Na retomada da votação do pacote de medidas para combater a criminalidade, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deve examinar hoje (25) projeto de lei que obriga todos os presidiários a trabalharem para pagar a alimentação recebida nas penitenciárias.
A proposta prevê que os detentos produzam o “seu próprio sustento alimentar” sem receber remuneração por isso. Mas especialistas e técnicos do Senado ouvidos pelo Congresso em Foco alegam que a obrigatoriedade prevista na proposta pode configurar trabalho forçado, o que seria inconstitucional.
Na justificativa de seu projeto, o senador Marconi Perillo (PSDB-GO) diz que o objetivo é criar mais uma modalidade de trabalho nos presídios – além da produtiva e educativa. “Os presos passam a ser obrigados a produzir seu próprio sustento alimentar, o que contribui para reduzir seu alto custo para o Estado e para agregar valor social ao cumprimento da pena”, diz o tucano.
“Eles estão num hotel de luxo e não pagam por isso. Hoje o conforto do preso é grande”, completa o assessor técnico do senador, responsável pelo PL 155/07, Marcos Vilas Boas. Leia aqui a íntegra do projeto.
Segundo o Ministério da Justiça, existem hoje 401 mil presidiários no Brasil – 103 mil a mais que as unidades poderiam suportar. Como cada um deles custa aos cofres públicos R$ 1.500 por mês, a conta total sai, anualmente, por R$ 7,2 bilhões. Mas apenas 30% dos detentos exercem alguma atividade laboral – medida considerada essencial por especialistas para que eles possam ser reintegrados à sociedade e evitar que utilizem o ócio para planejar novos crimes.
Emendas
O relator da matéria, Tasso Jereissati (PSDB-CE), fez algumas emendas ao projeto para evitar a imediata rejeição do projeto por inconstitucionalidade. Uma delas abre brecha para que o preso possa receber algum tipo de remuneração por seu esforço. Outra diz que o trabalho para subsistência “poderá” ser adotado, mudança de redação que tira, portanto, seu caráter obrigatório para todos os condenados.
Uma terceira emenda diz que o trabalho será obrigatório de acordo com as características do estabelecimento prisional e do regime de reclusão do detento. Presos de alta periculosidade, por exemplo, não poderiam manusear ferramentas agrícolas, como foices e facões.
Técnicos legislativos consultados pelo Congresso em Foco acreditam que a proposta tende a ser rejeitada. “É praticamente impossível esse projeto passar. Se não trabalhar, não come! Isso não existe”, comentou um deles. “É obrigação do Estado manter o preso.” Um grupo de assessores ainda tentava, na noite de ontem (24), fazer mudanças consensuais para salvar a proposta de questionamentos constitucionais. O projeto tramita em caráter terminativo, ou seja, não precisa ser examinado pelo Plenário do Senado.
Contramão
O advogado criminalista paranaense Dálcio Zippin Filho considera que o autor do projeto está na contramão do tempo. “É trabalho escravo: a Lei de Execuções Penais prevê que o preso tem que receber três quartos do salário mínimo. Se não paga, é exploração”, assevera. Os 30% de presos que trabalham no país ganham R$ 285 por mês. Um terço (R$ 95) fica com eles, um terço vai para a família e o restante cai numa conta-poupança, para ser sacado posteriormente. Além disso, três dias de trabalho reduzem a pena em um dia.
Para Zippin, o Estado tem que cuidar integralmente do preso. “A Lei de Execuções diz que o Estado tem que suprir todas as necessidades do encarcerado – médicas, alimentícias, judiciais…” O advogado criminalista lembra que o fato de só 30% dos detentos trabalharem se deve à falta de presídios agrícolas, por exemplo. “Temos, no máximo, uma meia dúzia de colônias penais.”
Na avaliação do criminalista, a proposta é demagógica. “Querem usar o preso para conseguir publicidade, para fazer marketing”, critica. Zippin lembra que em alguns países desenvolvidos, como a Dinamarca e o Japão, há prisões em que o detento paga pela hospedagem, como se estivesse em um hotel.
Procurado pelo Congresso em Foco, o senador Marconi Perillo não retornou o contato feito pela reportagem. Segundo sua assessoria, ele estava em São Paulo ontem à tarde.
Pensando besteira
Titular da CCJ, a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) considera “interessante” o projeto do senador tucano. A petista entende que o debate sobre proposições que tratam de trabalho e estudo nas prisões precisa ser aprofundado. “A gente tem que chegar a um entendimento. Trabalhar e estudar só vai melhorar a vida do preso. Não vai ter tempo para ele pensar besteira”, afirma a senadora.
A sessão de hoje da CCJ será presidida pelo senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA) – que deixou ontem o Hospital do Coração em São Paulo, onde passou sete dias internado. De passagem pelo plenário à tarde, ele garantiu que vai conduzir os trabalhos da comissão. “Vou. É por isso que eu vim”, disse ele, em voz baixa. A pauta? “A mesma da reunião anterior: tudo sobre criminalidade”, afirmou.
Redução da maioridade penal
Há pelo menos outras quatro propostas polêmicas relacionadas a segurança pública em pauta. A que deve despertar maior atenção é a que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos de idade. O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), relator da matéria, reduz a idade para 16 anos apenas em casos de crimes graves, como tráfico de drogas, tortura e latrocínio (roubo seguido de morte).
Demóstenes é autor de outro projeto que deve ser votado hoje: o que dá competência ao juiz para decretar a perda do cargo, emprego ou função do funcionário público corrupto (PLS 138/07) durante o processo que julgar o crime do servidor.
A perda do emprego, ressalta o senador, só se dará após o juiz receber a devida ação penal com todas as provas necessárias para apontar o crime e a autoria. O acusado terá 15 dias para se defender. Caso haja absolvição, o funcionário será reintegrado ao emprego e terá garantidos todos os seus direitos, de acordo com o projeto.
A CCJ deve votar ainda dois projetos [PLSs 165/07, de autoria do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), e 175/07, do senador Magno Malta (PR-ES)] que prevêem monitoramento eletrônico de presidiários que se beneficiarem de saídas temporárias ou de liberdade condicional.
Na semana passada, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), entregou ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), projeto de lei que prevê o uso de pulseira monitorada eletronicamente, a ser usada por presos que se encaixam nas regras do regime aberto.
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