham cuidados jurídicos nos protocolos e contratos, sabe-se que a informática e a internet são campos suscetíveis às intromissões indesejadas. Se os norte-americanos conseguiram quebrar as barreiras criptográficas do sistema de computadores da Presidência da República brasileira, o que dizer de arquivos hospedados na sua casa? Talvez haja aí uma contradição: ao mesmo tempo em que conclamamos a ONU a impedir a espionagem na Web e nos sistemas eletrônicos de informação, mantemos um modelo que, por si só, expõe a risco nosso patrimônio de conhecimento.
Não adianta instituir barreiras para impedir que as raposas entrem no nosso galinheiro se, espontaneamente, entregamos parte de nossas galinhas para que lobos, em seu habitat natural, tomem conta delas. É um contrassenso. Temos progredido a passos lentos, mas consistentes, na área de Pesquisa & Inovação. Ainda precisamos evoluir no número de registro de patentes, proporcionalmente muito mais baixo do que o volume de publicações científicas.
Assim, não é prudente expor nosso acervo científico aos perigos agora evidenciados pelas denúncias de espionagem praticada por agências dos Estados Unidos.
É preciso refletir sobre a questão, entendê-la em profundidade e, se for o caso, adotar as medidas necessárias. Há uma lição de casa a ser feita, com a participação de instituições como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Instituto de Tecnologia da Informação da Casa Civil (ITI) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
No ano passado, ao participar de um debate na Câmara dos Deputados sobre P&D, coordenado pelo deputado Newton Lima (PT-SP), um diplomata brasileiro especializado no tema confessou que países como Estados Unidos e Coréia do Sul mantinham departamentos especializados em capturar conhecimento nas publicações de cientistas brasileiros. Estamos entregando o ouro ao bandido?
* Antoninho Marmo Trevisan é o presidente da Trevisan Escola de Negócios, membro do Conselho Superior do Movimento Brasil Competitivo (MBC) e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES).