Em um de seus poemas mais famosos, Frederico Garcia Lorca repetia: Verde que te quero verde. Com apenas 38 anos, Lorca foi morto, com um tiro na nuca, pelas forças de Francisco Franco, durante a Guerra Civil Espanhola. Morto porque, segundo disseram, era mais perigoso com a pena do que os outros com um revólver. Os versos de Garcia Lorca me vêm à cabeça diante da triste briga intestina que vive hoje o PV.
Alguns petistas adotaram a tola estratégia de tentar diminuir a importância que teve a candidatura de Marina Silva nas eleições presidenciais do ano passado. Gostam de repetir que a votação que ela teve fator fundamental para que a eleição fosse para o segundo turno foi consequência apenas do apoio de evangélicos, como ela. Bobagem. Um reducionismo que impede mesmo o PT de entender a vitória que teve e os desafios que tem pela frente. A verdade é que as principais igrejas evangélicas recomendaram o voto em Dilma Rousseff, a começar pela Igreja Universal do Reino de Deus, do senador Marcelo Crivella.
Marina pode ter tido apoio de uma parcela de seus companheiros de crença. Mas o que parece mais determinante no voto que ela teve foi o sentimento de cansaço, por parte dos seus eleitores, com a disputa PT/PSDB que domina a política brasileira já há alguns anos. Em fevereiro do ano passado, início do início da campanha eleitoral, a gente já alertava aqui que tinha um bocado de caô no embate ideológico que busca colocar o PSDB à direita e o PT à esquerda. A disputa entre tucanos e petistas decorre muito mais das opções eleitorais que os dois partidos fizeram, que os colocaram em campos opostos, do que propriamente de profundas divergências ideológicas. Por isso, os discursos de campanha acabam sendo forjados a partir de falsas diferenças. O PT diz que o PSDB é privatista, mas ao chegar ao poder não refez nenhuma privatização, e agora, por exemplo, vai privatizar os aeroportos. O PSDB diz que o PT incha a máquina administrativa com companheiros, mas quem praticamente baniu o concurso público e inventou a terceirização do funcionalismo foram os tucanos quando estavam no poder. E por aí vai.
Muitos eleitores enxergaram em Marina uma alternativa para sair da disputa tucanopetista. A isso se somou o fato de que ela era a única que falava de uma nova realidade que já sentimos na pele e que só não vê quem não quer: a Terra começa a dar mostras de que não suportará a forma como hoje exploramos os seus recursos naturais e mantemos nosso padrão de desenvolvimento.
É possível que hoje muitos dos eleitores de Marina suspirem aliviados por terem perdido a eleição. Porque se a briga que hoje acontece no PV ocorresse dentro de um governo constituído, nós estaríamos mergulhados numa imensa crise política. Marina não tem praticamente nenhuma ingerência sobre o comando de seu partido. Passada a eleição, é vista como uma estranha, e boa parte acha mesmo que seria melhor ela deixar o PV. Coisa que é muito possível que ela faça mesmo, com a companhia dos deputados Alfredo Sirkis (RJ) e Fernando Gabeira (RJ), os únicos dois fundadores do PV que ainda permanecem na legenda.
Os três brigam pesado com os que estão ligados ao presidente do partido, José Luiz Penna, e ao deputado Zequinha Sarney (MA). O fato é que Penna, dono das estruturas de comando do PV, não abriu espaço para Marina na sua migração do PT para a legenda dos verdes. Avalista da ida de Marina para o PV, Sirkis acertou com ela que seriam criados mecanismos de democratização interna que permitissem a Marina aprofundar sua influência no partido. Tais mecanismos não foram criados. No Distrito Federal, por exemplo, onde Marina venceu as eleições, sua influência no comando partidário ainda é zero.
Esta semana, Alfredo Sirkis publicou em seu blog um texto, intitulado Nossa condição de permanecer, em que enumera uma série de sugestões de mecanismos de democratização interna do partido, que seriam requisitos para que não saísse do PV. Segundo Sirkis, Penna concordou genericamente com as ideias, mas, na prática, nada fez de concreto até agora no sentido de avançar. A verdade é que, a essa altura, a alternativa de sair já está sendo mesmo amadurecida. Como fiador, não me sinto bem. Se ela sair, saio também, disse Sirkis a este colunista.
O problema, para Sirkis, é que na cabeça de alguns que dominam o partido, por incrível que pareça,pode ser melhor mesmo o PV perder sua principal estrela. Na eleição, recém-chegada, ela era, como ela mesma diz, o chantili do bolo. Querer ser mais do que isso atrapalha os interesses de alguns, que preferem ter um partideco, mas um partideco que eles comandem, avalia Sirkis. O deputado acrescenta: Se saírem Marina, eu e Gabeira, o partido cai no colo do Zequinha Sarney.
Hoje, ainda se tenta um acordo. Qualquer análise mais racional diria que um acerto em que todos permanecessem no PV seria o melhor para todos. Mas a racionalidade nem sempre prevalece na política, diz Sirkis.
Sinal de como a hipótese já é concreta, se não prevalecer a “racionalidade”, o grupo que sairá com Marina planeja montar algo que já foi batizado de Movimento Verdes e Cidadania. Faria tudo que um partido faz, menos disputar eleição, explica Sirkis. O movimento se posicionaria sobre assuntos políticos e ambientais. Buscaria mesmo atrair pessoas de outros partidos. Não disputaria as eleições em 2012, porque não haveria tempo. A partir daí, seria o embrião para a formação de um novo partido voltado para a defesa do meio ambiente.
Em uma canção da década de 1960 que citava o poema de Garcia Lorca, Sérgio Ricardo emendava outro verso aos versos originais do poeta e dramaturgo espanhol. Sérgio Ricardo dizia: Verde que te quero verde/ Mas não há verde por perto.