Ednarte Mirelo*
Meu amigo é abonado gerente de um grande banco. Bom pra ele, bom ainda mais pro patrão a quem ele serve. Mas ai de nós, clientes. O amigo-gerente diz que sou exigente e chato – e tem razão –, mas a verdade é que, com os banqueiros que temos no país, só me resta torcer para essa raça ter um 2009 extremamente infeliz. Só assim os pobres clientes teriam um pouco mais de sossego.
Peço licença para gastar sua paciência e mostrar como os banqueiros merecem sofrer muito neste ano que se inicia. E o exemplo sou eu mesmo, num desabafo em que prometo abrir o coração e até o bolso, se, até o final da escrita, os bancos não levarem minha última moeda.
Como não desejar um 2009 trágico para o setor financeiro se, mesmo não sendo um exímio devedor do cheque especial, sempre arranjam um jeito de me tomar mais um? Lembram-se daquele incrível plano de redução das taxas bancárias, anunciado com pompa pelo governo e lançado em março do ano que se foi?
Pois não é que inventaram um jeito de compensar a diminuição no número de tarifas? Olhe você mesmo, como eu olhei no meu extrato: a cada seis meses aparece a chamada “tarifa de manutenção de cadastro”. Se eu já pago uma tarifa mensal, o que seria isso?
Sentado num ônibus, telefonei para famigerada instituição financeira em que mantenho a conta ao menos para receber o salário.
Depois de argumentar bastante com o atendente para entender o que seria aquela estranha cobrança, conseguimos chegar a uma conclusão objetiva. A tarifa de manutenção de cadastro é o aluguel semestral que eu pago ao Banco “A” [droga! por razões contratuais com meus patrocinadores do mercado financeiro, sou proibido de revelar o nome dos espertinhos] para manter algumas folhas de papel com meu nome, endereço, telefone e xerox do RG ocupando alguma prateleira na agência.
Tão simples quanto tão justo! Afinal, se eu pago R$ 16 por mês ao banco, por que não haveria de dar mais R$ 22,50 a cada seis meses ao banco? Viva a mão invisível do mercado.
E eu que não ouse pensar que isso me dá direito a fazer “operações extravagantes”, como emitir um DOC ou abusar da boa fé dos banqueiros, sacando meu dinheiro mais de quatro vezes por mês. Para tudo isso, uma cobrança extra, claro.
* * *
Pensei que apenas meu banco fosse ruim, mas descobri que a concorrência também faz a clientela gemer. Caí na bobagem de exigir de volta R$ 700 que eu e meu pai havíamos pago a um consórcio de automóveis anos atrás. E o bendito consórcio pertencia a um banco.
– Fica tranqüilo, seu Zizo, porque, se o senhor desistir do consórcio, daqui a quatro anos pode requerer tudo de volto. Isso está na lei e é garantido – disse o vendedor ao meu pai. Ah, se fosse fácil!
Como disse, caí na bobagem e pedi a devolução do dinheiro pago quatro anos atrás. Imaginei que, com a correção monetária e algum eventual desconto, iria receber o mesmo valor. O pilantrinha do Banco “B” [droga de contrato!] me repassou míseros R$ 180.
Inconformado, fiquei pendurado à toa nos ineficientes 0800 oferecidos para suposto “atendimento” ao cliente. Sem solução, apelei ao chamado Juizado Especial Cível – que deveria ser mais rápido que a Justiça Comum. Oito meses depois, eis a sentença. A juíza mandou o banco a devolver-me R$ 500.
Fiquei feliz igual criança com doce na mão em 12 de outubro. Ainda que o valor fosse pequeno, havia dado uma “surra” no sistema capitalista opressor, que pensa poder tudo. A Justiça eles não dobram, imaginei, ingênuo.
Qual nada! O pilantrinha do Banco “B”, que lucrara R$ 7 bilhões em 2007 recorreu de uma sentença de R$ 500. Haja murrinhagem. Pior que isso: ligou três vezes para minha casa para me oferecer um cartão de crédito daquele banco, como se nada houvesse acontecido. Pagar o que me devem…
O processo aguarda decisão da Turma Julgadora. Há seis meses. Minha raiva agora é dom ?o Judiciário.
***
E o que dizer daqueles que deveriam nos ajudar a comprar uma casa própria? Deixamos de pagar aluguel, garantimos alívio nas contas, chamamos os amigos para comer churrasco e galinhada com pequi em casa e, de quebra, movimentamos a economia aquecendo o mercado da construção civil, o emprego de pedreiros, serventes e engenheiros e jurinhos dos banqueiros-santinhos…
Para tudo isso, deveria haver o chamado crédito facilitado. Quem tem o nome limpo pode pegar o dinheiro porque vai pagar, certo? Hummmmm…
Fui iniciar minha obra. Fui ao Banco “C” [eu vou rasgar esse contrato imbecil um dia!], onde os juros deveriam ser menores. Sabe o que os malandrinhos me disseram? Que mesmo que eu tivesse espaço no orçamento, não poderia pegar o dinheiro porque eu deveria ter todas – repito: todas! – as minhas despesas principais contidas em 30% da minha renda.
Ah, claro! Se eu tivesse com 70% do meu salário livre não precisaria de empréstimo. Eu mesmo tocava a obra.
O gerente me deu duas soluções: arranjar um contracheque maior (!) ou antecipar minhas dívidas que ainda não tinham vencido. Quis chamar um advogado, mas estava tudo na legislação do Banco “C”. É, camaradas, ao inimigos, a lei.
Desisti e obedeci ao gerente. Vendi as bugigangas lá de casa, fiz bicos, cobrei dinheiro que tinha emprestado e arranjei uma graninha, uns R$ 2 mil. Com ela, paguei todas as prestações do meu carro que só iam terminar em julho de 2009. Só isso? Depois, recorri a amigos e parentes. Arranjei mais R$ 2 mil e paguei todas as mensalidades de 2008 que a faculdade da mulher ainda nem havia cobrado.
Afinal, depois de muita espera, saiu meu empréstimo. Mas o Banco “C” [patrocinadores cruéis, morrei!] disse que só poderia me liberar o dinheiro se eu abrisse uma conta lá. “Tudo bem”, respondi. “E tem que fazer um cartão de crédito para você e para sua esposa também”, disse o gerente.
O quê? Queriam acabar com minhas dívidas com os outros, sim, mas para eu me endividar com eles. Aí é fácil, Genésio! Aí é mole, Genésio! Até eu, Genésio! Até eu!
* * *
Mas agora é ano novo, vida nova e, com essa fusão entre os bancos, tudo vai ser diferente. Disso eu tenho certeza. Vou quebrar meu cartão de crédito que me obrigaram a fazer. Também vou jogar no lixo os outros cartões que me mandaram pelo Correio.
E vou continuar desconfiado dessas pessoas que fazem a gente sofrer, mesmo quando rejeitamos viver endividados no cheque especial ou no crédito consignado – uma modus vivendi que só beneficia os banqueiros e ainda tira a nossa credibilidade.
Ah, eu paguei o empréstimo que tomei com os amigos. Valeu, décimo-terceiro.!
E que em 2009 nós, os cidadãos com vergonha na cara, sejamos muitos felizes.
E que os banqueiros baixem as portas de suas biroscas, todos falidos.
Observação: As assessorias de imprensa dos bancos não-citados neste texto foram procuradas, mas nenhuma quis me responder. Ótimo!
*Ednarte Mirelo, resmungão e jornalista, não está pendurado no cheque especial ou no crédito consignado, mas, mesmo assim, se sente indignado