Ariane Holzbach* |
Mais um retrocesso no sempre complexo cenário político brasileiro: a turma que, teoricamente, comanda nosso país agora quer voltar aos tempos das cavernas. Sem dar explicações sustentáveis, 99,9% dos deputados federais votaram a favor do fim da verticalização. Não era para ser assim, mas os espertos políticos se aproveitaram da falta de maiores repercussões dessa ação pela mídia e, pior, tiraram proveito da sua, da minha, da nossa ignorância sobre o assunto. Para começar a explicar essa imoralidade sem tamanho, imagine que existam, digamos, dez empresas de fabricação de geladeiras no Brasil. Cada empresa tem uma mesa diretora para gerenciar os negócios, certo? Agora imagine a seguinte cena: por interesses escusos (leia-se dinheiro, ganância…), todos os integrantes das dez mesas diretoras podem se unir ou se separar, de repente, sem nenhum vínculo com o local para o qual trabalham. A produção de geladeiras vai ou não virar um samba-do-crioulo-doido? Pois bem. Agora substitua as dez empresas pelos partidos políticos e as mesas diretoras pelos integrantes de cada partido. Se, por exemplo, um candidato a presidente for do PT e tiver alianças com o PP e não com o PFL, com a verticalização, os candidatos a governador do PT terão que seguir a mesma ordem: podem se aliar ao PP, mas estarão proibidos de se juntar ao PFL. Isso é ou não completamente coerente com o que rege a ética? E é também uma forma de reforçar o partido e acabar com a problemática situação de se votar na pessoa por causa do que ela aparenta (lembra da máxima: as aparências enganam?), e não segundo as idéias que ela e seu partido defendem. Pois é exatamente contra a ética e a coerência que os deputados federais estão lutando, para variar. A proposta pelo fim da verticalização foi aceita por 27 votos contra um, pode? O único a ir contra a maré, é preciso que se diga, foi Vilmar Rocha (GO), do PFL. Partidos como o PT e o PSDB eram contra a medida, mas recuaram na última hora e fizeram o mesmo que todos os outros: foram em busca de mais poder sem ligar para os eleitores que pagam seus salários. E o PT foi quem fez mais feio: era a favor, ficou contra e, agora, voltou a ser a favor. Se você gosta de antever conseqüências, aí vai um monte delas: o promíscuo troca-troca de partidos vai retornar com fúria (lembra que tivemos deputado e vereador mudando dezenas de vezes de partido numa única semana? Bem-vindo de volta ao inferno) e absurdos como brigas homéricas de um lado e pactos inconcebíveis de outro. Imagine que seu candidato à presidência é do PSDB e este, por sua vez, odeia publicamente o candidato do PT. Pois no seu estado, o candidato a governador do PT simplesmente anda de mãos dadas com toda a cúpula do PSDB. É de enojar, não? Se você já está com ânsias, sabe por que o PT voltou atrás e resolveu apoiar a medida? Porque o PMDB, aliado de Luiz Inácio Lula da Silva, reuniu-se com ele e berrou que, se a verticalização continuasse, o partido não apoiará a candidatura de Lula à presidência no ano que vem! E mais: todos sabemos que votações importantíssimas como a questão do desarmamento e a reforma tributária estão, há muitos meses, empacadas na Câmara dos Deputados. Pois em relação à verticalização, contudo, foi determinado um prazo para discussão, que está a cargo de uma comissão especial, de cerca de dois meses. E sabe por que toda essa pressa? Porque a proposta já passou com sucesso pelo Senado e ainda terá que ser aprovada por 60% dos 513 deputados. Se todos forem competentes, ela entrará em vigor antes do fim do prazo para aprovações, que é de um ano antes das próximas eleições. Pois é. Já usei meu saquinho de vômitos novamente, e o mal-estar ainda não passou. * Ariane Holzbach é jornalista e articulista. Formou-se na Universidade Federal de Pernambuco em 2004 e, atualmente, trabalha no Rio de Janeiro.
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