Marcelo Mirisola*
1. Igrejas
Tem alguma coisa fora do lugar quando um sujeito que é bispo da Igreja Católica diz que não acredita no holocausto. De duas, uma: ou o Deus dessa Igreja não existe ou esse Bispo é um nazista filho da puta.
Richard Williamson, o bispo, já havia sido excomungado. O Papa Bento XVI revogou a excomunhão dele e, semana passada – devido à pressão que sofreu e ao fato de ser leitor dessa coluna – resolveu dar satisfações a seu rebanho. Ficou pior a emenda que o soneto. Eu acho engraçado: como é que um cara que foi mandado pros quintos dos infernos por um Papa que já morreu e que, em tese, segundo os preceitos da própria Igreja, é “infalível”… de repente pode voltar do limbo falando um monte de bobagens em nome de uma religião da qual – até semana passada – eu fazia parte?
E o pior. Como é que tem gente que leva esses caras a sério? Por que tanta indignação quando uma besta que usa saias destampa a latrina para falar merda? O Papa e os sacerdotes da Igreja Católica – a meu ver – são tão irrelevantes e folclóricos quanto nossa monarquia. Ou será que alguém – tirando os seguidores da TFP – vai dar bola para as bobagens que o herdeiro do trono real brasileiro tem a dizer?
Imagino que deva existir uma seita em Itatiaia que venera pelos grisalhos de sovaco, seus clérigos acreditam que a pedofilia é o caminho para se chegar aos tesouros dos céus. A vida das criancinhas – para eles – está acima de tudo. Acima até da máquina de lavar roupas, que é uma santa dessa Igreja (essa santa faz milagres e atende pedidos exclusivamente de donas-de-casa). A doutrina deles condena o aborto, condena o homossexualismo e faz sérias restrições com relação a judeus e muçulmanos. Também acreditam num ser iluminado que foi parido do ventre de um tamanduá. O Papa dessa seita mora num condomínio fechado no Vale do Alcantilado. Na garagem de sua mansão ele tem duas BMWs, uma réplica da Demoiselle IV e duas virgens preservadas no interior de um Land Rover. O iluminado também gosta de pescar e, às vezes, reza missas
Pois bem, dia desses um arcebispo da Igreja supracitada excomungou um médico que fez um aborto e salvou a vida de uma menina de nove anos que foi estuprada pelo padrasto. Por que ninguém se escandalizou com a atitude desse arcebispo? Só porque ele não era da Igreja Católica Apostólica e Romana?
Esses caras são uma piada.
2. Futebol
Para que time eu torço? Vou repetir pela centésima vez. Torço para o futebol acabar. E já que minha torcida não vai surtir efeito algum, gostaria de me corrigir com relação a Ronaldinho. Não o jogador de futebol, mas o cara que ultimamente passou a levantar a cabeça, dar petelecos nos companheiros do banco de reservas e a fazer piadas nas entrevistas.
Queria falar de um Ronaldinho acima do peso, e mais humano.
Uma das coisas que mais me incomodavam no antigo “fenômeno” era o fato de ele falar aos muxoxos, olhando para baixo ao invés de encarar frente a frente as câmeras e a babação de ovos dos repórteres fofoqueiros. Desde 94 quando – ainda na reserva – ganhou a Copa mais feia da história, passando pela construção do mito, seguida da desconstrução e das cirurgias até o episódio dos travecos, sempre foi assim. Eu pensava comigo mesmo: como é que um cara que olha para baixo, resmunga lugares-comuns, batiza o filho com o nome de Ronald e casa num Castelo com uma Cicarelli da vida, pode prestar para alguma coisa? Não me dizia nada.
Esse papo de garra, vontade e determinação podia servir ao ufanismo do Galvão Bueno, a mim jamais me disse coisa nenhuma. O esporte em geral não tem argumentos que me convençam. Por exemplo, a São Silvestre. Quando era noturna, tinha seu charme.
Agora, debaixo do sol, é uma insensatez. Pensem bem: qualquer fusca modelo 81 – se o trânsito ajudar – faz o mesmo percurso com muito mais rapidez, conforto e civilidade. Por isso que repudiava o futebol que Ronaldinho jogava, por mais espetacular e fenomenal que fosse. Esse “futebol” seguia (e segue) a mesma lógica do Big Brother, a mesma receita da revista Caras: ou seja, transforma gente medíocre
Meus parâmetros sempre foram os “bandidos do futebol”. Aqueles que meu amigo Bortolotto queria ver na seleção: Chulapa, Casão, Sócrates, Paulo César Caju, Romário. Mas eu falava do Ronaldinho. Ele voltou não porque foi disciplinado e seguiu a receita do Galvão Bueno, ele não voltou da sessão de hidroterapia nem da aula de neurolinguística, também não foi ungido no altar de uma Igreja obscura e interesseira.
Ronaldinho está em grande forma, quebrando alambrados, virando jogos e fazendo gol no último minuto do segundo tempo, porque voltou da esbórnia. Isso mesmo, voltou da farra! Ele está em grande forma porque está gordo, ele é macho pra cacete porque encara três travecos de uma só vez, ele tem três filhos porque não teve nenhum com a Cicarelli, e para mim – mesmo que a sorte não o favoreça nos últimos minutos do 2º tempo – está bom demais. Só vai ficar faltando mandar o Galvão Bueno para o inferno. Se isso acontecer… é bem capaz que eu diga – da próxima vez que me perguntarem para que time eu torço – que troquei o Palmeiras pelo Corinthians.
* Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros.