O acidente com o avião da TAM, em São Paulo, nesta terça-feira, o mais grave da história da aviação civil na América Latina (leia mais), com cerca de 200 mortos, acirrou os ânimos políticos: a oposição acusa diretamente a ineficiência do governo e sua parcela de culpa no desastre – o segundo de grandes proporções em menos de dez meses.
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), relator da CPI do Apagão Aéreo do Senado, passou todo o dia de ontem (quarta, 18) em São Paulo, onde concedeu entrevista coletiva no Aeroporto de Congonhas (leia mais).
Ao Congresso em Foco, por telefone, o senador fez uma cobrança ao governo que, segundo ele, não tem nenhuma “coordenação”. “O ministro [da Defesa, Waldir Pires] é extremamente incompetente. Tem um passado bonito, mas ele não dá conta. Só abre a boca para falar bobagem”, disparou.
Para Demóstenes, é inadmissível o fato de o ministro, em vez de ir a São Paulo, ter ficado em Brasília, tentando administrar a crise de longe (leia mais). Waldir Pires designou para acompanhar as perícias no Aeroporto de Congonhas o major-brigadeiro Jorge Godinho Barreto Nery, assessor especial da pasta. Questionada, a Defesa informou que “o mais adequado é o ministro ficar coordenando de Brasília”.
“Esse Demóstenes sabe de tudo. O que eu menos quero agora é ouvir político dando entrevista. Quero ouvir quem usa farda e tem responsabilidade sobre o acidente”, rebateu um dos vice-líderes do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), que afirmou ter perdido vários amigos no acidente, entre eles o deputado Júlio Redecker (PSDB-RS), para quem disse ter ligado no último sábado, para parabenizá-lo pelo aniversário de 51 anos.
Beto ressaltou ainda ser lamentável explorar o fato politicamente, mas cobrou uma reposta em “curtíssimo prazo” da Aeronáutica.
O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, questionou também a ausência de Lula no local do acidente. Segundo ele, esse fato “é uma demonstração do descuido e da irresponsabilidade com que o setor aeroportuário vem sendo tratado”. Em nota, ele acrescentou: “Quando acidentes de grandes proporções ocorrem, os presidentes ou chefes de governo vão rapidamente ao local prestar solidariedade, liderar buscas e resgates de vítimas. A ausência dele é um mau sinal”.
Lula passou toda a quarta-feira em Brasília. Pela manhã, fez uma rápida cirurgia na pálpebra. À tarde, despachou no Palácio da Alvorada, onde recebeu relatos do brigadeiro da Aeronáutica, Juniti Saito, que está em São Paulo, e recebeu ministros.
CPIs
A CPI do Apagão Aéreo do Senado destacou o delegado Renato Sayão Dias, da Polícia Federal, para acompanhar a perícia sobre o acidente. Sayão foi o responsável pelo inquérito sobre a colisão entre o boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro do ano passado, quando 154 pessoas morreram.
Já a comissão de inquérito da Câmara decidiu trabalhar durante o recesso parlamentar, que começou oficialmente ontem. Em encontro no Aeroporto de Congonhas, os deputados decidiram se reunir amanhã, em Brasília, para votar procedimentos sobre as investigações. Eles também vão decidir o que fazer nos próximos dias. O depoimento de autoridades, contudo, deve ocorrer em agosto, quando as atividades no Legislativo serão retomadas.
Há, todavia, um racha entre as comissões. Apesar da gravidade do problema, elas vão continuar trabalhando separadas. “Não há nenhuma ligação. Cada uma está para um lado”, admite Demóstenes Torres.
A divisão ocorre também entre os próprios deputados que integram as comissões. Muitos dizem ser impertinente a CPI iniciar a investigação quando técnicos ainda iniciam as perícias. Para Renato Casagrande (PSB-ES), vice-presidente da CPI do Apagão Aéreo do Senado, é preciso dar prazo para que as investigações preliminares sejam concluídas.
O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), integrante da CPI da Câmara, já prevê os desdobramentos políticos do acidente e acredita que a comissão não deve tomar nenhuma atitude enquanto não ficar pronto o relatório sobre as causas do desastre. "Algumas pessoas já fizeram julgamentos e comentários colocando a culpa no governo. Não podemos fazer nenhum julgamento político", disse o congressista, que está em uma missão especial da Câmara em Genebra, na Suíça.
Comissão Representativa
É possível, contudo, que a Comissão Representativa do Congresso – composta por um grupo de deputados e senadores e que é formada todo o ano durante o recesso parlamentar – se reúna na próxima semana para debater algumas medidas sobre a tragédia. O deputado Raul Jungmann (PPS-PE), um dos membros, protocolou ontem pedido para que a comissão ouça o ministro da Defesa, Waldir Pires, o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, e o presidente da Infraero, José Carlos Pereira.
O presidente do Congresso – e do Senado –, Renan Calheiros (PMDB-AL), autorizou a convocação da comissão representativa para discutir o acidente com o avião da TAM.
O deputado Miguel Martini (PHS-MG), membro da comissão de inquérito e ex-controlador de vôo afirma que não há como separar o acidente de Congonhas da crise aérea, que teve início depois do acidente de setembro do ano passado.
“É claro que é uma conseqüência. É falta de comando e de planejamento”, diz. O parlamentar, contudo, avalia que não dá para culpar apenas o governo Lula por todas as mazelas do setor. “Isso começou em 1999, 2000, durante o governo Fernando Henrique, quando houve uma descentralização dos órgãos do sistema aéreo. Perdeu-se o comando”.
Miguel Martini também faz o seguinte questionamento: “No início da crise, falaram que era culpa dos controladores de vôo. Depois, que o problema era com a Aeronáutica e Infraero. E agora, vão falar que é de quem?”.
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