Camilla Shinoda e Edson Sardinha
Alçada à condição de prioridade a cada onda de violência que choca o país, a discussão sobre a segurança pública foi atingida em cheio pela crise do Congresso. Em meio às discussões sobre o destino do presidente do Senado e a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), os parlamentares guardam na gaveta dois pacotes de propostas emergenciais para o combate à violência e à criminalidade.
Das 35 medidas apontadas como prioritárias por deputados e senadores após os ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, em maio de 2006, e o brutal assassinato do garoto João Hélio Fernandes, arrastado em um carro por bandidos em fevereiro deste ano, no Rio, só duas foram transformadas em lei. Uma tornou falta disciplinar grave o uso de telefone celular por presos e a outra endureceu os critérios para a progressão de pena nos crimes hediondos.
As outras 33 propostas ainda têm um longo caminho pela frente. Algumas, inclusive, correm o risco de não sair sequer do papel. Dos dois pacotes, 16 proposições estão prontas para votação em plenário, cinco aguardam o retorno da outra Casa legislativa e seis ainda não receberam parecer. As demais esperam a deliberação das comissões temáticas, conforme revela levantamento feito pelo Congresso em Foco (veja a relação dos projetos).
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Na lista das propostas que não avançaram em função da paralisia legislativa, está a polêmica redução da maioridade penal, que aguarda a análise do Plenário do Senado e enfrenta forte resistência de entidades de direitos humanos.
Paralisia legislativa
A relação contém, no entanto, projetos menos polêmicos, como o que tipifica o crime de seqüestro-relâmpago, o que prevê a realização de julgamentos por teleconferência, o que cria o Fundo Nacional de Assistência às Vítimas de Crimes Violentos e o que torna mais rígida a progressão de pena para condenados por crimes hediondos, entre outros. Também esperam o aval de deputados e senadores sete propostas da chamada reforma processual penal, cujo objetivo é simplificar e dar agilidade à Justiça no país.
“Está tudo parado. A Casa se perdeu nessa discussão em torno do Renan Calheiros”, explica o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), relator da proposta de redução da maioridade penal, já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Para Demóstenes, os senadores precisam optar entre fazer a Casa retomar a pauta legislativa ou manter a instituição mergulhada na crise. “Existem leis fabulosas nesses pacotes, como a redução da maioridade penal e a primeira lei do país que trata do crime organizado, e elas precisam ser discutidas o mais rápido possível”, defende.
O destino do pacote da segurança ainda depende, contudo, do futuro de Renan Calheiros, adverte o parlamentar. “Se o Senado voltar à normalidade, todas essas medidas serão votadas até o fim do ano, se não, vai permanecer tudo parado”, acredita o senador, que foi procurador-geral de Justiça de Goiás.
Sistema engessado
Mas a crise em torno do presidente do Senado e a falta de entendimento entre governo e oposição não são as únicas barreiras para o pacote da segurança pública. O sistema de tramitação das propostas, que precisam ser aprovadas nas duas Casas para virar lei, e o excesso de medidas provisórias, que trancam a pauta constantemente, também são apontados pelos parlamentares como obstáculos.
“O sistema bicameral atrapalha um pouco a agilidade na aprovação das medidas. Nós votamos aqui na Câmara, daí a medida tem que ser votada no Senado. Se for aprovada com alguma alteração, tem que voltar para Câmara e assim vai”, afirma o deputado Neucimar Fraga (PR-ES), presidente da Subcomissão de Reforma Penal e Processual, da CCJ na Câmara.
“E muitas vezes a pauta de uma das Casas está trancada, como aconteceu agora no Senado por causa do caso Renan. Já mandamos vários projetos que estão parados lá”, completa. Cinco proposições aprovadas pelos deputados esperam pela análise dos senadores.
A senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) concorda com o deputado, mas ressalta que não faltou empenho da parte de seus colegas. “Houve esforço para votar. Mas as iniciativas do Congresso estão bloqueadas pelo excesso de MPs”, afirma a senadora. A parlamentar ainda critica a falta de harmonia entre o Legislativo e o Executivo para tratar do assunto. “As propostas saem da cabeça do governo e são jogadas no Congresso. Não há debate”, acrescenta.
Atenção permanente
Apesar do baixo número de proposições transformadas em leis, os deputados garantem que a discussão sobre a segurança pública ganhou prioridade nesta legislatura e não é vem à tona apenas quando ações criminosas chocam a opinião pública.
