David Neale*
Você estaria disposto, sem o seu consentimento prévio, a ser submetido a um procedimento cirúrgico no qual fossem usados produtos médicos ou hospitalares já utilizados? Você usaria um cateter já utilizado por um portador de hepatite ou de alguma outra moléstia infecto-contagiosa? Você acredita que um produto projetado e fabricado para uso único mantém as características de limpeza, esterilização e funcionamento iguais às de um produto reprocessado?
Essas são questões que vêm à tona quando o assunto é o reuso de produtos médico-hospitalares desenvolvidos e projetados para serem de uso único. Apesar dos muitos riscos inerentes, o reprocessamento de produtos médico-hospitalares é uma prática comum nas instituições de saúde brasileiras e um assunto complexo e com grande potencial danoso para a saúde, tanto dos pacientes quanto dos profissionais.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pretende regulamentar o reprocessamento de produtos médico-hospitalares. Segundo a própria Anvisa, a regulamentação está em fase final de estudo. Seria definida uma pequena lista com cerca de 100 produtos médico-hospitalares considerados como sendo de uso único, e, portanto, que não poderiam ser reutilizados. Todos os demais não contemplados na lista poderiam ser limpos, desinfectados, esterilizados e utilizados novamente.
Trata-se de uma questão muito polêmica e que expõe todos os envolvidos na cadeia de serviços de saúde (pacientes, profissionais de saúde envolvidos no reprocessamento, médicos e fabricantes) a riscos desnecessários.
Numa eventual reutilização de produtos médico-hospitalares desenvolvidos para uso único, o paciente pode estar exposto a doenças infecto-contagiosas sérias como Aids e hepatite, além de infecções cruzadas. Estudos demonstram que produtos reprocessados podem conter resíduos da utilização anterior como sangue e seus compostos, secreções e outros componentes corpóreos, que podem resultar em “sujeira” estéril, podendo levar, entre outras implicações mais graves, a reações alérgicas. Além disso, podem conter resíduos de agentes de limpeza, desinfetantes e agentes esterilizantes que podem ser, inclusive, cancerígenos.
O direito de o paciente ser previamente avisado da possibilidade de reutilização de um produto médico não foi considerado na primeira proposta disponibilizada pela Anvisa em consulta pública, bem como os mecanismos de proteção da saúde dos profissionais envolvidos no reprocessamento, visto que estes estão diretamente expostos às fontes de contaminação.
Outro ponto crucial refere-se à segurança e eficácia dos produtos médico-hospitalares. Quando um material é reprocessado, os fabricantes não têm como garantir esses itens após o primeiro uso. Possíveis problemas relacionados ao desempenho e performance do produto podem aparecer em virtude de alterações nas propriedades físicas, químicas ou funcionais, podendo falhar durante um procedimento cirúrgico ou mesmo romper-se dentro do corpo do paciente.
PublicidadePor esses motivos é que a Associação Brasileira dos Importadores de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico-Hospitalares (Abimed) é contrária à legalização do reprocessamento de produtos de uso único e já encaminhou ofício à Anvisa apresentando seu posicionamento, considerações e sugestões quanto à proposta de resolução.
* David Neale é presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico-Hospitalares (Abimed).