É bem mais do que nossa imaginação e fantasias Blade Runner concebem à partida. É certamente uma sinalização do futuro. Xangai, com 23 milhões de habitantes é uma experiência impactante mesmo na escala chinesa. Um dinamismo vertiginoso está certamente presente em Pequim e em Dalian, onde passei antes. Mas Xangai é outra história. Meu tempo foi pouco, mas a agenda intensa. Um dia dedicado ao mundo vertical, subir nos prédios mais altos, a torre e o Trade Center de Pudong, de dia e de noite, para ter aquela visão panorâmica a, literalmente, perder de vista. Visita às fábricas da Shanghai Solar, na periferia, caminhada pelo Bund, o bairro central histórico, visita à agencia de meio ambiente e ao museu de desenvolvimento urbano com suas maquetes. De passagem, um programa de turista num daqueles ônibus de tipo londrino, aberto em cima. Muito pouco, mas o suficiente para iniciar uma relação promissora com a grande megalópolis do século XXI.
Na Torre de Pudong, há uma série de fotos que mostram como evoluiu esse bairro novo. A primeira, de 1994, mostra apenas a dita cuja. Pudong era na época uma área considerada desvalorizada, onde nada acontecia. Caveira de burro. Dizia-se: “Melhor uma cama no Bund que um apartamento em Pudong”. Em pouco mais de quinze anos, praticamente do nada, nasceu o novo centro com seus arranha céus de quase meio-quilômetro de altura. Um, ainda em construção, chegará nos 600m. No Rio, temos essa cultura anti-espigão. Faz sentido nas áreas onde esses prédios competem e comprometem a beleza dos nossos morros, mas há tempos penso que deveríamos ter um distrito de arranha-céus na Av. Francisco Bicalho. Na China e na Ásia em geral, essa é uma discussão inexistente. Trata-se de um mundo vertical. É sem dúvida a solução ambientalmente mais sensata, pois com populações como aquelas ocupar horizontalmente implicaria uma devastação sem fim e uma des-economia absurda do ponto de vista energético e de emissão de carbono.
Como megalópole, Xangai já deixou Nova York para trás no que diz respeito ao visual. Culturalmente vai nos calcanhares. Em matéria de infra-estrutura, não há nada que chegue perto, e a gente percebe isso nas maquetes físicas e nas animações do museu de desenvolvimento urbano. Dois aeroportos gigantescos a 40 km de distância entre eles e a uns 40 minutos do centro. Em Beijing, Dalian e Xangai, tenho visto o que são aeroportos bem desenhados, bem concebidos e práticos de utilizar. O de Beijing, ainda por cima, é um belíssimo projeto do arquiteto inglês Norman Foster. Xangai também está implantando o maior porto do mundo numa ilha artificial ligada ao continente por uma ponte de 30 km. Os grandes equipamentos urbanos, os landmarks de uma grande cidade, estão por aí em profusão. A infra-estrutura viária é assustadoramente impressionante. Dezenas de quilômetros de vias expressas elevadas, o que não é exatamente paisagem urbana da minha preferência, mas reflete esses tempos em que os chineses, de forma decidida mas algo atabalhoada , entraram na era do automóvel.
Xangai é menos engarrafada que Beijing, e isso é atribuído ao seu sistema de leilão de placas. Você só usa carro se tiver uma e, pelo leilão, elas andam já pelos 7 mil dólares, fora o preço do carro em si. A ostentação é “luxuriante”, para usar uma palavra em inglês que eles volta e meia empregam como o supra sumo: “luxurious”. Na China, se leva absolutamente a sério aquela frase de Deng Hsio Ping: “Enriquecer é glorioso”. E dá-lhe Porsche, Ferrari, etc… que eles dirigem devagarzinho com requintes de barbeiragem. Estamos diante de uma cultura automobilística muito recente e o controle de velocidade é forte, com milhares de pardais em toda parte. Mas eles dirigem super mal e praticam as bandalhas mais inacreditáveis. Neste semana de China em Beijing, Dalian e Xangai, vi dezenas de acidentes, nenhum deles sério. A China, nessas alturas, deve ser também o paraíso das seguradoras. Segundo me informaram as responsáveis da agencia ambiental, há apenas 2 milhões de automóveis em circulação, o que equivale ao total do Rio com seus 6 milhões de habitantes. Em compensação, o metrô de Xangai é fantástico.
A bicicleta ainda é bastante utilizada, mas vem perdendo espaço vertiginosamente para o automóvel. “Andar de bicicleta começou a ser estigmatizado. O garotão chinês pra arrumar namorada tem que ter carro e apê” me diz um diplomata brasileiro. Há um sistema cicloviário – melhor dizendo, motocicloviário- fisicamente separado por meio-fio ou grades móveis, usado por bicicletas, scooters e lambretas (não se vêem motos poderosas). Mas não é um espaço urbanisticamente valorizado. Tenho comentado com os chineses que precisam lançar uma campanha “é glorioso andar de bicicleta” e valorizar o espaço cicloviário pavimentando-o de vermelho e colocando uma boa sinalização horizontal. Se não reverterem o processo de encolhimento do espaço da bicicleta – há ruas onde elas estão proibidas e junto com os scooters usam as calçadas, mas sem a disciplina espacial dos japoneses -, as cidades chinesas, pelo vai da carruagem, vão simplesmente parar daqui a uns dez anos. Se convencê-los da minha tese, estou seguro que em três anos terão os sistemas cicloviários mais fantásticos do mundo. Terão que superar antes esse recente preconceito de que a bicicleta é coisa de pobre. Ela vai ter que virar luxurious. Já sei o que quero ser quando crescer: consultor de sistemas cicloviários, em … Xangai. Me aguardem!
(continua)