Amigos, na semana passada festejamos, neste espaço, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a Repercussão Geral (aplicação obrigatória da decisão pelas instâncias inferiores, em casos idênticos) do futuro julgamento do mérito do Recurso Extraordinário (RE) 724.347. Nesse processo, candidatos aprovados em concurso público pleiteiam da União indenização por danos materiais em virtude de demora na nomeação, efetivada apenas após o trânsito em julgado de sentença que reconheceu o direito à investidura no cargo.
Hoje nosso tema é outro julgamento em que os concursos públicos e, por consequência, sobretudo os concurseiros também saíram ganhando. Desta vez foi o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) que proferiu decisão digna de comemoração. A Corte distrital reconheceu a inconstitucionalidade de norma que burlava a obrigatoriedade dos concursos para o preenchimento de cargos públicos e escancarava a porteira para nomeações de empregados ao livre arbítrio da Administração.
Vamos aos fatos. Trata-se de decisão do Órgão Especial do TJDFT acerca do número de comissionados na Administração Pública do Distrito Federal. Para quem não sabe, o número é imenso, em todo o governo do DF, em prejuízo de milhares de candidatos aprovados em concursos públicos que mofam na fila à espera da nomeação. O assunto é realmente de grande relevância e chegou até o meu e-mail encaminhado pela leitora Vanessa das Chagas Cortes, a quem faço questão de agradecer.
O dispositivo invalidado pelo Tribunal de Justiça do DF é o artigo 2º, parágrafo 3º, da Lei distrital 4.858/2012, aprovada pela Câmara Legislativa local. O texto diz o seguinte:
Art. 2º Pelo menos cinquenta por cento do total de cargos em comissão, incluídos os cargos de natureza especial, da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, devem ser exercidos por servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo.
(…)
§ 3º A apuração dos cinquenta por cento de cargos em comissão de que trata este artigo é feita em relação ao total de cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo.
Em síntese, para o GDF, como diz Vanessa, o número de cargos em comissão ocupados por servidores estranhos aos quadros, que deve equivaler a no máximo 50% do total, deve ser computado em relação a toda a Administração Pública, e não apenas sobre o total de cargos de cada órgão ou entidade. Com esse entendimento, o governo do DF promoveu situações esdrúxulas, como a das administrações regionais e a do Procon/DF, cujos quadros de pessoal são compostos quase na totalidade por servidores comissionados, escolhidos com base em indicações políticas e sem nenhum critério objetivo.
Vanessa acredita – e eu também – que o TJDFT, ao tomar a decisão de declarar inconstitucional o dispositivo da Lei 4.858/2012, certamente obrigará o governo do DF a exonerar boa parte dos comissionados e substituí-los por concursados. Essa providência será necessária ante a ilegalidade da situação administrativa de diversos órgãos e entidades distritais que têm seus cargos preenchidos na maioria por funcionários contratados sem concurso público. O que vou relatar a seguir, ainda me valendo das informações fornecidas por Vanessa, é realmente estarrecedor. O atual governo do Distrito Federa tem obrigação de se explicar.
Quando consultamos, por exemplo, a relação de servidores do Procon/DF, extraída do site da entidade autárquica, verificamos que a proporção entre servidores comissionados e efetivos está muito além do razoável. Há bem mais comissionados do que concursados, apesar de o Procon ter promovido concurso público em 2011, cujo prazo de validade ainda está vigente. A despeito disso, há cargos, como o de Técnico em Contabilidade, para os quais, mesmo um ano e meio depois da homologação do resultado final do certame, nem sequer o primeiro colocado foi nomeado. Só pra lembrar: eis aí um caso que se enquadra perfeitamente naquela situação que mencionei lá no primeiro parágrafo deste artigo, sobre candidatos que podem pleitear indenização por dano material em face da demora da nomeação para o cargo ao qual concorreram e foram aprovados.
Com toda razão, a amiga Vanessa diz esperar que, com a decisão do TJDFT, muitos comissionados sofram exoneração, de modo que os cargos sejam providos por concursados, em respeito à moralidade. E eu acrescento: em nome também da legalidade, da impessoalidade e da eficiência, princípios garantidores de um serviço público baseado no mérito, e não no apadrinhamento político. Vanessa também tem esperança – da qual eu compartilho – de que não se repitam mais casos como o daquele comissionado do Procon que foi preso em flagrante por lesar consumidores que buscavam atendimento na entidade.
Como afirma, ainda, nossa amiga, este momento representa mais uma vitória, não só dos concurseiros, mas de toda a sociedade. Aliás, é o que também entenderam os desembargadores do Conselho Especial do TJDFT no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) a que nos referimos, que teve como relator o desembargador J. J. Carvalho, com voto favorável à concessão da medida. Confiram o acórdão 713958:
2. É inconstitucional disposição legal que estabelece que o percentual previsto na Lei Orgânica do DF para o preenchimento de cargos em comissão deve ser considerado em relação ao total de cargos existentes na Administração Pública, por subverter a lógica advinda da hermenêutica constitucional no sentido de que deve haver paridade entre servidores efetivos e não efetivos em cada órgão administrativo.
3. A previsão de ocupação de cargos comissionados por servidores não concursados, ainda que tenha por objetivo garantir um mínimo de governabilidade, não pode suprimir a regra geral do acesso ao cargo mediante concurso público. A lei, ao possibilitar que um determinado órgão contemple, em quase sua integralidade, apenas servidores não concursados, ofende também os princípios da proporcionalidade e da moralidade administrativa.
Eis aí uma decisão que merece ser classificada como “lapidar”, por resumir uma interpretação jurídica perfeita e de alto interesse para a cidadania. Com esse julgamento, o TJDFT impediu que se perpetuasse na capital da República um verdadeiro esbulho aos direitos dos candidatos aprovados em concursos para os quadros da Administração Pública distrital.
Estamos diante de um grande estímulo para os concurseiros que esperam algum dia alcançar a aprovação, de sorte que possam exercer, com dignidade, probidade e espírito público, um feliz cargo novo.