Adalberto Piotto *
Foi movido por duas razões que me afastei temporariamente do jornalismo para ir ao cinema e filmar o “Orgulho de Ser Brasileiro”, um documentário que ousa discutir este país e seu povo pra valer e de forma inovadora, olhando pra frente, sem ideias pré-concebidas ou discutindo-as à exaustão. Era e é preciso avançar no debate.
Longe de buscar a genialidade da sétima arte como diretor e produtor, apostei apenas em um novo caminho para provocar livremente o pensar sobre o Brasil e sua sociedade, ambos carentes de discussões honestas.
O uso indiscriminado e sem lastro da frase sobre o tal ‘orgulho de ser brasileiro’, propriamente dito, gritada e falada de todo jeito a toda hora sempre me incomodou. Essa oscilação do sentimento de orgulho de ser deste país por parte das pessoas, que ora consideram-no maravilhoso, ora o lugar mais malfadado do mundo não poderia nos fazer bem porque, convenhamos, não somos nada que o ufanismo desperta nem o que a crítica ácida pretende. Somos, sim, um país inteiro por mostrar, sem vergonha de ser feliz, o que faz bem e por corrigir, com coragem, o que temos de ruim, de errado, de terceiro-mundismo. Simples assim.
A segunda motivação para ir adiante com o projeto veio de uma sensação pessoal de estarmos perdendo tempo, de estarmos patinando na hora de discutir os nossos problemas. Confesso que sofro desse receio de, ao não discutirmos a fundo os nossos problemas atuais hoje, indo até o fim, corrigindo as distorções, corremos o sério risco de daqui a 20 anos estarmos discutindo as mesmas coisas diante de situações ainda mais graves, o que será prova inconteste de nossa incompetência contemporânea. Aliás, há quanto tempo discutimos escola, saúde e segurança públicas neste país sem que avanços reais, compatíveis com a nosso gigantismo e soberba econômicos, tenham sido vistos e assegurados à maioria da população?
Não creio precisar explicar tudo isso uma vez mais aos brasileiros. Não preciso apresentar os infortúnios de nossas políticas públicas a nós mesmos. Basta que cada brasileiro, cada um de nós, com um mínimo de sobriedade, olhe ao redor e veja o quanto nos devemos em cidadania e qualidade de vida e o quanto postergamos a solução por absoluta falta de querer resolver. E desta vez por única e exclusiva culpa nossa.
O banco da praça sujo por falta de educação, a escola ruim, o rio poluído, a praia com o aviso de “imprópria para banho” na orla central, o medo de sair à noite, de dia, os hospitais com corredores de pós-guerra num país pacífico (pacífico?) não são mais culpa da colonização portuguesa, dos ingleses, dos holandeses, dos alemães, dos norte-americanos, etc. Não em 2013! Acabou a alegria pretérita de culpar os outros pelas nossas mazelas presentes. Somos o que somos por nós mesmos. Prova disso é que o lixo jogado numa rua brasileira não foi um argentino quem jogou. Foi apenas e tão somente um de nós. É fato! E baseado num argumento desonesto que sempre constrói retóricas convenientes para nunca termos de assumir nossa culpa, nossos deveres. A culpa sempre é de quem nos colonizou, nos invadiu, nos influenciou, nos inveja como se fôssemos os inocentes mais espertos do mundo. Não somos inocentes e nossa esperteza nos engole.
Foi por tudo isso que não me dei o direito de fazer mais um filme que explorasse a autoflagelação tupiniquim, a miséria brasileira, um “favela-movie”, como se chama esse tipo de filme no mundo do cinema. E mais uma vez por duas razões. Primeiramente porque esse tipo de filme, por bem intencionado que seja, não funciona mais. Pobreza parece não comover tanta gente neste país. As pessoas assistem a um favela-movie, se sensibilizam ou não na sessão, mas no dia seguinte volta tudo ao normal sem que nada mude consideravelmente na percepção ou na ação delas. Não há avanço. Além disso, não gosto muito desse fetiche de mostrar a tragédia social brasileira para se auto-incensar como alguém que teve consciência e “denunciou” a realidade do país.
Sem incensos ou pretensões, o jornalismo já faz isso diariamente com muito mais agilidade ao expor tudo o que impede este país de avançar. Como brasileiro, quero a busca da solução do bem-estar social, não a exposição infindável do problema. Incomoda-me esse estilo disfarçado de nobreza cinematográfica que, inconsciente ou não, ao mostrar a miséria das periferias sem propor e buscar a discussão com quem pode dar novo sentido àquilo, não inova, repete uma fórmula cansada e parece sempre querer culpar os pobres pelo Brasil ainda não ter dado certo na sua plenitude. Soa a preconceito o uso de pessoas como personagens de pretensões intelectuais.
Isso me remete à segunda razão de inovar na narrativa, na forma e em tudo o que me permitisse ir além no filme. Era preciso perguntar a quem ascendeu no Brasil se ele ou ela tem orgulho deste país. Envolver a classe média pensante, influente e sempre criticada por ser ausente na discussão real de vivente e não de sobrevivente. Na minha tese, com esses brasileiros lá e reclamando de coisas semelhantes, juntaria o Brasil nas mesmas reivindicações, uniria o país do apartheid social para pedir o mesmo: cidadania coletiva.
Por isso, entrevistei no filme brasileiros que já se expuseram ao defender posições polêmicas publicamente e que de alguma forma tiveram sucesso em suas vidas pessoais. Isso era essencial para que eu tivesse a certeza de que diriam a verdade quando lhes perguntasse: “você tem orgulho de ser brasileiro?” e para agregar esse outro lado do Brasil pouco ouvido.
E consegui isso. Os meus 16 entrevistados entre políticos, intelectuais, artistas, profissionais liberais e acadêmicos, cada um com suas aspirações, desejos, limites, convicções, dúvidas ou teses, estão no filme com o que chamo de honestidade intelectual absoluta. Ao discutirem pra valer o Brasil, sua brasilidade, a brasilidade do vizinho, a de 200 milhões de brasileiros, geram no espectador concordâncias e discordâncias. É do debate. E uma vez que isso aconteça, esse mesmo espectador discutirá uma opinião baseada na verdade, no que aquele entrevistado realmente pensa. Isso é um formidável avanço num país onde parte considerável das discussões é de mentira.
O Orgulho de Ser Brasileiro é um filme pra valer, de verdade, que pretende provocar o debate real sobre este país e sua gente, que olha pra frente tendo pleno conhecimento do seu passado.
Não fiz um filme para apresentar o Brasil aos brasileiros. Conhecemos o país que somos.
Fiz um filme pra discutir o país que vivemos e que vamos perpetuar às próximas gerações.
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O filme será exibido gratuitamente, nesta terça-feira (10), na capital federal, em evento promovido pelo CIEE no auditório Jacob Germano Galler da casa Thomas Jefferson, SGAN 606, Bloco B, Brasília, às 18h30, com a presença do diretor Adalberto Piotto que participará de debate logo após a exibição. Inscrições gratuitas e obrigatórias pelo site www.ciee.org.br/portal/apoio/eventos .
*Adalberto Piotto é jornalista, diretor e produtor do documentário “Orgulho de Ser Brasileiro” lançado em 2013.