De um lado, a limpeza pública. Do outro, um exército de zumbis. A guerra logo ali, não muito longe do aconchego do meu lar paulistano: e eu minúsculo diante de um drama que não devia ser meu?
Se eu fosse um botânico e trabalhasse num orquidário as coisas seriam mais fáceis. Mas sou escritor e, nessa hora, a covardia recomenda desviar o pensamento para o Jardim Botânico e sua magnífica coleção de orquídeas e azaléias. Mas não dá. Também não consigo ser 100% a favor da intervenção da PM e muito menos contra a retirada dos zumbis da Cracolândia. O que fazer? Onde e como?
Não sei. A única coisa que tenho a proclamar é minha pequenez. A insignificância do escritor que não sabe a diferença de uma azaléia pruma orquídea. Diante disso, os policiais que descem o sarrafo nos craqueiros, e até os craqueiros que se apegam a um rebotalho de vida para dar suas cachimbadas alucinadas, são muito mais críveis do que este impotente que vos fala.
Que vos fala, e não age. O que me resta é o estilo. Não pretendo gastá-lo tripudiando das madames de Higienópolis “eles estão subindo”, nem tampouco apontarei mais uma vez o dedo para o doutor Dráuzio Varella. Quando Estado & Ciência operam no mesmo diapasão a merda é mais do que anunciada e conhecida. Minhas únicas certezas são o medo e a paralisação.
Mudando de assunto para falar da mesma coisa. O que é pior? Investir contra a doença ou contra o pecado?
Apóstolo Dráuzio ou Apóstolo Valdemiro? Estado & Ciência ou Estado & Religião?
No começo do ano, o Apóstolo Valdemiro Santiago inaugurou um megatemplo em Guarulhos. Vocês viram? Parou a Dutra em nome de Jesus. O caos ocorreu porque centenas de ônibus transportando fiéis estacionaram irregularmente nos acostamentos da Dutra e também da rodovia Hélio Smidt, via que dá acesso ao aeroporto de Cumbica. Fiéis com receio de perder o início dos cultos chegaram a atravessar a pista expressa da Dutra e a derrubar alguns de seus alambrados de proteção para chegar mais rapidamente ao templo do apóstolo Valdemiro chapeludo. A confusão se prolongou até a rodovia Ayrton Senna. Teve gente que perdeu voo em Cumbica, e dia 13 próximo o Apóstolo promete mais.
Para se ter uma ideia do gigantismo da “obra”, o pátio do megatemplo que tem autonomia para receber dois mil ônibus, recebeu seis mil nesse dia. A Polícia Rodoviária estuda pedir a interdição do local. Se um grupo de nóias incomoda, imaginem um exército de crentes malucos que tem o poder de congestionar a Dutra, arrebentar alambrados e de votar nos candidatos que o Jesus do Valdemiro quiser… Deus nos livre…
Se a polícia do Alckmin é truculenta (o governador esteve presente na inauguração do megatemplo), uma hipotética polícia da Igreja do Apóstolo Valdemiro mandando hereges pra fogueira seria muito mais aterrorizante. Think about it.
E se você, laico leitor, se você está preocupado com essa hipótese sombria e nem tão remota, eu lamento dizer que tem coisa muito pior vindo por aí. Não é de hoje que a religião está flertando com a ciência, pelo menos na revista Superinteressante, vivem em concubinato. Quando e se essas duas forças nefastas se encontrarem no mundo real, o estado de direito e o mundo vão acabar não somente para os nóias e os motoristas que ficaram presos no congestionamento monstro da via Dutra. Acho que nessa colisão nem o Michel Teló escapa.
Para tanto, o Cristo não precisará descer à terra a bordo de uma nave espacial, algo muito mais brega e improvável do que o sucessor de um ditador norte-coreano parecido com o Pikachu dará conta do recado. Caetano aposta num índio. Eu acho que o cara já esta entre nós e atende pela alcunha de Inri Cristo. Anotem aí.
No mundo de hoje sobra informação e falta … uma paranóia linear. Sinto uma carência danada da ameaça das bombas atômicas, das polarizações ridículas do século vinte. A música era melhor, as mulheres tinham curvas e não faziam ginástica, Jorge Amado e Roberto Campos serviam vá lá, cada um a seu modo, de oráculos, ninguém usava cinto de segurança e o Glauber Rocha não era apenas um chato. Atrás do arco-íris escondia-se um pote de ouro – o que não significava necessariamente que você teria de ser enrabado por um travesti politicamente correto. Tudo bem, não vivíamos no melhor dos mundos, mas as pessoas fumavam nos restaurantes e até o bem e o mal conservavam lá seu élan e tinham muito mais charme e verossimilhança.
Acabou. E isso aqui não é somente nostalgia besta de um tiozinho ranzinza. O que eu quero dizer é que fica difícil viver sem mentiras sinceras.
A polícia do Alckmin e os nóias da Cracolândia significam o oposto disso: são verdades chapadas, do tipo que jamais vão combinar com meu estilo mezzo Adoniran, mezzo João Gordo antes de vender milk-sheik dietético nos Shop Times da vida. Tá difícil.
O último entrave tesudo que vivemos foi a Aids. À época, reclamei. Hoje, só de birra, trepo sem camisinha e espalho o vírus como quem acredita que o beijo de despedida no táxi é o melhor remédio para curar qualquer ameaça de futuro doentio e condenado ao extermínio. O desamor mata mais do que qualquer vírus. Hoje, temos apenas a informação sem a paranoia, com a diferença de que a tecnologia existe para pulverizar o talento e o lixo no mesmo vácuo,lugar-nenhum. Me mata, me add!
De modo que ninguém precisa ser profeta ou bidú para afirmar que alguma coisa está na iminência de sair do controle. Só fazer as contas. 2011 já deu boas dicas. Algo me diz que 2012 vai ser um ano divertido e perigoso. Quem viver verá.