Marcos Magalhães*
Dois números contundentes têm chamado a atenção de políticos brasileiros nas últimas semanas: crescimento de 33% do Produto Interno Bruto (PIB) em pouco mais de três anos e inflação superior a 1% ao mês, anunciando a volta aos dois dígitos anuais. Os sinais vêm de Buenos Aires, onde o presidente Nestor Kirchner acaba de demitir Roberto Lavagna e nomear para o Ministério da Economia Felisa Miceli, presidente do Banco de la Nación e considerada menos conservadora do que seu antecessor.
Cada uma das duas cifras vem sendo apontada por grupos diferentes de políticos como estímulo à mudança ou advertência para os riscos de uma guinada econômica. Tudo isso no momento em que duas visões diferentes sobre o futuro da economia brasileira disputam, dentro do governo, a preferência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – apesar da anunciada trégua pública entre o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Dilma se sentiria em casa, na semana passada, em um ciclo de debates ocorrido no Congresso Nacional a respeito da contribuição para o desenvolvimento do economista Celso Furtado, falecido há um ano. Furtado foi mais do que o criador da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. Ele foi um dos grandes formuladores da política de atuação firme do Estado no estímulo ao desenvolvimento, além de defensor da construção de um projeto nacional – teses esquecidas durante os anos em que predominou no país e no resto do continente aquilo que se convencionou chamar de neoliberalismo.
A ministra-chefe da Casa Civil não compareceu à abertura do seminário. Mas o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guido Mantega, estava lá para dizer quantas saudades tinha do tempo em que o país crescia 7% a 8% ao ano – bem mais do que os 3% deste 2005. Assim como o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, para quem permanece “atualíssimo” o pensamento de Celso Furtado.
Os sinais positivos provenientes de Buenos Aires foram longamente detalhados pelo acadêmico argentino Aldo Ferrer, admirador de Furtado, durante os debates sobre o legado do economista paraibano. Depois de retomar o comando da economia de seu país, disse ele, Kirchner foi capaz de colocar em prática uma política de rápido crescimento econômico, capaz de criar 2,5 milhões de postos de trabalho, duplicar as reservas internacionais e propiciar um “alívio moderado” nos índices de pobreza. Com uma inflação anual, mencionou rapidamente, de aproximadamente 10%.
O presidente do BNDES provavelmente não estará só em sua saudade do crescimento de 7% a 8% ao ano, da década de 70. Por isso, provavelmente o primeiro tipo de sinal proveniente da Argentina tenha chamado a atenção de tanta gente no meio político. Gente que torce calada ou abertamente pela ministra Dilma em seu embate particular com o dono da chave do cofre nacional. E que se empolga pela possibilidade de repetir, aqui, a velocidade da locomotiva argentina.
De outro lado, mais discretos, estão aqueles preocupados com o sinal oposto vindo de Buenos Aires: a volta da inflação anual à casa dos dois dígitos – da qual, como já se aprendeu deste lado da fronteira, não é fácil sair. Puxar a inflação de volta a índices civilizados será uma das primeiras tarefas de Felisa Miceli, além de negociar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional. O problema é que ela assume a função em um momento delicado na relação do governo com o setor privado: há uma semana, Kirchner acusou as redes nacionais de supermercados de formar cartéis para elevar os preços e prejudicar os bolsos dos argentinos.
Até agora não apareceu nenhum fiscal do Cruzado para fechar um supermercado de Buenos Aires. Mas a falta de uma cena explícita de impasse com o setor privado não vai prejudicar a escalada da emoção no debate sobre o futuro da economia dos dois maiores sócios do Mercosul. Brasil e Argentina terão eleições nos próximos dois anos. E tanto Lula como Kirchner precisarão de bons números para exibir aos eleitores. Crescer como um tigre dá ibope em qualquer país do mundo. Especialmente em uma região marcada pela década perdida dos 80 e pelo desempenho medíocre dos 90. Por isso, a pressão por um crescimento mais acelerado só tende a crescer, dos dois lados da fronteira. Resta apenas saber se a solução rápida será também a mais duradoura.