Rudolfo Lago *
Logo depois do debate no primeiro turno, fiz um comentário que foi mal interpretado por alguns eleitores do presidente Lula. Lembrei que, numa reeleição, o que está o tempo todo em discussão é o atual governo. É como se fosse um plebiscito. Aos eleitores, cabe decidir se o governante merece permanecer por mais quatro anos ou se deve dar a vez para uma nova experiência administrativa. Assim, se a discussão gira inteiramente em torno do atual governo, o candidato à reeleição não teria o direito de se omitir a discutir e debater o que fez em nenhuma hipótese. Aí, disse que se Lula não estava disposto a esse debate não deveria ter sido candidato.
Disseram que eu estava querendo cassar o direito do presidente de ser candidato novamente. Não era isso. Só estava lembrando que reeleição não é passeio de fim de semana. E que o eleitor tinha de ter o direito de ter todos as informações e elementos para decidir com clareza se o atual governo devia ou não continuar por mais um mandato.
A presença de Lula no primeiro debate no segundo turno é a prova de que esse confronto direto entre os candidatos é certamente o melhor instrumento disposto pelas democracias para aferir o grau de preparo dos candidatos numa eleição. Há muito tempo – talvez desde os célebres programas de 1989 – não se via debate tão bom. Desamarrados das estacas impostas pelos marqueteiros, os dois candidatos partiram para um jogo agressivo, ousado, que ajudou a esclarecer muitas coisas. E deixou muitas outras ainda sem respostas (o que é tão ou mais revelador das condições de cada candidato do que as questões esclarecidas). E, para o caso específico de Lula, deve ser a prova de que é melhor dispor-se ao confronto do que fugir dele.
Não estou entre aqueles que apressadamente escolheram Alckmin como o vencedor da contenda. Para mim, a disputa ficou mais para empate. No máximo, o candidato tucano teve uma pequena vantagem, o que, diante do caminhão de votos que ele tem de reverter no segundo turno, não é suficiente.
A grande vantagem de Alckmin foi ter partido para a luta de forma agressiva já desde o começo do debate. Foi inesperado para quem tinha dele a imagem do candidato cordial demais e sem graça. O autêntico picolé de chuchu. Alckmin partiu para cima de Lula perguntando sobre a origem do dinheiro destinado a comprar o dossiê com denúncias contra tucanos. Deixou o presidente meio desnorteado. Lula buscou sair-se com o argumento de que o episódio ainda estava em investigação e que a sua conclusão não podia ser precipitada. Mas que, ao final, todos os culpados estariam punidos.
Alckmin deu uma resposta dura e óbvia. Se os envolvidos são do PT, se são pessoas da cúpula do partido e próximas a Lula, não seria difícil a ele esclarecer o episódio, bastava perguntar a eles. É bem mais forte do que insinuar envolvimentos de gente do próprio PSDB na história. De novo, era só juntar os envolvidos e perguntar a eles como começou a história. Além dos mais, essa história de que os petistas caíram como patos numa armação do PSDB lembra o golpe do bilhete premiado. Para cair, o sujeito tem de ser ingênuo, de fato, mas precisa também ser mal intencionado. Será que entre passar só por malandro, é melhor passar por malandro bobo?
Com a estratégia agressiva no início, Alckmin colocou Lula nas cordas no começo. O presidente, porém, se recuperou depois. E gerou também incômodos para o candidato tucano. O maior deles foi por conta das dezenas de CPIs que evitou na Assembléia de São Paulo quando era governador. Dizer que elas não aconteceram em São Paulo porque ele tinha maioria parlamentar e aconteceram no caso de Lula em Brasília porque o governo foi derrotado não serve. Os governos têm de ser transparentes. Devem poder ser investigados. Quem não deve não teme. Nem mobiliza as suas bancadas para evitar CPIs. Foi o grande ponto de Lula.
Alckmin também não foi capaz de dissipar completamente o temor por novas privatizações. Garantiu que isso não está em seu programa de governo. Mas Lula está certo: privatização faz parte do pensamento dos parceiros do candidato tucano. Por que as pessoas não teriam o direito de desconfiar que isso pode mesmo estar nos planos de quem deseja substituir o atual governo?
Mas o tucano respondeu com alguns bons golpes no presidente, que se apresentou para o debate um pouco menos preparado por sua assessoria. Na história do Aerolula, ele tomou um baile. Deve ter efeito a promessa feita por Alckmin de vender o avião milionário. E Lula podia ter passado sem a resposta que deu, classificando isso como demagogia e argumentando que Alckmin aceitara de bom grado as aeronaves que recebeu de seus antecessores no governo de São Paulo. Lula estava mal informado. Pelo menos foi o que Alckmim disse no debate sem ser contestado: como governador, ele vendeu os dois aviões que o estado de São Paulo tinha e doou um helicóptero.
Houve ainda perguntas sobre segurança, programas sociais, gestão pública, as fragilidades de um e de outro candidato. Haverá mais debates neste segundo turno. Lula e Alckmin estarão mais outras vezes frente a frente. Se foi a ausência do presidente no debate da TV Globo o fator determinante para que a eleição fosse para o segundo turno, agiu certo o eleitor. Agora, terá bem melhores condições de medir os dois oponentes e decidir a quem quer destinar a condução dos seus próximos quatro anos de vida.
* Jornalista há 20 anos, Rudolfo Lago, Prêmio Esso de Reportagem em 2000, foi repórter político de algumas das principais redações de Brasília. Hoje, é editor especial da revista IstoÉ e produz o site http://www.rudolfolago.com.br/.