Márcia Denser*
Não consigo me interessar pelas Olimpíadas na China, e vocês? Aliás, por que o mundo inteiro têm que se ligar o tempo todo nisso agora? Há duas semanas a tevê a cabo – que eu pago e bem caro – me assola com uma enxurrada de documentários, filmes, fatos, história, personagens, comerciais chineses que não quero ver, não escolho assistir, mas como, se não tenho escolha?
Uma porra duma tevê temática para idiotas.
Zapeiam-se duas dezenas de canais e dá-lhe China: uma muralha inexorável se ergue entre mim e minhas “escolhas” (que, aliás, nem são escolhas em tempos normais – tipo entre Brad Pitt, Forest Withaker e Tom Cruise sempre se pode escolher John Travolta, não é mesmo? – encaradas com uma espécie de tédio resignado, o travo amargo na boca, meu deus, meu deus, a vida ficou reduzida a isso?)
Paga-se – e bem caro – por uma overdose chinesa, para assistir a um espetáculo contínuo, ininterrupto, um pesadelo do qual não se acorda, como se fôssemos todos imbecis, estúpidos, gado, então é isso?
Afinal, ao meu redor não parece existir ninguém interessado no lance todo, e veja-se que convivo diariamente com muita gente, nada, nada, salvo um ou outro jornalista recém-formado precisando descolar umas freelas de ocasião e olhem só: fiquei sabendo que a Abril está contratando “estagiários on-line” com textos inteiramente grátis para “cobrir” as Olimpíadas, vejam que oportunidade única: você assiste ao jogo/corrida/o caralho, vai para o computador, escreve a matéria, manda e créu, a Abril publica! Totalmente grátis!
Inaugura-se assim a menos-valia, o ground zero por uma matéria que não se estaria interessado em escrever, por um jogo que não se quer assistir, por uma overdose de China in the Box que não se quer tomar e ganhando zerovezes-zero, ou melhor, perdendo tempo e dinheiro, porque tudo isso requer a manutenção do sonho de consumo de todo idiota: internet e tevê a cabo pelas quais se paga e bem caro! Realmente um negócio da China!
Ao fim e ao cabo, fica-se sentindo difusamente imbecil, imerso num denso fog indessipável de desmoralização e impotência, algo que vai quebrando a vontade e o tesão de viver, nos apagando para a História, nos alienando da verdadeira História que está se desenrolando em várias partes do planeta, inclusive na China, aqui e agora mas que – temos absoluta certeza – não vai aparecer na telinha dos bilhões de imbecis de plantão tecnologicamente controlados.
Assim como a vida, a História só se descobre pessoalmente.