Antonio Vital
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O deputado federal licenciado Remi Trinta (PL-MA), atualmente secretário estadual no Maranhão, pode se transformar no herói de muita gente, caso o Supremo Tribunal Federal concorde com a tese dele de que o Ministério Público não tem poder para investigar ninguém e que só a polícia pode fazer isso. Pessoas denunciadas pelos mais diversos motivos, todas alegadamente inocentes, vão imediatamente pedir a extinção dos processos a que respondem ou das eventuais condenações que podem ter sofrido por conta da ação de promotores e procuradores Brasil afora. O retrato de Remi, dentista por formação, empresário por opção, político por vocação e ortopedista nas horas vagas, deve ser pendurado na parede principal da sala de Joaquim Roriz, Luiz Estevão, Sérgio "Sombra", Paulo Maluf, Waldomiro Diniz, Jáder Barbalho, Rodrigo Silveirinha, Nicolau dos Santos Neto, Celso Pitta e milhares de outros réus em processos judiciais, entre eles 46 parlamentares acusados dos mais diversos crimes, de corrupção eleitoral a seqüestro. É que Remi, acusado de fraudar o Sistema Único de Saúde (SUS), tenta desqualificar todas as provas existentes contra si sob o argumento de que elas foram obtidas pelo Ministério Público, o que seria ilegal. Em 1995, o deputado, dono da Clínica Santa Luzia, em São Luiz (MA), foi acusado de cobrar do SUS por serviços que seu hospital não fez. O prejuízo para os cofres públicos chegaria a R$ 700 mil. As provas que ele quer anular são guias de internação com datas adulteradas, grafias de controle semelhantes, prescrições médicas idênticas (vários pacientes recebendo exatamente o mesmo diagnóstico e os mesmos remédios, provavelmente uma epidemia, tudo escrito com a mesma letra e a mesma caneta), números de leitos de enfermagem iguais (mais de um doente para o mesmo leito ao mesmo tempo, um verdadeiro atentado ao pudor), cobrança de exames não realizados. Até aborto em homem foi cobrado do Ministério da Saúde. O deputado poderia dizer que foi tudo uma armação, que os documentos foram forjados, que a administração da clínica cometeu erros, qualquer coisa. Mas ele não entra no mérito dos documentos ou das fraudes. Diz apenas que os documentos não são válidos porque foram obtidos pelo Ministério Público. Gente muito inteligente e estudada, como os ministros do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello e Nelson Jobim, concordaram com Remi. Realmente, dessa vez o Ministério Público extrapolou. O julgamento do caso será retomado hoje e existe um clima muito desfavorável aos procuradores no STF. Não é porque eles estão pegando no pé de gente graúda do governo, como o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, ou o ministro do Banco Central, Henrique Meirelles, nem porque insistem em tentar descobrir alguma safadeza na administração do falecido Celso Daniel, em Santo André (SP). É porque, realmente, não se faz uma coisa dessas com alguém como Remi Trinta. O deputado, aos 64 anos, é um exemplo vivo de como as instituições podem se virar contra um cidadão comum. É longa sua história de agruras, quase todas protagonizadas pelo Ministério Público. Ele já foi denunciado pela promotoria de Justiça do Maranhão por racismo, assédio sexual e constrangimento ilegal, tudo por causa da denúncia de uma doméstica, vejam só. A empregada Josinei Conceição Santos de Sá, que trabalhava na casa do deputado, tinha sido acusada de furtar jóias dos patrões e por causa disso foi mandada para o olho da rua. Só que, ao longo do inquérito, a história mudou de rumo. Além de não haver qualquer prova contra ela, testemunhas disseram que a acusação foi uma maneira de mandar embora a doméstica, que manteria um caso com o parlamentar! Indagado a respeito, Remi negou o relacionamento e alegou que não tinha nenhum interesse em Josinei "por ser pobre e preta". Não só o Ministério Público costuma perseguir Remi. Os negros também vivem fazendo isso. Em 1999, o então presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), teve que se responsabilizar judicialmente por Remi para garantir a posse do deputado, que passava uma temporada no xadrez. Dias antes, durante uma escala em Belém do vôo da Transbrasil que o levava de São Luiz (MA) a Brasília, Remi – embriagado, segundo diversos passageiros – ofendeu o co-piloto Sérgio Arquimedes, por ser negro, e depois agrediu um policial federal. O deputado também já foi acusado pelo Ministério Público de crime ambiental. Só porque destruiu o que os ecologistas chamam de "plantas fixadoras de dunas" ao construir um bar na Praia do Meio, área de preservação permanente na orla marítima de São Luís (MA). Coitado do Remi. Já foi acusado pelo Ministério Público – sempre ele – até de bater em mulher. Em dezembro de 2000, ele teria agredido a médica Diana Rosalina de Almeida, que entrara com uma ação trabalhista contra a Fundação Beneficente Remi Trinta, a ingrata. Mas os ministros do STF se preparam para colocar as coisas em seu devido eixo. Nada de sair por aí investigando gente séria, isso é coisa da polícia. Ah, a polícia é atrelada administrativa e hierarquicamente aos governadores e, pelo menos nos estados, praticamente só cuida de crimes comuns? Isso não interessa para o caso, como poderia dizer o ministro Gilmar Mendes, depois de estudar todos os grandes filósofos e juristas alemães no original. Ou "uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa", como diria o PT. O fato é que existe um forte lobby contrário ao Ministério Público no julgamento do caso Remi Trinta. Da Ordem dos Advogados do Brasil – entidade de classe que representa os defensores dos remis, nicolaus, pittas, malufs e sombras da vida – a gente graúda do PT. E existem precedentes para o caso. No ano passado, a 2ª turma do STF deliberou que o Ministério Público não pode realizar investigações penais. A sentença foi proferida em ação movida por um delegado de Brasília. Processado por promotores, ele alegou que só a polícia teria poderes para realizar investigações penais. Deram-lhe razão os ministros Nelson Jobim, Gilmar Mendes e Carlos Velloso. Os dois últimos vão votar hoje e devem repetir seus votos. Remi já tem quatro votos. Quem arrisca o placar? |