Coletâneas temáticas têm sido uma constante nos anos 2000 – vide todas aquelas lançadas pela Nova Alexandria, editor Luiz Baggio (sobre os Imigrantes, os Apóstolos, os Dez Mandamentos, os Signos, etc.etc.etc.), aliás como “temático” – parques temáticos, bibliotecas temáticas – tem sido quase tudo sob a cobertura geral da pós-modernidade na linha do fake, do simulacro e do revival. Na falta do original, sob todos os aspectos.
Porque o espírito mercantilista coopta tudo o que se pensa, sente, faz e produz artísticamente, e transforma tudo em merda na velocidade da luz.
Tudo isso pra falar da coletânea lançada agora na praça, Rock Book – contos da era da guitarra (S.Paulo, Editora Prumo, 2011), com a participação de vinte autores (nesta ordem: Márcia Denser, Alex Antunes, André Sant’Anna, Nelson de Oliveira, Luiz Roberto Guedes, Carol Zoccoli & Cláudio Bizzotto, Danislau, Ivan Hegen, Tony Monti, Glauco Mattoso, Andréa Catropa, Mário Bortolotto, Abílio Godoy, Carol Besimon, Cadão Volpato, Xico Sá, Antonio V.S.Pietroforte, Sérgio Fantini, Andréa Del Fuego e Fernando Bonassi) cujo tema é o rock – ou as marcas que o rock, como música e modo de vida, imprimiu na sociedade brasileira. Ou a instauração da cultura de mercado na sociedade brasileira. Ou – como diria meu amigo e crítico Ítalo Moriconi – o processo de “popização” da sociedade brasileira. Algo que ocorreu entre aos anos 60 e meados de 80 (e permanece até hoje sob novas formas), aproximadamente, sei lá, minha cronologia não é rigorosa, nem a especialidade é a música.
Tudo bem, que o tema seja o rock, mas o nome do jogo continua sendo literatura e não show-biz, pois é sob o prisma literário que livros são avaliados.
Criticamente, há duas questões elementares a considerar: 1) coletâneas literárias são fatais sob determinado ponto de vista: os contos são lidos por comparação, logo os melhores ressaltam de imediato, mandando os mais fracos para o espaço. Sorry, mas é isso aí – a lei do mais forte e não tem conversa; 2) coletâneas literárias falham (ou não) inapelavelmente pelas ausências – obras e autores obrigatórios mas que inexplicavelmente NÃO ESTÃO LÁ. A exemplo de Clarah Averbuck, Caio F., Leminsky, Roberto Piva, o próprio Arnaldo Antunes – só pra citar os mais óbvios. Isto é, os que NÃO ESTÃO neste Rock Book.
Portanto, de acordo com meus critérios, há três grandes contos neste livro: A história do rock de André Sant’Anna, Miss Tattoo de Luiz Roberto Guedes e o meu, Hell’s Angel (pra eximir o auto-elogio, ele consta em 6º lugar nos anos 80 entre os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século e entre as Cem Melhores Histórias Eróticas Universais). Prefiro não explicar porque são os melhores, deixando ao leitor o julgamento. Uma dica: conquanto completamente diferentes entre si, cada um é extremamente bem realizado, perfeito como texto literário. Outra: o organizador Ivan Hegen teve bons motivos pra botar meu texto abrindo o livro, bem como os de André Sant’Anna e Luiz Roberto Guedes igualmente entre os primeiros – é o mesmo critério do lead em jornalismo.
Num outro plano e por outras razões, secundariamente , escolho também Fenômeno Fenomenal, de Nelson de Oliveira, pela proposta experimental mixando imagem e texto; Nove Canções, de Fernando Bonassi, pela competência e rigor dum estilo já consagrado (um bom texto fechando a obra, e novamente aí entraram acertadamente os critérios do organizador); Rock Suicídio, de Carol Zoccoli e Cláudio Bizzotto, um texto a duas mãos bastante eficiente.
E A good woman is hard to find, de Mário Bortolotto, autor do parágrafo que poderia definir o rock – e muitas coisas mais – ontem, hoje e amanhã no Brasil: “Eu tinha cinquenta anos. E a maioria dos roqueiros que eu admirava já estava na casa dos setenta. Eu era um moleque perto deles. Bem, mas eles tinham inventado o rock and roll. Eu era só mais um diluidor. Alguém se aproveitando do que a maré trazia para a praia. Me senti uma farsa. Mas sempre imaginei o rock como uma farsa. The Great Rock’n Roll Swindle, né? Por isso andava com a camiseta do Motorhead. Imaginava que ainda havia algo de verdade em mim. Ou no rock and roll.
Eu sempre me iludi.”
Esta absoluta ausência de ilusões, de auto-engano, é o que caracteriza – ou deveria caracterizar – a postura do escritor.
Finalizo citando Mirisola (em Charque, pag.48) –, cujo diálogo com Mário cai feito uma luva: “A gente se ilude que é rock and roll, mas, no fundo, estamos de pijama na pracinha jogando dominó. Nossa garota de Ipanema é a Penélope Charmosa, e ela caiu irremediavelmente nas garras do Tião Gavião, lamento constatar isso, Mário.
– Fudeu.
O nosso único alento…bem, o nosso único alento é saber que no final o Lulu Santos vai desaparecer conosco.”
Quando o nome do jogo é literatura, o resto é show-biz.