Rodolfo Torres
Para muita gente, ela foi essencial para que se terminassem os estudos. Para todos os educadores, porém, é uma prática condenável e duramente punida pelos professores quando descoberta. Mas, quem diria, o instituto da “cola” fugiu dos bancos das escolas e chegou às relações do Congresso com o governo. Parte essencial de qualquer projeto de lei, a justificação do Projeto de Lei do Senado 611/07 (que limita aumentos de gastos com o funcionalismo até 2016) é uma cópia exata da exposição de motivos de outro projeto, o PLP 01/07, de autoria do governo.
Os argumentos dos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) apresentados ao presidente Lula em 28 de dezembro de 2006 foram reutilizados noutro projeto assinado por quatro senadores em 23 de outubro de 2007.
São eles: Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado e autor da proposta; Ideli Salvatti (SC), então líder do PT no Senado; Roseana Sarney (PMDB), atual governadora do Maranhão e então líder do governo no Congresso; e Valdir Raupp (RO), então líder do PMDB no Senado.
Veja a justificativa dos ministros ao presidente Lula
Veja a justificativa no projeto dos senadores
Na prática, a duas propostas modificam a Lei de Responsabilidade Fiscal para restringir, por exemplo, a contratação de pessoal, a construção e reforma de prédios públicos e a concessão de reajuste para o funcionalismo. O projeto determina que o aumento real de gastos com pessoal e encargos sociais da União ficará limitado a 2,5% acima da inflação.
“Excelentíssimo Senhor Presidente da República”, diz a exposição de motivos dos ministros. “Tendo em vista a necessidade de viabilizar o crescimento da economia a taxas maiores do que as observadas em período recente, o Governo Federal tem promovido medidas importantes com vistas a aumentar o investimento público, em especial aquele voltado para a infra-estrutura, de forma a impedir que restrições de natureza física reduzam a capacidade de investimento do setor privado”, começa a justificativa dos ministros.
“Tendo em vista a necessidade de viabilizar o crescimento da economia a taxas maiores do que as observadas, em período recente, o Governo Federal tem promovido medidas importantes com vistas a aumentar o investimento público, em especial aquele voltado para a infra-estrutura, de forma a impedir que restrições de natureza físcal reduzam a capacidade de investimento do setor privado”, inicia o texto dos senadores.
“Além disso, criará as condições para que o Brasil possa se dedicar, a partir de 2007, ao debate das novas medidas que vierem a se revelar necessárias para a continuidade de progressos nos campos econômico e social”, termina o texto dos senadores.
“Além disso, criará as condições para que o Brasil possa se dedicar, a partir de 2007, ao debate das novas medidas que vierem a se revelar necessárias para a continuidade de progressos nos campos econômico e social”, conclui a exposição de motivos dos ministros.
Por meio de sua assessoria, a senadora Ideli Salvatti afirmou ao Congresso em Foco que sua assinatura no projeto foi um “apoiamento” a uma iniciativa de Jucá. “Ela nem trabalhou nesse projeto… Ela resolveu apoiar como líder do PT.” Ainda de acordo com a assessoria da senadora catarinense, é comum que senadores subscrevam projetos de colegas dessa forma.
Também por meio de assessores, Valdir Raupp afirmou que não sabia que a justificação apresentada ao projeto era uma cópia daquela que foi feita pelos ministros. Além disso, Raupp destacou que assinou o projeto de lei a pedido de Jucá.
O líder do governo no Senado e a governadora do Maranhão não foram localizados pela reportagem.
Na Câmara
Os projetos siameses na justificativa estão tramitando na Câmara. O primeiro, de autoria do governo, está pronto para ser votado no plenário da Câmara. O segundo, que partiu do Senado, trocou de numeração ao chegar à Câmara (agora é o 549/09) e já foi rejeitado por unanimidade pela Comissão de Trabalho da Casa. Essa coexistência só é possível porque a origem das proposições é distinta.
O relator da proposta naquela comissão, deputado Luiz Carlos Busato (PTB-RS), já havia adiantado ao Congresso em Foco que seu parecer seria pela rejeição da matéria. Questionado sobre a coincidência de justificativa, o deputado gaúcho se mostrou surpreso. “Isso eu não sabia. É uma surpresa!”, afirmou.
Contudo, o petebista avalia que a intenção do Senado foi amenizar o projeto do governo, que determina que o aumento real de gastos com pessoal e encargos sociais da União ficará limitado a 1,5% acima da inflação. “Botaram o bode na sala e o Senado deve ter dito: ‘E agora, o que vamos fazer?’ Mas acho que não teve malícia. Os senadores tentaram dar um ganho de 1% a mais ao funcionalismo”, afirmou Busato.
Em seu parecer, o deputado gaúcho argumenta que a proposta deve ser rejeitada, entre outros motivos, pela necessidade de preenchimento de novos cargos no serviço público.
Leia o parecer de Luiz Carlos Busato:
“O limite proposto praticamente congelará nos próximos dez anos a remuneração dos servidores e dificultará, sobremaneira, o preenchimento de cargos, novos ou vagos, dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, do MPU e do TCU, cujas carreiras já apresentam, muitas vezes, um déficit acentuado de pessoal.”
Apesar de ter sido rejeitada, a matéria seguirá para as comissões de Finanças e Tributação, e de Constituição e Justiça, que podem rever a posição da Comissão de Trabalho.
“Reprovado”
Cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), Leonardo Ribeiro destaca que é a primeira vez que toma conhecimento de uma situação como essa. Ele reforça que a atitude é reprovável em qualquer estabelecimento de ensino. “Isso, no mínimo, é plágio. Se isso ocorrer na apresentação de um trabalho na universidade, o cara seria reprovado.” Para o acadêmico, a falta de “fidelidade intelectual” depõe contra o autor da proposta e contra a qualidade do projeto.
Professor de Ética da Universidade de São Paulo (USP), Clóvis de Barros Filho explica: “No caso de o indivíduo ter copiado e assinado como seu, isso é eticamente inaceitável porque faz crer que é uma manifestação genuína sua”. Para ele, o fato é condenável porque leva um eventual leitor do projeto “a um equívoco”.
Ainda de acordo com o professor da USP, a confiabilidade da autoria é necessária para garantir, por exemplo, o princípio da responsabilização. “É imprescindível que as pessoas possam confiar.”
Contudo, a “cola” não deve gerar maiores consequências. Segundo Pedro Pita Machado, advogado da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público da União (Fenajufe), a simples cópia da justificativa não é capaz de tornar nula a matéria. A entidade atua contra os projetos que limitam gastos com o funcionalismo.
Governo também já “colou”
A cópia da justificativa pelos senadores não é um caso isolado na relação entre Executivo e Legislativo. Em 2008, o governo chegou a editar uma medida provisória com o mesmo teor de um projeto de lei anteriormente apresentado. Foi a MP 422/2008, conhecida por MP da Grilagem, idêntica ao Projeto de Lei 2278/2007.
Entidades ligadas à preservação ambiental destacam que essa medida provisória beneficiou grileiros de terras na Amazônia Legal porque triplicou o tamanho de áreas públicas utilizadas por posseiros, sem necessidade de licitação para serem regularizadas.
A matéria foi encaminhada à sanção em julho de 2008.
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