O ano de 2010 marca o fim da década, logo balanços e listas se tornam inevitáveis. Pensando nisso, caiu a ficha: usando o critério crítico geracional (as gerações de autores se sucedem a cada 30 anos), em 2010 já se pode fazer uma avaliação da geração de escritores da década de 1980.
E na geração 70/80 (a minha) surgiram cerca duns 400 novos autores! Para se ter uma idéia, em 1976, só a Editora Ática (na época, investindo massivamente em ficção nacional; lembram as famosas capas do Elifas Andreatto?), na coleção Nosso Tempo, publicou cerca de 75 títulos de autores inéditos. E onde estão esses caras hoje?
Dos quatrocentos escritores emergentes daquela época, trezentos e setenta e cinco desapareceram por completo, porque hoje, trinta anos depois, só restam aí uns vinte e cinco, sem contar os poetas, os mortos ou ambos, tipo Leminski, Ana Cristina César…
Porque não se trata de fazer sucesso ou vender ou ganhar prêmios ou concursos ou bolsas ou petrobrases, não se trata nem de publicar muito, trata-se de escrever uma obra – pode ser apenas uma – realmente significativa, que faça diferença, que penetre o imaginário e se instale na memória profunda das gerações subsequentes. E esse critério inclui o equivalente inverso: o conjunto da obra é que se torna representativo. É o caso do escritor que publica constantemente e, pelo conjunto produzido, define um estilo, uma marca inconfundível.
Aliás, nessa categoria, de imediato posso citar três e todos gaúchos: Luís Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar e João Gilberto Nöll – este menos prolífico, todavia, mais complexo, dum nível técnico-estilístico refinadíssimo.
Tal critério – a obra exemplar ou o conjunto de obras – consagrou nossos grandes escritores, claro, incluindo os gênios – o autor de várias obras fundamentais – a exemplo de Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Osman Lins, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Érico Veríssimo, Mário de Andrade, etc. Mas a propósito, e citando o próprio Mário de Andrade: Uma grande literatura nacional não é feita de gênios porque o gênio aparece em qualquer lugar, até no deserto de Gobi, uma grande literatura nacional é feita por muitos escritores médios.
Agora, voltando à geração de 70/ 80, pinçando só os prosadores, lá vão (por ordem alfabética): Antonio Torres, Caio Fernando Abreu, Deonísio da Silva, Domingos Pellegrini Jr., Hilda Hilst, Ignácio de Loyola Brandão, Ivan Ângelo, João Antonio, João Ubaldo Ribeiro, João Gilberto Nöll, João Silvério Trevisan, a primeira Lya Luft, Luiz Vilela, Luís Fernando Veríssimo, Márcia Denser, Marcio Souza, Moacyr Scliar, a primeira Marina Colasanti, Nélida Pinõn, Roberto Drummond, Rubem Fonseca, Raduan Nassar, Reinaldo Moraes, Roniwalter Jatobá, Sonia Coutinho, Silvio Fiorani, Sérgio Sant’Anna, Silviano Santiago, Tânia Faillace, Wander Piroli.
Taí, 30 escritores, digo, 25, porque cinco já estão mortos: Caio F., Hilda Hilst, João Antonio, Roberto Drummond e Wander Piroli.
Quero assinalar que esse critério não diz respeito à idade dos escritores, mas à época em que foram consagrados graças às suas obras, ou seja, as décadas de 1970 e 1980. Razão pela qual não incluí, por exemplo, Milton Hatoun ou Cristovão Tezza, uma vez que suas obras mais relevantes foram publicadas a partir de 1990.
O teste do tempo – posteridade deve ser isto – é algo absolutamente fora do nosso controle. By the way: aguardemos em 2020 o inventário da geração de 90.
Faz tempo, mas lembro de ter lido um artigo do José Castello onde este faz aquela defesa envergonhada de Lya Luft (se é que eu ainda sei ler no subtexto) “que só porque a coitadinha agora vende, dá-lhe inveja de quem não vende” e etc., nessa linha. Cruzes, Zé, não é que ela botou o título de “Ônus” num dos tais poemas que você defende com tanta galhardia?
A propósito, tudo isso me lembra DEMAIS o grande problema que Marcos Rey criou (e o amargurou nos últimos anos de vida, sei disso porque éramos amigos) ao vender milhões de livros infanto-juvenis e – duma forma que ele não previa – comprometendo seriamente a recepção da sua verdadeira literatura adulta, que havia dado títulos como O Enterro da cafetina, Traje a rigor, O pêndulo da noite, O bar dos cento e tantos dias, Mustang cor-de-sangue, Eu e meu fusca, etc. A verdadeira obra incorporada à tradição literária (mas que pouco vendia).
E hoje? Quem se lembra dos seus livros infanto-juvenis? (que pena, tão vendidos!) Um deles, se me lembro, chegou a cinco milhões de exemplares.
Pois é, Castello, é natural que você defenda “a letra morta” (deve ser esse o Ônus da Lya) posto precisar de defesa, é compreensível, porque “a palavra viva” tem valor e substância por si mesma, logo não há porque defendê-la, não é mesmo?
A palavra viva vence o tempo.
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