Rodolfo Torres*
Fim de ano, e é sempre bom ver algo positivo para se sentir um pouco melhor. Em se tratando de filmes, a oferta é cada vez mais variada. Sempre aparecem aqueles enlatados pregando o amor, o perdão e a tolerância a qualquer custo entre os seres humanos, fazendo a velha e batida apologia à família e à propriedade, como se o fim de ano fosse o fim simbólico de alguma parte de nossas existências e precisássemos nos redimir urgentemente de alguma coisa muito grave. Bom, ao menos esses filmes existem…
Mas o que cabe relatar nessas linhas não é nenhum filme temático de festas de fim de ano, repletos de bondade e amor ao próximo. “Minhas tardes com Margueritte” (La tête en friche, 2010) chegou a Brasília recentemente e merece ser visto com, ao menos, alguma das mãos na consciência.
Em suma, a produção francesa estrelada por Gérard Depardieu retrata a vida de um homem íntimo do bullying: na escola, em casa, com os amigos, na vida em geral. O astro interpreta um bonachão sem maiores conquistas que, corroído pela tristeza de ser ele mesmo, frequenta uma praça para esquecer da vida.
E num desses encontros mágicos que o criador permite a cada um, ele conhece uma senhora solitária e elegante ao extremo, que ama a leitura. Conversa vai, conversa vem, e ela lhe apresenta A Peste, do escritor argelino Albert Camus, em voz alta. E ao invés de achar chato, o homem gosta de escutar aquela leitura.
Daí para uma revolução íntima é apenas uma questão de tempo. O vocabulário e a vida de Germain (personagem de Depardieu) começam a mudar em progressão geométrica e ele até descobre como se manuseia um dicionário.
A fita é um bom exemplo de como solidões podem se encontrar por meio da literatura. Essa arte que permite que cada um crie mundos, que sugere imagens para todos de forma individualizada, que sempre tira a paz e o sossego ao apresentar cenários diversos e roteiros possíveis, que cria solidões entre tantos e ameniza a dor de saber só na maior parte do tempo.
O filme também permite reflexões sobre relações familiares. Elegemos nossa família ou somos presos perpétuos do grupo no qual nascemos?
Sobre a parte técnica, quem sabe um ou outro ajuste no ritmo da edição no início da obra. Mas nada que não se recupere depois de poucos minutos, quando mergulhamos naquela vida sofrida demais, dolorida demais, injustiçada demais. E que todos adoram torcer para que dê certo no fim…
Filme bacaninha, para sair do cinema acreditando que o ser humano ainda tem jeito. Só não precisavam exagerar na beleza da atriz que faz par com o protagonista. Está certo que Gérard Depardieu é um dos caras do cinema francês. Mas, se é para interpretar um fracassado com veracidade, que o seja ao lado de uma mulher menos linda.
*Rodolfo Torres é jornalista