“Nesta legislatura estamos com um comportamento diferente. Pela primeira vez, estamos tratando esse assunto como uma rotina”, afirma o deputado João Campos (PSDB-GO), presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e delegado da Polícia Civil.
Como exemplo da preocupação dos deputados, João Campos cita os trabalhos da subcomissão instalada na CCJ para tratar do assunto e o grupo de trabalho (GT) criado na própria Comissão de Segurança Pública. Cabe ao GT organizar e hierarquizar os projetos referentes ao tema que estão na fila do plenário.
“O grupo é importante, pois não deixa a questão da segurança pública parar”, comenta Flávio Dino (PCdo B-MA), um dos integrantes do GT e ex-juiz federal. Apesar disso, ele admite que a Câmara ainda está devendo à sociedade. “Não vou sustentar que tudo o que poderia ter sido feito foi feito. Mas posso garantir que não foi só um impulso pelo caso João Hélio”, afirma.
Ação e reação
Logo após o assassinato brutal do garoto de seis anos, que foi arrastado por assaltantes em um carro por sete quilômetros, os parlamentares elegeram uma série de medidas, algumas das quais tramitavam há anos no Congresso, como resposta à sociedade e à criminalidade. Entre elas, uma que aumenta o tempo para a progressão do regime de execução das penas privativas de liberdade e outra altera procedimentos da investigação policial.
Antes disso, em maio do ano passado, em meio aos ataques promovidos pelo PCC na capital paulista, deputados e senadores já haviam desengavetado dez propostas para conter o aumento da violência no país. Na lista, estavam a que institui o regime de segurança máxima, a que determina o bloqueio dos bens do preso para reparar danos feitos aos presídios em rebeliões, a que prevê a realização de julgamentos por teleconferência e a que estende a delação premiada para presos já condenados.
Especialistas criticam
Mas nem todos concordam com o discurso dos parlamentares de que a segurança pública está sendo tratada com mais seriedade pelo Congresso nesta legislatura. Para o professor Paulo César Carbonari, coordenador nacional de formação do Movimento Nacional de Direitos Humanos, não existe uma política de segurança pública séria e abrangente no Brasil. “Somente quando acontece uma situação grave, há uma reação espasmódica”, afirma Carbonari.
O professor ressalta que as medidas não podem ser tomadas apenas no calor do momento, ou seja, logo após acontecimentos de grande repercussão pública. “É necessário gerar condições para uma política permanente”, pondera.
Carolina de Mattos Ricardo, coordenadora do Programa São Paulo em Paz, do Instituto Sou da Paz, concorda com Carbonari. “Desde a ditadura a questão da segurança pública é tratada sob uma ótica militarista e reativa. E isso se manteve na democratização”, critica. “Não há um planejamento anterior. Só há uma resposta depois que o problema acontece”, completa.
Carolina ainda aponta outro problema: os pacotes de medidas feitos pelos congressistas são conservadores e só tratam do lado punitivo, nunca do preventivo. “A política de segurança pública brasileira não é eficiente, pois não trabalha as causas. São sempre medidas para endurecer a pena ou reduzir a maioridade penal. Nunca se pergunta qual foi a real razão do crime”, explica.
Segundo ela, as propostas dos parlamentares costumam ignorar a influência do aspecto social sobre os indicadores da violência. “No caso do tráfico de drogas, por exemplo, seria melhor fazer um trabalho com os grupos de risco das comunidades mais afetadas por isso”, exemplifica.
Para o fim do ano
Enquanto a Câmara manda para o Senado a discussão sobre a CPMF, que levou a oposição a obstruir sistematicamente as votações, os deputados começam a definir o que pode ser votado após a liberação da pauta.
Segundo Neucimar Fraga, já há consenso para a votação de algumas propostas consideradas prioritárias. “A violência contra policiais, a proteção de vítimas, indenizações de vítimas de balas perdidas, o endurecimento contra as organizações criminosas e a tipificação do seqüestro-relâmpago são os assuntos que deverão entrar primeiro”, avalia o presidente do GT de Segurança Pública.
O presidente da Comissão de Segurança Pública ainda acrescenta a reforma processual penal, que está parada desde 2001, como uma das prioridades da Câmara. “São sete projetos que também devem ser aprovados até o final do ano”, garante João Campos.
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