Marcos Verlaine*
Nem R$ 600, que é nada mais nada menos que marcação de posição do PSDB pós-eleição, para não dizer outro adjetivo; nem R$ 560, nem tampouco R$ 545. O valor do salário mínimo brasileiro, segundo a Constituição e pelos cálculos do Dieese, que ninguém contesta, deveria ser R$ 2.194,76, em valor de fevereiro. Mas é claro que a Previdência Social, os estados e os municípios não conseguiriam arcar com esta vultosa cifra.
Essa abertura fática é apenas para dizer que estamos diante de um falso dilema para tentar emparedar o governo e os partidos da base aliada, sobretudo os de esquerda.
Se José Serra (PSDB) tivesse ganhado a Presidência da República talvez até aumentasse o mínimo para R$ 600, como propôs no debate eleitoral. Porém, este valor ficaria congelado por quatro anos. Não há dúvidas quanto a isso. Assim, a defesa tucana de R$ 600 é uma tentativa, pouco responsável, de reviver a refrega eleitoral.
Ademais, é importante chamar a atenção para o fato de os tucanos não terem número no Congresso para brigar efetivamente pelos R$ 600. A proposta é apenas retórica ou como diz um articulista de um dos grandes jornais, ao comentar e aprovar o comportamento dos tucanos: a irresponsabilidade é uma arma perfeitamente legítima do jogo político, chamou a atenção o sociólogo Marcos Coimbra, em artigo publicado no Correio Braziliense de domingo (20).
O DEM, fiel aliado dos tucanos, preferiu percorrer outro caminho. Propôs e brigou, com apoio das centrais sindicais, por um salário de R$ 560. Valor mais realista e, portanto, defensável. Esta também foi a proposta do PDT.
O governo e a base de apoio
Assim, ainda que haja elementos de verdade, é puro terror e/ou especulação que a imprensa publica sobre a relação do governo e sua base de sustentação no Congresso. Pelo menos no que diz respeito ao novo valor do mínimo.
Não é o valor do salário mínimo que dividirá a ampla aliança que o Planalto tem no Legislativo. Este é o que podemos chamar de falso dilema, que a imprensa está a estimular. Sobretudo, neste início de legislatura, que o governo chega ancorado na grande votação que obteve no segundo turno e também na popularidade com que Lula deixou o poder.
Vamos aos fatos.
O governo fez cálculos, organizou planilhas e chegou à conclusão que era mais prudente elevar o piso nacional para R$ 545. E tomou uma posição. Justo, pois é assim que funciona.
Às centrais sindicais coube provocar a discussão e invocar o acordo celebrado em 2007, que, além da reposição inflacionária, o mínimo deveria receber percentual de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) dos dois anos anteriores, que no caso de 2009 foi zero.
Nas discussões, não conseguiram convencer a equipe econômica do governo para dar uma antecipação do ganho real que o piso nacional terá em 2012. Paciência, a luta, legítima, continua, nas ruas e no Congresso. Querer que as centrais não tentassem fazer o que de direito e de fato deveriam fazer seria tentar silenciar o movimento dos trabalhadores.
A nova arena de discussão agora é o Congresso, cuja primeira batalha, na Câmara, foi vencida pelo governo, que também, tudo indica, vai vencer a segunda no Senado. O que espanta neste debate são as especulações da imprensa sobre o comportamento dos congressistas deputados e senadores sobre o salário mínimo.
Ora, o debate acerca do mínimo nunca dividiu o Congresso ou causou grandes problemas para o governo. Na era Lula, quando a oposição propunha aumentos maiores que o oferecido pelo Planalto era para tentar expor o governo e sua base original os partidos de esquerda. Nada mais.
Em abril de 1995, no primeiro mandato de FHC, lembrou Fernando Rodrigues, em sua coluna na Folha de S.Paulo de sábado (19), a Câmara aprovou o aumento do mínimo de R$ 70 para R$ 100 por 339 votos.
Oito anos depois, sob Lula, o piso subiu de R$ 200 para R$ 240, valor aprovado por 278 deputados. Os tucanos queriam R$ 252. Como se vê, não é o valor do salário mínimo que divide o Congresso. Nunca foi. Trata-se de falso dilema.
Quanto ao poder de Dilma e sua relação com o Congresso, a imprensa explora a picuinha, o risível, a pequena política. Assim, repito, não será na definição do valor do salário mínimo que o governo terá contradições com o Congresso. Mas por quê?
Por uma razão muito simples. Nesta nova legislatura, a bancada empresarial teve aumento exponencial. De cada dois deputados, um se diz empresário. São ao todo na Câmara, segundo dados da Radiografia do Novo Congresso, do Diap, 246 deputados e 27 senadores.
E é sabido por todos que empresário, por sua natureza, não gosta de aumentar salário. Por esta razão fundamental não foi difícil para a presidenta Dilma e sua equipe convencerem a maioria do Congresso da justeza da proposta palaciana.
Assim, ao fim e ao cabo, a grande maioria da Câmara que votou com o governo na definição do novo valor do mínimo, na verdade, votou consigo mesma. É duro, mas é a mais pura e objetiva verdade.
*Analista político e assessor parlamentar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Leia ainda:
56 anos separam mínimo de salário de parlamentar
Leia mais sobre salário mínimo