Dois processos de natureza distinta colocam hoje o Brasil numa encruzilhada histórica e que requer decisões estratégicas. De um lado, a crise global desafia nossa capacidade de enfrentar instabilidades no campo macroeconômico e produzir respostas que permitam ao país continuar na rota do crescimento.
Há outro embate igualmente desafiante: o enfrentamento da corrupção. A onda de denúncias diárias deixa perplexa a sociedade. Se há utopia na crença de que podemos exterminar o problema – é inerente ao ser humano –, sabemos que o governo não pode se deixar capturar pela prática. A corrupção e o fisiologismo geram o descrédito pela política e fragilizam o ambiente institucional.
O aprofundamento da crise na Europa e o rebaixamento dos títulos da dívida dos Estados Unidos obrigam o Brasil a reagir com conjunto adequado de medidas. Houve alívio transitório com o movimento dos fluxos de capital para o epicentro da crise, o que permite estancar a sobrevalorização do real. Mas os EUA podem inundar novamente o mundo de dólares e é inquestionável a capacidade ociosa da indústria manufatureira em todo mundo. O Brasil é rota invejada pelo potencial de consumo interno.
É insuficiente reproduzir as políticas anticíclicas do passado recente. Para enfrentar a turbulência, é preciso novo arranjo macroeconômico. Devemos aprofundar e melhorar a qualidade do nosso ajuste fiscal, criando espaço para a redução dos juros. Permutar a meta de superávit primário por metas nominais e elevar a taxa de investimento público em relação aos gastos correntes são essenciais para essa agenda fiscal. Devemos ainda avançar para que a nova política industrial tenha sucesso, pela rota da elevação da capacidade de inovação e da qualificação da mão de obra.
O enfrentamento da competitividade nos remete também a uma agenda do passado ainda não superada. É hora de retomar as reformas postergadas que contribuam para a redução do Custo Brasil, enfrentando um sistema tributário anacrônico, infraestrutura precária, excessiva burocracia e elevados custos trabalhistas, entre outros problemas.
No caso da corrupção, é preciso lucidez. Toda denúncia deve ser investigada com rigor extremo e os culpados, punidos. Mas não é pelo palco estéril das CPIs que se chegará à solução. Esse tipo de ação é jogo de curto prazo para a platéia e vazão para a disputa interpartidária. Não é saída efetiva para impedir o fisiologismo político-partidário e o nepotismo.
A burocracia de Estado deve ser capaz de sobreviver aos ciclos políticos. O país carece de uma tecnoburocracia que blinde o aparato estatal das nomeações políticas – fruto das relações típicas do presidencialismo de coalizão. Essa é a origem das distorções verificadas. Hoje, há cerca de 20 mil cargos de livre provimento no âmbito do Poder Executivo Federal. E é aqui que se dá o abuso. Cargos de confiança e de nomeação devem ser exceção. Sua abundância leva à apropriação patrimonialista dos postos de trabalho, burlando o sistema do mérito e dificultando consolidação do sistema de carreira. O Brasil carece de choque de realidade e modernidade.
É tempo de ousar. O país espera da presidente Dilma Roussef um projeto, um conjunto de iniciativas de caráter estruturante no campo das reformas micro e macroeconômicas e no âmbito institucional, com foco na reestruturação do aparelho de Estado. Esse movimento de sua parte poderá se constituir em base para o diálogo com as forças políticas, para promover o entendimento com a oposição. Nossa energia política deve voltar-se para essas agendas positivas. É isso o que a sociedade espera de nós.
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