Marcos Magalhães*
Há pouco mais de três anos, quando se ensaiavam os primeiros passos da campanha eleitoral que levaria Luis Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto, o então ministro da Fazenda, Pedro Malan, não encontrou ouvidos para sua pregação de um amplo pacto político em defesa da estabilidade econômica. Agora é a vez de seu sucessor no cargo, Antonio Palocci. Ele pretende construir um programa fiscal de longo prazo, que permita a redução gradual das taxas de juros. Mas também não parece ter obtido, até agora, boa acolhida a suas propostas.
Malan sugeria que o “principal partido de oposição” da época adotasse um compromisso com a estabilidade, até como sinalização para os investidores de que o país não mudaria bruscamente de rumo. As permanentes críticas do PT à política econômica, porém, acabaram abrindo caminho para um grande clima de desconfiança, que permitiu o aumento da inflação. O novo governo acabou tendo de promover um enorme ajuste para retomar o controle da economia, e só agora começa a projetar um novo período de crescimento sustentado para os próximos anos.
Crescimento que até agora não ganhou a velocidade suficiente para encantar os empresários ou a própria base política do governo. Daí surgem as principais dificuldades do sucessor de Malan para encontrar os mesmos ouvidos simpáticos. Palocci quer um programa de longo prazo, que inclua um ajuste fiscal ainda maior do que o atual, com a elevação do superávit primário – receita menos despesa, excluídos os juros – para 5% do Produto Interno Bruto (PIB), a fim de permitir a queda da dívida pública em relação ao PIB e a conseqüente redução das taxas de juros.
Mas esbarra na resistência da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e de uma frente de outros ministros, que inclui Jaques Wagner, das Relações Institucionais, e Luiz Marinho, do Trabalho. Até agora, Palocci sempre tem contado com a simpatia de Lula. Nessa nova disputa interna do governo, porém, ainda não se pode prever se ele contará com a mesma sorte. A coalizão contrária ao novo ajuste quer mais recursos disponíveis para colocar em prática obras e programas que sirvam como vitrine do governo nos meses que antecedem a campanha eleitoral. Vitrine que ajude o Lula recandidato na busca dos votos perdidos a partir do início da crise política.
Curiosamente, os cálculos da equipe econômica para a conquista de novas metas fiscais coincide com o calendário político – mas apenas em médio prazo. Com a elevação do superávit primário para 5% do PIB, espera-se alcançar o déficit nominal zero – ou seja, receitas iguais às despesas, aí incluídos os juros – em cinco anos. Isto é, ao final de um possível segundo mandato, o presidente poderia passar a faixa ao sucessor levando para a História o saneamento das contas públicas brasileiras e a abertura de um ciclo de redução desta mesma dívida e de crescimento mais acelerado.
Valerá a pena? O risco será calculado pelo próprio Lula, que para chegar até lá ainda precisa vencer uma eleição que promete ser para lá de disputada. A favor de Dilma e seus companheiros, a rápida visibilidade dos efeitos de investimentos feitos a partir de execução mais generosa do Orçamento da União. A favor da equipe econômica, argumentos como o levantado há poucos dias em São Paulo pelo vice-presidente do Banco Mundial Michael Klein, para quem a redução da relação da dívida em relação ao PIB agradaria aos investidores, que ainda pedem juros elevados para comprar títulos do governo por terem dúvidas quanto à sustentabilidade do pagamento da dívida.
No meio do caminho, existe ainda um pequeno problema a resolver. Vencem no final de 2007, primeiro ano do próximo governo, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite ao governo movimentar livremente 20% de suas receitas. Se nada for feito até o primeiro semestre do ano que vem, o problema cairá no colo do próximo presidente, que terá de mobilizar um enorme capital político para aprovar em seu primeiro ano de mandato emendas constitucionais que prorroguem a CPMF e a DRU.
A equipe econômica tem emitido sinais de que deseja antecipar este debate e patrocinar a imediata tramitação de emendas destinadas a prolongar a CPMF – cuja alíquota cairia de 0,38% para 0,08% em dez anos – e a promover a elevação da DRU de 20% para 35% ao longo de seis anos. Medidas como essas, especialmente em um ambiente de crise política, só serão aprovadas por meio de um amplo acordo com a oposição. Resta saber se as mesmas medidas terão apoio da oposição interna do governo. Caso contrário, ficarão tão esquecidas como os apelos feitos em 2002 por Pedro Malan.