Não é aquela ressaca de quem bebeu, de quem acorda pela manhã indisposto para tudo e qualquer coisa. Acorda com dor de cabeça, dessas que impedem até os movimentos; nem um leve meneio. Minha ressaca não é dessas, que fazem o cidadão ou a cidadã acordarem com enjoo e náuseas devido ao porre do dia anterior. Não, não é isso. Minha ressaca é por outra razão. Apesar de levantar e estar fisicamente bem, ela permaneceu o dia todo.
É nesta situação, de ressaca, que sento para escrever este artigo. Apesar de tantos acontecimentos e assuntos na semana, sentei-me para escrever sem ter um tema. Sentei, liguei o computador e pus-me a pensar. Neste momento, senti o quão grave é esta minha ressaca. Tão grave que está impedindo grandes voos do pensamento. Impossibilitado de voar, ou de pensar, vago à procura de assunto para este texto.
A minha ressaca é um cansaço do processo eleitoral. Sem ser candidato, estou mentalmente cansado. Cansado – o leitor me desculpe, mas tenho que dizer – pelo besteirol que ouvi ao longo dos últimos quatro meses. Além das besteiras, algumas truculências.
Ouvi besteiras de todos os teores e de todos os setores. Ou, como diz Tom Zé, de todos os sabores. Besteiras ditas por eleitores, mas principalmente por candidatos ou comentaristas políticos. As ditas por eleitores geralmente são repetições daquilo que ouviram, seja de “especialista”, “cientista” político ou candidato. Se até papagaio repete, por que alguns eleitores e eleitoras não podem repetir?
Minha ressaca é principalmente pelo que ouço no rádio, na tevê e leio nos jornais e revistas. Há sempre comentaristas, ou “especialistas”, e candidatos repetindo, quase sempre de maneira preconceituosa, um rosário de lugares-comuns contra homossexuais, pobres, negros, mulheres, Lula e o PT. Apesar de tudo o que pregaram, o PT saiu vitorioso das eleições. Justamente isso os pregadores não aceitam, e por não aceitarem fazem as mais variadas interpretações.
A ressaca não me permite pensar e fazer contas: dividir, multiplicar, somar e diminuir os votos entre os partidos para mostrar a vitória do PT. Mas só pela vitória em São Paulo, dentro do ninho dos tucanos, não dá para falar que o PT saiu derrotado das eleições. Inclusive Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo, comenta a posição de uma âncora da GloboNews, que afirmou que Lula venceu em São Paulo “por sorte”. Sim, você leu certo, venceu “por sorte”. Provavelmente para ela, nessa profunda análise política, Serra perdeu por azar. Segundo a GloboNews, Lula foi derrotado nas eleições de São Paulo. Faltou falar que Serra foi eleito prefeito.
Outros comentários “inteligentes” e de “profunda análise política” foram registrados no blog do Luis Nassif. Lá há um registro das “pérolas” dos “especialistas”. São semelhantes às “pérolas do Enem”. Só que no Enem a gente perdoa.
Aqui algumas das pérolas da Globo e da GloboNews, publicadas no blog do Nassif, com observações, entre colchetes, feitas por mim: “Haddad é o mais tucano dos petistas” [é um jeito de dizer que o PT saiu derrotado e um tucano foi eleito prefeito de São Paulo]; “No segundo turno, mais se rejeita um candidato do que se vota no outro” [como foi que se chegou a essa conclusão?]; “Serra não queria ser candidato, e só o foi por insistência do PSDB” [mentira deslavada]; “O PSDB é o segundo (em número de prefeitos, depois do PMDB), mesmo há dez anos fora do poder!” [Merval, é claro. Esse acadêmico não toma jeito. Qualquer dia ele deve lançar um livro com “as melhores do Merval”]; “Maguito Vilela é eleito no segundo turno (para prefeito de Aparecida de Goiânia)” [ele foi eleito no primeiro turno, mas tem que ser contado duas vezes]. São muitas as “pérolas”, mas paro por aqui.
Ouvir “pérolas” como essas, ao longo de quatro meses, é ou não é para ficar de ressaca? Minha ressaca começou a melhorar só na segunda-feira (29), quando iniciei minha terapia: não vi, não li e tampouco ouvi qualquer análise feita por “especialistas” ou “cientistas” políticos. Isso me permitiu concluir este texto.