É dever deste colunista, que acompanha a política em Brasília há 25 anos, alertar que as coisas podem degringolar seriamente na relação da presidenta Dilma com sua base de sustentação. Quem avalia que é algo extremamente positivo Dilma reagir de pronto às denúncias de corrupção no seu governo, afastando os responsáveis e mandando os ministros se explicarem no Congresso, está coberto de razão. É positivo mesmo. É uma coisa inédita e inesperada numa relação que tem se revelado extremamente promíscua desde a redemocratização do país, no governo José Sarney. Mas essa postura tem seus preços. E Dilma está começando a pagá-los. Ela estabeleceu uma queda-de-braço com a sua base. Pode não ter força para vencê-la. Manter um governo em crise política permanente, por mais que em nome de uma postura louvável, é arriscado como andar numa corda bamba. E sem rede de proteção.
Ontem (10), o que se discutia no Congresso era o efeito da crise política na pesquisa CNI-Ibope, que mediu a popularidade do governo. Ela, sem dúvida, ainda é alta, mas não se pode considerar insignificante a queda que se verificou. Na rodada anterior, o governo era considerado ótimo e bom para 56%; esse percentual caiu para 48%: são oito pontos percentuais. A aprovação da própria Dilma era de 73%; caiu para 67%: menos seis pontos percentuais. Quem considerava que ela vem fazendo um governo tão bom quanto o de Lula formava 64%; agora soma 57: menos 7 pontos percentuais. E a confiança em Dilma caiu nada menos que 9 pontos percentuais: de 74% para 65%.
Assim, não parecia ontem, com os dados da pesquisa à mão, continuar considerando prudente a avaliação anterior da presidenta de que ela tinha total apoio da opinião pública para fazer a tal “faxina” nas áreas corruptas de seu governo. Apoio para isso, é evidente que ela tem. Mas, por outro lado, fica difícil manter a popularidade de um governo em crise crônica.
“É claro que ela está correta em mostrar que reage a denúncias de corrupção, mas não pode fazer isso às nossas custas sem achar que isso não terá consequência. E, para a opinião pública, deve ficar pelo menos uma pulga atrás da orelha: ué, não foi ela que escolheu essa gente?”, avaliou um importante senador governista, em conversa no jantar de lançamento da edição 2011 do Prêmio Congresso em Foco, que aconteceu ontem (10) à noite.
O que impressiona é que praticamente tudo o que aconteceu começou por impulso do próprio governo. É louvável que Dilma não aja como fazia Lula, que punha toda e qualquer denúncia na conta de uma certa “imprensa golpista” (o que lhe era muito conveniente para não tomar atitude nenhuma, era perseguição política e pronto). Mas o fato é que a maioria dos escândalos que aconteceram foram movidos pela iniciativa do governo, e não propriamente da imprensa.
Só o primeiro deles, que derrubou Antonio Palocci da Casa Civil, teve origem na imprensa, e não no governo. Foi a matéria da Folha de S. Paulo que mostrava o enriquecimento de Palocci no período em que foi coordenador da campanha de Dilma e depois do governo de transição. A crise nos Transportes começou com o alerta da ministra do Planejamento, Mirian Belchior, e o pito de Dilma quanto aos desvios e superfaturamentos no setor. A revista Veja soube do pito, mas a bronca já tinha acontecido. As coisas começaram a sair nos jornais, mas a decisão de Dilma de fazer uma “faxina” na área não é reação às notícias, a determinação já existia. O caso do Turismo já vinha sendo bem noticiado desde o governo Lula, inclusive por este Congresso em Foco. Mas o escândalo foi investigado pela Polícia Federal, com o aval do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e, possivelmente, com algum conhecimento da própria Dilma.
E há a parte da crise na relação com a base que não está diretamente relacionada aos escândalos. Dilma não dá tarefas relevantes ao vice-presidente Michel Temer, e ventila que não confia nele. Mostra certo desprezo por alguns ministros, caso de Pedro Novais, do Turismo, que ela só recebeu em audiência uma única vez.
Não cabe aqui fazer qualquer tipo de avaliação sobre se Temer é alguém digno de confiança ou se Pedro Novais tem alguma coisa relevante a dizer num despacho com a presidenta. O que ocorre é que Dilma aceitou Temer como seu vice e – sendo de quem seja a indicação – nomeou Pedro Novais ministro.
O que os partidos começam a reclamar nos bastidores é que Dilma aceitou a lógica do velho toma-lá-dá-cá da política ao ser candidata à Presidência. Ela não pode dizer que não sabia qual era o cálculo que faziam PMDB, PR ou mesmo parte do PT ao dar apoio a ela. Não pode dizer que não sabia que tais partidos pensavam no loteamento de poder e verbas que caracteriza a relação entre eles e o governo desde a redemocratização. E não pode, assim, achar que, uma vez sentada na cadeira do gabinete presidencial, ela pode simplesmente decidir que a regra do jogo mudou. Se era assim que ela queria, deveria ter se apresentado dessa forma para a disputa, correndo o risco de perder certos apoios partidários mas, talvez, contando com votos do eleitorado para se impor a isso. Quem entrasse no barco, saberia desde a campanha que tinha mudado o tal jogo da “governabilidade”. Marina Silva fez esse discurso (ainda que, agora, isso pareça não se verificar tão sincero da parte do PV).
Seria muito bom se um governante tivesse um dia a popularidade e a força para mudar a forma da relação política brasileira com o poder. Mas talvez esse governante não seja Dilma. Porque, para se eleger, ela se cercou de gente que não pensa assim. E eles estão em maior número do que ela.