Osvaldo Martins Rizzo*
Professores do Instituto de Física da USP, no início da década de 1970, ilustravam suas aulas com uma anedota sobre como a realidade pode ser entendida de maneiras distintas por vários observadores.
A chalaça contava que, com os olhos vendados, três pessoas eram colocadas próximas a um elefante só podendo tocá-lo com as mãos. Em seguida, lhes era pedido para que descrevessem o animal. A primeira relatou que o paquiderme seria gigantesco, baseado no tamanho de sua orelha. O quadrúpede parecia o tronco de uma árvore, para a segunda. Já para a última, o bicho era uma corda que, quando puxada, despejava sobre a cabeça de quem a tocara uma grande quantidade de excrementos fétidos.
O atual governo brasileiro, segundo alguns observadores, se parece com o elefante descrito pelos cegos daquela antiga piada.
Queixando-se do enfraquecimento das Forças Armadas, e incomodado com o desconforto criado pela estéril provocação de uma pequena facção política dita progressista – fomentadora da reabertura do debate sobre a punição àqueles indivíduos acusados de praticarem o crime hediondo de torturar compatriotas durante o regime militar –, o general reformado Sérgio Augusto de Avellar Coutinho, em franco desabafo, declarou que o governo está “a um passo de fazer a revolução socialista” (Valor Econômico, de 08/08/2008).
Por sua parte, o fundador da TFP (a organização da direita radical “Tradição, Família e Propriedade” apoiadora dos golpistas de 1964) e empresário do ramo da construção civil especializado em vender luxuosos imóveis para os ricaços paulistanos, Adolfo Lindemberg, exclamou “nenhum governo militar ou civil foi tão liberal quanto o governo Lula. Tem sido maravilhoso!” (Gazeta Mercantil, de 17/04/2008).
Com se vê, dois dignos representantes do ultra-conservadorismo nacional descrevem o atual governo brasileiro de maneira diametralmente oposta.
O general aposentado enxerga a iminência do estabelecimento de uma nação coletivista ameaçadora das liberdades individuais, semelhante àquele insuportável inferno sindical do período do pré-golpe retrógrado que impôs a ditadura militar pisoteando o frágil movimento progressista de então. Já o homem de negócios vê a maravilhosa existência de um inédito paraíso capitalista; liberal e facilitador da individualista atuação empresarial na busca do lucro.
Qual dos dois precisa desvendar os olhos para entender o que é um elefante? Ambos!
É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que o Brasil se tornar socialista. A desigualdade social campeia e a africana distribuição da renda nacional continua sendo uma das piores do mundo. Contemporizando a situação miserável, os institutos de pesquisa usam um critério consumista para classificar pobre como membro da classe média, pois basta consumir pra ser cidadão.
Apesar dos recentes progressos, o estágio do desenvolvimento capitalista de natureza liberal ainda é muito precário, nesta terra descoberta por Cabral. A forte intervenção governamental prossegue se fazendo presente em todos os segmentos da iniciativa privada, e a carga tributária relacionada ao PIB é uma das mais pesadas quando comparada com outros países emergentes. A estrutura oligopolista da oferta dificulta o combate à inflação ao bloquear o funcionamento do livre mercado, tendo como agravante a indexação dos preços administrados.
Ocorre que, sem ter obtido nas urnas a maioria congressual para poder exercer o poder conquistado pelo voto, o atual governo teve de se coligar com forças políticas representativas dos mais variados interesses corporativistas. Para isso, conciliou, ao aderir ao modelo econômico herdado do antecessor, e perdeu autenticidade. Sem nunca ter tido uma proposta revolucionária, ao chegar ao poder, o partido governista perdeu sua característica reformista tornando-se semi-continuísta, ou um elefante descrito por cegos.
*Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-Conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).