Que o setor televisivo das empresas de entretenimento e desinformação da Globo assuma como suas as provocações da The Economist é um fato repetido que não merece nenhum comentário novo. O que merece uma menção é o reiterado uso, por parte de seus jornalistas, do adjetivo “prestigiosa”, é o que afirma o correspondente Dario Pignotti em artigo recente para a Carta Maior e eu mesma aqui no Congresso em Foco numa de minhas últimas colunas (É a imprensa, estúpido!) e reiteradas vezes de forma colateral em muitas outras.
Prestigiosa para quem, cara pálida?
The Economist, que este ano “celebra” seu 170º aniversário, não perdeu o pique e segue pressionando de forma muito, digamos, imperial, as potências emergentes, aqueles países que, na sua opinião, precisam receber lições sobre como superar a época da barbárie econômica (leia-se aqui: populismo, desenvolvimentismo, nacionalismo, intervencionismo, esquerdismo, distribucionismo) para chegar a um estado civilizatório superior: o do livre mercado absoluto!
Por sua fé neoliberal, The Economist lembra a própria Margaret Thatcher enlouquecida na “missão” de impor seu modelo e os interesses representados pelo Partido Conservador numa cruzada tão voraz que acabou por engolir o ideário econômico dos antigos reformistas do Partido Trabalhista Inglês, rebaixados na figura de Tony Blair ao triste papel de mensageiros do decálogo neoliberal.
Thatcher, provinciana e pouco erudita, aplicou na Inglaterra a política mais regressiva desde o pós-guerra por meio de “reformas” legislativas e duma repressão pinochetista contra os mineiros que tentaram inutilmente impor algum freio a sua agenda em defesa de um Estado mínimo. Contra eles ela lançou, não só o Plano de Ajuste Neoliberal, com a Guerra das Malvinas. E foi aplaudida pelo povinho britânico, segundo Naomi Klein, desviando, com sucesso, a atenção do fracasso interno no país para o “esforço” duma guerra externa sem nenhum sentido.
Voltando à The Economist: bem escrita, enxuta de adjetivos, editada com maestria refinada, mordaz e, sobretudo, anglo-saxã: é um produto de qualidade muito diferente do abertamente conservador Wall Street Journal. Mas essa precisão não impede que The Economist seja um órgão ideológico e um instrumento político com seu programa e seus objetivos, como qualquer meio de comunicação de porte global. Seu compromisso é impor sua agenda radical no debate econômico e aniquilar todo vestígio de “populismo estatista”.
Segundo Pignotti (e eu acho que ele exagera um pouco), “o último capricho da revista, que põe a prova sua capacidade de pressão, parece ser querer derrubar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em quem detecta um vestígio do pensamento e da ação econômica que julga uma “herança do atraso”: o risco de regressar a uma era pré-thatcherista.”
O que a política econômica personalizada do ministro Mantega ameaçaria para publicações como The Economist, Financial Times, The Wall Street Journal e agências de risco como a Standard and Poors não são ideias, mas sim a disputa do capital transnacional para ficar com a maior parte dos excedentes da sétima economia mundial.
Quando as multinacionais da informação, que elevam a The Economist à condição de bíblia, demandam “confiabilidade” e “segurança jurídica”, na realidade estão usando um eufemismo para chantagear governos periféricos para que renunciem a toda soberania econômica e eliminem todo tipo de regulações. O modelo a ser imitado é o Chile e, mais recentemente, a Aliança para o Pacífico.
Dessa forma, inventa-se uma espécie de Pensamento Único Econômico, um consenso imposto a força, que não é filho da liberdade de expressão ou do pluralismo, mas sim da imposição e dos ataques aos interesses nacionais dos países do sul.
The Economist aposta numa política conservadora porque critica as políticas de estímulo à produção e ao consumo. Na contramão do grosso dos economistas, Mantega não fugiu da polêmica com a publicação britânica, identificando-a como um órgão alinhado com a direita européia. A revista, disse o ministro brasileiro, “deve ter a mesma opinião que o governo de seu país (Grã-Bretanha) e dos estados europeus em geral cujas políticas econômicas tiveram um resultado o qual não preciso mencionar”.
Como era de se esperar, as afirmações de Mantega não mereceram nenhuma repercussão nos veículos de imprensa dominantes em nível global, associados em sua maioria ao credo e aos interesses encarnados pela The Economist.
Donde se conclui: a eterna macaqueação – tão tipicamente brasileira há séculos – o ressentimento e a inferioridade generalizada de senzala prosseguem assombrando nossas “elites” e o povinho por elas monitorado.
O fato é que se, internamente, se acredita piamente que “o Brasil não pode dar certo”, quem acreditará em nós lá fora?