Ano após ano, os prefeitos realizam maratonas nos corredores e nos gabinetes do Congresso Nacional. Partem de seus municípios em direção a Brasília, compondo comitivas em busca de emendas parlamentares ao orçamento da União, fundamentais para investimentos prioritários das prefeituras. Essa maratona já virou uma tradição, realizada em várias etapas: os prefeitos precisam vir ao planalto central batalhar pela apresentação, aprovação, empenho e, por fim, a liberação do recurso.
Neste ano, foi adicionado um novo obstáculo à maratona, exigindo mais fôlego dos prefeitos para vencer o percurso. Estou me referindo ao Decreto Presidencial número 7.418, publicado no dia 31 de dezembro de 2010, no apagar das luzes do mandato do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Esse decreto trata dos restos a pagar não-processados dos exercícios financeiros de 2007, 2008 e 2009, com validade até o dia 30 de abril de 2011. Restos a pagar, no jargão orçamentário, é o nome atribuído a despesas que foram empenhadas, mas não foram pagas, até 31 de dezembro, quando se encerra o ano fiscal.
A isso se soma o corte orçamentário determinado no final de fevereiro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, prevendo economia de R$ 50,2 bilhões no orçamento de 2011. Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) indicam que nessa tesourada havia restos a pagar processados e não processados destinados aos municípios.
Os restos a pagar processados são destinados a obras que estão em andamento e, portanto, compromissos já assumidos pelos municípios com seus fornecedores em obras em execução ou já finalizadas.
Esses cortes orçamentários, em restos a pagar processados ou não-processados terminam com a segurança jurídica dos administradores municipais. Além de impedir a continuação de obras que estão em andamento ou prestes a serem iniciadas, o corte orçamentário pode trazer sérios problemas a contratos que foram firmados entre as prefeituras e seus fornecedores, gerando descrédito dos administradores junto às suas comunidades.
É por situações como essa que os preços dos serviços, quando ofertados aos entes públicos, são superiores aos preços praticados pelo setor privado. Em licitações públicas, fornecedores de obras e serviços são compelidos a elevar seus custos, por causa de incertezas quanto ao recebimento.
Este é apenas mais um capítulo de uma novela que não tem final feliz. O arcabouço institucional brasileiro confere aos municípios muitas atribuições, e poucos recursos.
Precisamos, com urgência, rever o pacto federativo, para compartilhar com mais justiça os recursos arrecadados via impostos entre União, estados e municípios. É no município que as riquezas são produzidas, e é nele que os cidadãos vivem e consomem. É no município que os recursos de impostos são gerados, para serem entregues aos estados e à União, e posteriormente retornarem ao seu local de origem. O que vem é menos do que sai.
Atualmente, 60% dos recursos gerados com a arrecadação de impostos ficam com a União, 24% ficam com os estados, e somente 16% com os municípios.
No entanto, os municípios são muito mais eficientes na hora de utilizar esses recursos.
Estudo feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) demonstra que a taxa de investimento média da União, entre os anos de 1995 a 2008, foi de 18,5% e a dos estados, no mesmo período, foi de 38,4%. Já os municípios utilizaram 43% de seus recursos orçamentários em investimentos.
Esse estudo demonstra que a revisão do pacto federativo é inadiável.
Não é por acaso que os municípios, na média, são mais eficientes na aplicação de recursos. Em certa medida, esse sucesso se deve à proximidade existente entre as administrações municipais e as comunidades. Os prefeitos sabem, com precisão, onde devem investir os recursos, quais são as prioridades dos cidadãos e, principalmente, têm condições de avaliar os preços praticados pelos prestadores de serviços e fiscalizar a execução das obras.
Os administradores municipais são solidários aos governos estaduais e à União na responsabilidade pelo atendimento às demandas da população. O cidadão, em geral, não tem conhecimento suficiente sobre as competências de cada ente federado ou sobre a política orçamentária, e nem se espera dele isso.
Mas é do prefeito que ele cobra a ação rápida em casos de calamidade pública, sem saber que os recursos para a defesa civil, por exemplo, são responsabilidade da União em parceria com os estados. É do prefeito que ele cobra bom atendimento no sistema público de saúde, sem saber que a União é quem não cumpre o mínimo constitucional de aplicação de recursos nessa área. O serviço público de saúde já teria interrompido suas atividades se não fosse o esforço das prefeituras em alocar recursos para cobrir esse déficit. Dados da CNM indicam que, em média, os municípios aplicam 22% da receita líquida em saúde, enquanto os estados, que deveriam aplicar 12%, não chegam nem perto disso, como é o caso do Rio Grande do Sul, cujo percentual é de apenas 5%.
É por esses e outros motivos que reforço a necessidade da revisão do pacto federativo, para que a maior parte dos recursos gerados nos municípios neles permaneça. Esse é o primeiro passo para a realização de uma reforma tributária que proporcione eficiência na utilização de recursos públicos e, por que não, a redução da carga tributária. Além disso, dar maior estabilidade institucional e política à federação.