A inteligência nem sempre garante uma visão racional e humana do mundo, como o provam vários grandes cientistas (Heisenberg, Planck e outros) que apoiaram o nazismo, mas, lamentavelmente, a recíproca parece ser verdade: sem um mínimo de inteligência, é difícil manter-se afastado da barbárie e do revanchismo.
Ninguém mobilizou tanto, na história recente, os ressentimentos de caçadores de cabeças anencefálicos como Cesare Battisti. Seus numerosos inimigos agem de maneira totalmente anti-inteligente. Se você quer incomodar seu inimigo, o melhor é mostrar que não tem medo dele. Eu me sentiria lisonjeado se meus inimigos tivessem tanto medo de mim que chegassem a modificar as leis e a Constituição para proteger-se de pessoas parecidas comigo. Mas meus inimigos são mais inteligentes que os de Battisti: eles me ignoram.
Primeiro, foi um senador, do qual se disse que era vinculado com um certo “mensalão”, que não é o mensalão do governo e, por isso, ninguém se preocupa. Ele também é unanimemente repudiado por querer instalar na internet uma espécie de Gestapo. Este parlamentar ofereceu à Itália a possibilidade de produzir um “decreto legislativo” para anular o refúgio que o ministro Genro deu a Battisti. Esse tipo de decreto não serviria para essa finalidade, mas numa sociedade onde o Judiciário julga processos extintos, tudo é possível. Como a oferta deve ter parecido baixa aos italianos, ele propôs também uma emenda constitucional para que o asilo/refúgio fosse exclusividade do Senado. Parece, entretanto, que ninguém levou a sério o disparate.
Agora temos dois novos teratomas. Outro senador propõe um plebiscito (sim, isso mesmo), que teria lugar com as eleições municipais, para decidir “se uma pessoa condenada por crime grave pode receber refúgio” (sic!). O projeto não diz que países seriam considerados. Então, devemos pensar que refugiados iranianos, líbios e similares seriam atingidos pela medida. Não vale restringir o projeto aos países democráticos, porque são poucos os países qualificados de não democráticos. O Irã tem eleições regulares, por exemplo. Imaginemos, então, que um grupo de mulheres foge do Irã para o Brasil, após terem sido condenadas à lapidação por blasfêmia (blasfêmia é, por exemplo, duvidar que as esposas de Maomé eram virgens quando ele casou com elas). Então, o Estado deverá devolver essas senhoras para que sejam apedrejadas.
Um deputado não quis ficar por baixo e propôs algo muito menos absurdo que o plebiscito. Apenas é uma modificação inconstitucional da lei 9474/97. Segundo ele, qualquer refúgio poderia ser anulado por um pedido de extradição. Ou seja, o governo requerente estrangeiro poderá anular uma decisão do executivo nacional que, devido à Constituição, é o representante do Estado nos assuntos internacionais.
Na prática, essas medidas não têm nenhuma importância factual, embora sejam um insulto à inteligência popular. Com efeito, em 2009, o Brasil estava (em ordem decrescente) no 132º lugar, entre os países que concediam asilo ou refúgio, muito depois do Equador, Costa Rica, e até do Chile, e seguia caindo. Após o caso Battisti, perseguidos de todo o mundo não cometerão o erro de vir ao Brasil. Então, o dano contra os direitos humanos dessas propostas será, na prática, ínfimo ou nulo. Mas, mesmo assim, seria bom que os amigos italianos dessem a seus servidores brasileiros outros presentes que não fossem caixas de uísque.