Fábio Góis
Em época de eleições, a pergunta é recorrente: o voto deve ser obrigatório ou facultativo? Muito é discutido, mas pouco muda no sistema eleitoral brasileiro. Pois a discussão volta com força às vésperas do pleito municipal de outubro. Em junho deste ano, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participa
tiva (CDH) do Senado converteu em proposta de emenda constitucional uma sugestão feita por uma associação comunitária em favor do voto facultativo.
A proposição mantém a obrigatoriedade de o cidadão tirar e guardar o título de eleitor (apenas para efeito estatístico e de cadastro), mas o livra da obrigatoriedade de votar a cada dois ou quatro anos (no caso do DF), como ocorre hoje.
Com parecer favorável do relator, Eduardo Suplicy (PT-SP), a matéria foi encaminhada para a apreciação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, onde aguarda designação de relator.
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“Eu vejo que, no processo de aperfeiçoamento da democracia, podemos considerar como didático que tenha havido o voto obrigatório desde a [promulgação] da Constituição de 1988”, disse Suplicy ao Congresso em Foco. Mas, para o senador paulista, a população brasileira já assimilou a importância do voto. “Acho que podemos passar para o estágio do voto facultativo. Portanto, acolhi essa sugestão popular.”
Mudança positiva
Para Suplicy, a não obrigatoriedade do voto pode provocar uma positiva mudança de comportamento por parte dos eleitores. “Será importante passarmos para a fase em que as pessoas votem não por obrigação, mas por vontade.”
O petista disse não ter idéia do tratamento que os senadores darão à matéria em plenário, mas que ela foi bem recebida pelos membros da CDH. “Passou sem objeção. Só na hora do debate vamos verificar o que vai acontecer, não posso adiantar. Há senadores contra e a favor da proposta.”
Convertida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 28/08 no dia 20 de junho na CDH (leia mais), a sugestão apresentada pela Associação Comunitária de Chonin de Cima (Acocci), de Governador Valadares (MG), visa a alterar o artigo 14 da Constituição Federal, que torna obrigatório o voto no processo eleitoral do país.
País despreparado
A idéia do voto facultativo não é bem vista pelo cientista político Cristiano Noronha, da empresa de consultoria Arko Advice. Noronha discorda de Eduardo Suplicy e crê que a população ainda não está preparada para lidar com o voto facultativo no Brasil.
“Eu sou contra. O Brasil ainda precisa chegar a um estágio de funcionamento institucional e educacional mais elevado para instituir o voto facultativo. As pessoas têm de se conscientizar mais sobre a importância do voto”, declarou Noronha, para quem o país ainda está “institucional e socialmente despreparado” para o voto não obrigatório.
Para o cientista político, o efeito da instituição do voto facultativo no processo eleitoral brasileiro seria negativo. “Teríamos um índice de abstenção, votos brancos ou nulos muito alto, veríamos isso aumentar consideravelmente. Aliás, votos brancos e nulos se transformariam em ausência. O efeito natural disso vai ser o não comparecimento“, argumentou Noronha.
“Do ponto de vista constitucional, não há por que rejeitar [a proposta]. Não se está ferindo nenhuma cláusula pétrea. Mas isso não quer dizer muita coisa”, ressalvou, acrescentando que “temas muito mais urgentes e importantes” que a questão do voto obrigatório devem ser discutidos pela sociedade.
Totalitarismo
Não é o que pensa o senador Alvaro Dias (PSDB-PR), para quem o assunto é uma boa oportunidade para a “discussão de uma reforma política que não sai do chão” no Parlamento. Segundo o vice-líder tucano, a pertinência do tema é mais uma razão para levá-lo ao debate no Congresso.
“Se o eleitor acha que não tem motivos para dar seu voto, por que ser obrigado a votar? Cabe aos políticos ter mais competência para convencê-los”, completou Alvaro, autor de uma proposição semelhante em trâmite na CCJ do Senado, a PEC 14/2003.
“O voto obrigatório tem sido a marca registrada dos estados totalitários, onde o governante necessita desse subterfúgio para compelir o comparecimento aos pleitos e dar uma aparência de legalidade a um regime de força”, diz trecho da justificativa da proposta de Alvaro Dias.
Obrigatoriedade em xeque
Pesquisa encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ao Instituto Vox Populi revelou que, se o voto fosse facultativo, 38% dos eleitores não iriam às urnas registrar sua preferência. Entre esses, 30% disseram que “com certeza não iriam votar” e 8% que “provavelmente não iriam votar”.
A pesquisa, realizada entre 27 de junho e 6 de julho com o objetivo de traçar um perfil do eleitor brasileiro, revelou ainda que 51% dos entrevistados disseram que votariam mesmo sem a obrigatoriedade, enquanto outros 11% “provavelmente votariam”. Das 1.502 pessoas consultadas em todas as regiões do país, apenas 1% disse não saber o que responder.
“A possibilidade de a pessoa votar em benefício próprio existe tanto no voto facultativo quanto no voto obrigatório”, disse Suplicy. “Não creio que as pessoas, por causa do voto facultativo, venham se sujeitar a vender seu voto. No [voto] voluntário, no entanto, fica mais difícil fazer [a indução ilegal].”
Desserviço ao país
A posição do senador paulista não é compartilhada pelo presidente da Comissão de Acompanhamento Legislativo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcos Vinicius Furtado Coelho, para quem o voto facultativo seria “um desserviço ao combate à corrupção eleitoral”.
“Com o voto facultativo, haveria a compra da ausência, isso poderia ser controlada pelo corruptor”, disse o advogado, especialista em direito eleitoral. Na avaliação dele, principalmente em cidades pequenas, políticos corruptos poderiam dar dinheiro para grupos de eleitores não comparecerem às urnas e votar nos adversários.
Marcos Vinicius disse ainda que, na prática, o voto facultativo diminuiria a participação popular no processo eleitoral, bem como “a representatividade dos que forem eleitos”.
“Do ponto de vista do fundamento, o voto é um direito e um dever do cidadão, que deve participar da vida política do seu país. [O cidadão] só é obrigado a comparecer, e não a definir seu voto. São obrigações da vida civil” completou o advogado, enfatizando que essa é uma opinião pessoal, e não um posicionamento oficial do Conselho Federal da OAB, do qual é membro.
Caminho longo
Como se trata de alteração na Carta Magna, a PEC 28/08 precisa, caso seja chancelada também na CCJ, da aprovação em plenário de pelo menos 49 senadores, em dois turnos, para depois ser remetida à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Analisada pelo colegiado, a proposição teria de ser examinada por uma comissão especial antes de ser submetida aos deputados em plenário, em dois turnos de votação. São necessários pelo menos 308 votos (3/5 dos 513 deputados). Caso seja alterada na Câmara, a matéria terá de voltar ao Senado.
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