Ricardo Ferraço*
É natural que, a poucos meses das eleições municipais, voltemos nosso olhar para as campanhas e articulações políticas Brasil afora. Afinal, é na condução de nossas cidades que estão os maiores desafios e soluções para o país – em termos sociais, ambientais e econômicos.
É natural também que o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal seja o centro das atenções políticas, neste momento. O que está em jogo não é apenas o destino dos 38 réus. É a transparência da nossa democracia, é o nosso modelo de presidencialismo de coalizão. Um modelo esgotado, que resolve o problema da governabilidade, mas abre brechas para o aparelhamento do Estado e negociações muitas vezes duvidosas.
Somam-se a essa agenda política os desdobramentos da CPI do Cachoeira, que ainda vai exigir uma boa dose de energia do Legislativo.
Mas nem por isso podemos relegar a segundo plano a discussão de outras questões de fundamental interesse da população, como o novo Código Penal, as mudanças no Código Florestal, os problemas da telefonia celular e o novo programa de concessões públicas.
Entre tantas matérias em pauta, chamo atenção para um assunto recorrente no Senado: o desequilíbrio do nosso pacto federativo.
Se quisermos refazer os laços de cooperação e solidariedade entre nossas unidades federadas, hoje em clima de competição acirrada, temos que desarmar uma bomba-relógio. Uma bomba pronta para explodir nos próximos meses, criando uma situação insustentável de insegurança jurídica e jogando nas costas do Supremo Tribunal Federal uma decisão cuja responsabilidade é do Legislativo.
Refiro-me ao rateio do FPE, o Fundo de Participação dos Estados, uma bolada anual de quase R$ 50 bilhões, que tem como preceito constitucional a promoção do equilíbrio socioeconômico entre os vários estados federativos.
Foi com a intenção de promover esse equilíbrio que a Lei Complementar 62, de 89, definiu que 85% dos recursos do FPE iriam para os estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, menos desenvolvidas; 15% seriam destinados aos estados das regiões Sul e Sudeste. São fixos também os coeficientes individuais de participação dos estados e do Distrito Federal.
Esses critérios já não fazem o menor sentido. Basta dizer que a situação socioeconômica de cada estado mudou bastante nas últimas décadas. Distrito Federal e Mato Grosso, por exemplo, mais que dobraram a participação relativa no PIB nacional, de 88 para cá; São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, cresceram abaixo da média nacional.
Não foi por menos que o STF considerou a atual forma de rateio do FPE inconstitucional e deu prazo até o final deste ano para a definição de novas regras pelo Congresso Nacional.
Ora, não podemos reviver o clima de confronto aberto que tem marcado esse tipo de decisão no Senado – basta lembrar os embates calorosos em torno da questão dos royalties do petróleo e do ICMS sobre importados.
O interesse nacional e o pacto federativo que tem sustentado a soberania brasileira ao longo de quase dois séculos não podem ser submetidos aos interesses particulares – e muitas vezes conflitantes – de cada um.
Já estão tramitando no Congresso vários projetos para mudar as regras do FPE. Um deles, de minha autoria, leva em conta o tamanho territorial e a população de cada unidade federada, além da renda domiciliar per capita. Prevê a divisão igualitária de uma parte do FPE e a criação de um fundo de estabilização, que deverá contribuir para a disciplina fiscal dos estados.
Para compensar eventuais prejuízos, a solução seria aumentar o bolo de recursos do FPE, por meio de uma emenda constitucional. Em vez de destinar 21,5% da arrecadação dos impostos sobre a renda e sobre produtos industrializados para a formação do fundo, a União, que tem base tributária muito mais elevada que a dos estados, destinaria 22,5% desses tributos para o FPE.
Minha proposta, assim como as demais, pode e deve ser aperfeiçoada. O que não podemos é deixar a cargo da Justiça uma decisão dessa envergadura. É nossa obrigação retomar o protagonismo legislativo que nos foi concedido pela Constituição e pelo poder do voto.
Nunca é demais lembrar que os recursos do FPE chegam a representar mais da metade da receita de muitos estados. Ou seja, estamos diante de um debate decisivo para os rumos da economia de boa parte de nossas unidades federadas.
*Senador pelo PMDB/ES